Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Jornalismo refém do Hamas

A guerra entre Israel e Gaza está matando as pessoas e o jornalismo

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"Na guerra, a primeira vítima é a verdade." Essa frase já foi atribuída ao senador americano Hiram Johnson, que a teria dito no meio da Primeira Guerra Mundial. Há quem diga que é uma citação ainda mais antiga, feita pelo dramaturgo da Grécia Antiga, Ésquilo.

Já vi pessoas famosas, jornalistas, filósofos citarem essa frase creditando ou um ou outro. Isso já mostra que, às vezes, a verdade pode ser uma questão de preferência, como o que temos visto nas últimas duas semanas.

Um contorcionismo enorme para que as narrativas, e são várias narrativas, caibam na verdade eleita por cada um de nós. E eu não estou me eximindo de ir pelo mesmo caminho, embora eu faça um exercício dificílimo, quando a história envolve questões pessoais, de me concentrar nos fatos.

Moradores ao redor de corpos de pessoas mortas após ataque ao hospital Ahli Arab na cidade de Gaza
Moradores ao redor de corpos de pessoas mortas após ataque ao hospital Ahli Arab na cidade de Gaza - Dawood Nemer/AFP

É regra do jornalismo ouvir, analisar, dar voz a todos os lados. Como consumidora de informação, nem sempre leio coisas de que eu gosto, nem sempre a verdade é confortável, mas ainda prefiro a verdade. Por isso me lembrei dessa frase: "Na guerra, a primeira vítima é a verdade". E o que eu tenho visto nessas últimas semanas é o jornalismo morrendo naquilo que ele tem de mais importante: o compromisso com a verdade.

Não sei se é a pressa em dar a notícia, se é disputa de espaço com influenciadores, produtores de conteúdo, mas o episodio do míssil, do foguete, da bomba no hospital em Gaza mostra um fato: a guerra entre Israel e Gaza não tem matado apenas pessoas, está matando o jornalismo. A desinformação que rola solta na internet não pode encontrar eco na imprensa.

Até agora ninguém conseguiu bater o martelo sobre a explosão que atingiu o hospital Ahli Arab. Ninguém conseguiu cravar nada que ainda não tenha sito rebatido. Se foi um ataque premeditado de Israel, se foi a Jihad Islâmica, se foi o próprio Hamas. Não se sabe até agora nem se o número de vítimas é o que foi divulgado pelo Ministério da Saúde de Gaza. Lembrando que o órgão é controlado pelo Hamas. Mas logo depois da explosão, a maioria dos veículos tradicionais de imprensa estampou na manchete de seus sites a informação divulgada pelo Hamas de que Israel tinha atacado um hospital e deixado centenas de mortos. Inclusive a Folha se prestou a este papel de Relações Públicas. Deram espaço à narrativa dos terroristas, sem apurar, sem contestar.

Nas horas seguintes, enquanto Hamas e Israel trocavam acusações, os mesmos jornais começaram a mudar a linha de suas chamadas, mas apoiados no que o Hamas queria que fosse divulgado. Veja, não é um detalhe. A notícia de que Israel teria bombardeado um hospital e matado 500 pessoas poderia mudar até parte da opinião pública que apoia os israelenses, diminuir o apoio da comunidade internacional, aumentar o sentimento anti-Israel, alimentar o argumento de genocídio em cortes internacionais.

Ser jornalista não é ser relações públicas de um grupo terrorista, como bem definiu no Twitter o colega Rodrigo da Silva. Não foi só Israel quem foi pego de surpresa e parece totalmente desorientado sobre como lidar com extremistas, colocando em risco a vida de israelenses e de palestinos.

A imprensa profissional parece atordoada. Ao replicar declarações do Hamas para contar uma história, o jornalismo mostra que se tornou refém dos terroristas, parece seguir o roteiro definido por ele, lhes servindo de porta-voz, de assessoria de imprensa. O resultado é que o noticiário nos dias seguintes foi ocupado pelas manifestações no mundo árabe por causa da explosão no hospital, enquanto as notícias sobre o que de fato aconteceu desapareceram.

Primeiro, o porta-voz do ministério da saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, falou em 500 mortes, depois mudou o discurso para centenas.

Em outra entrevista, Mohammad Abu Selim, chefe de outro hospital na região, disse que eram 300 mortos. A France-Press, agência de notícias francesa, diz que conversou com um membro do serviço de inteligência europeu que acredita que o número de mortos seria bem menor, entre 10 e 50. Outra informação que vem circulando é que a explosão foi no estacionamento do hospital, que estaria intacto. Não há nenhuma informação independente sobre a real situação. O que podemos concluir? Muito pouco, mas a maioria das pessoas já escolheu no que acreditar. Na narrativa que se encaixa melhor às suas crenças.

Passamos os últimos anos falando sobre como os grupos extremistas de direita conseguiram controlar a narrativa. Vimos o surgimento de agências para aferir as informações que circulam na internet para tentar diminuir a desinformação. O jornalismo foi essencial para que não mergulhássemos num buraco de fake news. Entender o que é verdade e o que é propaganda dos dois lados do conflito é urgente, inclusive para o jornalismo. Ou seremos nós, todos nós, os perdedores dessa guerra.

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