Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer
Descrição de chapéu Séries

'The Dropout', série sobre golpista, ajuda TV a pintar vilões do Vale do Silício

Antes demonizada, televisão passa a ditar os perigos do mundo real com novo patamar de relevância

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Desde a década de 1970, pelo menos, Hollywood se diverte demonizando a televisão. São dezenas os filmes, muitos deles ótimos, dedicados a mostrar o mal que essa mídia e vários dos seus gêneros, como telejornalismo, programas de auditórios, desenhos animados e realities, são capazes de causar aos incautos espectadores.

De "Rede de Intrigas" (1976) a "O Abutre" (2014), passando por "Nos Bastidores da Notícia" (1987), sem falar de outros que a retrataram de forma menos direta, como "Muito Além do Jardim" (1979) e "O Rei da Comédia" (1983), a televisão sempre foi apresentada como vilã.

O ator Jake Gyllenhaal em cena do filme 'O Abutre' - Divulgação

Causa de alienação, manipulação, distorção da realidade e enlouquecimento, entre outros danos terríveis infligidos à sociedade, a televisão aceitou sem reclamar muito o lugar em que foi posta pelo cinema. Isso sem falar do fato de que, nos Estados Unidos, por muito tempo, havia uma distinção de classe entre atores de cinema (mais respeitados) e atores de TV (uma categoria inferior).

Tudo mudou nas últimas duas décadas. A chamada "era de ouro", capitaneada pelos "homens difíceis" ("Sopranos", "Mad Men" e "Breaking Bad"), deu novo status à televisão. Séries de boa qualidade, sofisticadas até, ajudaram a atrair investimentos, publicidade e profissionais de ponta do cinema. No imaginário de muita gente, as séries ocuparam um lugar que pertencia aos filmes.

Nesta terceira década do século 21, agora cabe à televisão o poder de dizer quem são os novos vilões. Uma safra de novas séries sugere que o alvo são as empresas de tecnologia. Por trás da "onda de vigaristas na TV", como bem apontou a Ilustrada em fevereiro, estão as redes sociais, os aplicativos de celular e os gênios do Vale do Silício.

Nos casos de "O Golpista do Tinder" e "Inventando Anna", ambas da Netflix, os protagonistas são arrivistas que usam as facilidades oferecidas pela tecnologia para enganar e roubar figuras esclarecidas, mas frágeis e manipuláveis. A primeira é uma série documental, e a segunda, de ficção, se baseia em fatos reais.

Mas é "The Dropout", disponível no Star+, a mais divertida. Assim como as duas outras, também toma por base investigações jornalísticas para retratar a história de uma golpista do mundo real, mas de outro patamar.

Elizabeth Holmes, vivida por Amanda Seyfried, é da segunda geração de jovens visionários, que fundaram empresas na Califórnia antes mesmo de terminarem a faculdade acreditando que se tornariam bilionários. Nascida em 1984, criada em um ambiente privilegiado, estudou em Stanford, mas abandonou o curso pela metade (por isso "the dropout").

Amanda Seyfried como Elizabeth Holmes em cena da série "The Dropout"
Amanda Seyfried como Elizabeth Holmes em cena da série 'The Dropout' - Divulgação

Aos 19 anos, Holmes fundou uma empresa que prometia democratizar o acesso ao sistema de saúde. Dizia ter inventado uma máquina portátil capaz de fazer análise completa e rápida do estado de saúde do paciente com base em gotas de sangue retiradas do dedo.

Exibidos os primeiros quatro episódios (de um total de oito), o mais engraçado é a descrição dos homens experientes, cientistas e empresários calejados, que acreditaram e foram enganados por Holmes. Acredito que nos próximos episódios também veremos os jornalistas que ela ludibriou.

A série a descreve como dona de um poder de sedução e manipulação sem precedentes, e todos ao redor dela como grandes idiotas, desejosos de acreditar na novidade que ela representava. Condenada por fraude no início de janeiro, Holmes aguarda a definição da sua sentença.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.