Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Crise da centro-esquerda abre caminho para Sanders nos EUA

No meio de tanta morosidade, o senador surge naturalmente como um dos favoritos em Iowa

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Progressistas parecem chocados perante a possibilidade cada vez mais provável de os democratas americanos depositarem todas as suas fichas em um candidato de 78 anos, vítima de um ataque cardíaco no ano passado, eleito senador pelo menor e menos competitivo estado, conhecido por suas posições polêmicas e minoritário dentro do seu campo político.

Mas se levarmos em consideração o estado calamitoso da oposição a Donald Trump, essa aparente anomalia começa a fazer sentido. Político de contestação por natureza, Bernie Sanders passou a desenvolver um projeto de poder após a crise financeira de 2008.

Ele foi o único a assumir a herança do movimento Occupy Wall Street e da oposição à Guerra do Iraque, os dois eventos formativos para os americanos com menos de 40 anos.

O senador e pré-candidato democrata Bernie Sanders discursa durante evento na cidade de Newton, em Iowa
O senador e pré-candidato democrata Bernie Sanders discursa durante evento na cidade de Newton, em Iowa - Mike Segar/Reuters

A sua campanha nas primárias de 2016, inicialmente vista como uma aventura exótica e efêmera, ganhou uma dimensão inesperada depois do terremoto que foi a eleição de Donald Trump.

Cercado por jovens e hiperativos assessores, Sanders soube costurar um movimento sustentável e enraizado localmente.

A dinâmica ao seu redor favoreceu a emergência de uma nova geração de líderes, a começar pela agora mundialmente conhecida Alexandra Ocasio-Cortez. Goste-se ou não da figura, Sanders deu uma aula de inovação e criatividade em tempos de apatia e perplexidade.

Com efeito, ninguém tem mais mérito na ascensão de Sanders do que as lideranças de centro-esquerda. Quatro anos atrás, elas foram incapazes de replicar a brilhante aliança carismática de Barack Obama, que nunca mostrou interesse em perpetuar o seu legado dentro do partido, e viraram reféns de Hillary Clinton.

À imagem de Tony Blair no Reino Unido, ela veio a encarnar o progressismo beligerante, submisso aos interesses financeiros e alienado das classes populares. Um verdadeiro cabo eleitoral de populistas.

Sem ideias, o partido democrata apostou tudo na judicialização do embate com Trump com o resultado que conhecemos: tanto a bizantina investigação da interferência russa nas eleições de 2016 como o processo de impeachment reforçaram, em vez de enfraquecer, a base do presidente e as suas tendências autoritárias. 

Na semana passada, os senadores do partido republicano endossaram bovinamente a tese dos advogados do presidente, que introduz a ideia de um presidente monárquico.

Se Trump conquistar um segundo mandato, ele governará sem a ameaça do impeachment e qualquer resquício de oposição. Um monstro institucional alimentado pelas jogadas desastrosas da oposição.

Sintomático desses quatro anos de política burocrática e conspiratória, os democratas de centro-esquerda não conseguiram nada melhor do que apresentar nas primárias deste ano, entre outras tranqueiras, um sofá velho da era Obama, Joseph Biden, e um estagiário de startup, Pete Buttigieg.

No meio de tanta morosidade, o independente Sanders surge naturalmente como um dos favoritos em Iowa. Nos Estados Unidos e no resto do mundo, a aversão patológica da centro-esquerda à renovação continua favorecendo a ascensão de candidatos inusitados.

 

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