Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Paulo Vieira estreia no 'BBB' e diz que não trabalha 'para ser intelectual'

'Sinto que às vezes não levam o meu trabalho a sério. O Brasil não tá acostumado a ver preto intelectual', diz o ator; interessado em fazer humor popular, ele estreia o quadro 'Big Terapia' no 'Big Brother Brasil'

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O Big Fone tocou para Paulo Vieira no fim de novembro. Do outro lado da linha, em vez da voz distorcida que dá importantes instruções aos participantes do "Big Brother Brasil", quem pedia para ele prestar muita atenção era Boninho.

O diretor do reality show de maior audiência da Globo não queria convidar o ator e humorista para ser um dos participantes famosos do chamado "camarote", mas oferecer um quadro de humor na atração.
"Vou ser pago para fazer o que já fazia de graça, assistir ao 'BBB' e comentar sobre os participantes no Twitter", diz Vieira, de 29 anos.

Paulo Vieira desenvolve uma série para a Globo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Na próxima quarta (26), o atualmente filho ilustre de Palmas (TO), cidade onde cresceu e vive sua família, ficará conhecido em todos os cantos do país com a estreia de "Big Terapia". No esquete, ele interpreta o psicólogo dos confinados que disputam o prêmio de R$ 1,5 milhão.

"Ele é um psicólogo com diploma do Instituto Universal Brasileiro [escola antiga de cursos a distância], sem compromisso algum", adianta, em entrevista feita por videochamada, do apartamento onde vive no Copan, famoso edifício projetado por Oscar Niemeyer em São Paulo.

Para ter material de trabalho, o humorista não fica assistindo ao programa o dia todo pelo pay-per-view. A cada duas horas, apita uma mensagem em seu telefone com um relatório da produção do "BBB" com os últimos acontecimentos no confinamento.

"Me sinto um investidor de Tóquio, um 'trader' recebendo informações sobre ações", diz, soltando uma tirada por frase. "Vem tudo escrito: 'Fulano se uniu com fulana para falar mal de sicrana', 'fulano brigou por comida'."

O que o público nem vai desconfiar é que por detrás do analista de araque há um cara que sonha em fazer faculdade de psicologia. "Eu adoro estudar coisas ligadas à psicologia. Esse quadro vai até ser ruim para minha futura carreira de analista", conta ele, que faz análise há anos.

"Quando a gente não precisar mais brigar por comida e educação no Brasil, minha próxima luta vai ser para todos terem direito a terapia e massagem de graça."

Filho de pais que não conseguiram completar nem o ensino básico porque precisaram começar cedo a lutar por comida e moradia, Vieira diz ser um exemplo de como a educação e a cultura são essenciais para transformar vidas.

Desde os nove anos, ele conciliava as aulas em uma escola pública no centro de Palmas com cursos gratuitos de teatro. Na adolescência, vendia salgados para ajudar em casa.

"A educação e a cultura me salvaram, todas as peças de graça que eu vi no Sesc, os shows gratuitos, as oficinas que fiz. Não consigo separar cultura da educação. Acho que quando você faz essa separação, você tem esse bando de gente formada e burra que tem aí, como o médico receitando ivermectina [remédio para gado sem eficácia comprovada no tratamento para Covid-19]", afirma. "A educação te ensina a prática das coisas, e a cultura te humaniza."

Quando chegou o vestibular, escolheu comunicação social, porque diz que seu sonho sempre foi ser um comunicador popular. Se formou em jornalismo na UFT (Universidade Federal do Tocantins), mas ainda não pegou seu diploma. "Quando ligo para a minha mãe para falar de um novo trabalho, ela fica feliz, mas fala: 'Meu filho, quando você vai regularizar sua situação e pegar o diploma?'."

O ator conta que a mãe, dona Conceição, sempre o incentivou a estudar, já o preparando para os preconceitos que ele enfrentaria. "Ela dizia que eu precisava ser o melhor no que eu escolhesse fazer porque eu era preto, pobre, gordo e do Norte", diz.

Paulo Vieira vestido como uma mulher, usando peruca
Paulo Vieira caracterizado como sua personagem Mãe, do quadro 'Emergente como a Gente', do 'Programa do Porchat', da Record - Record TV

Vieira chegou a trabalhar como jornalista num programa de rádio, mas paralelamente seguia com o teatro.

Com um texto bom e de humor afiado, passou a fazer espetáculos de comédia stand-up, sendo descoberto por colegas que foram se apresentar em Palmas. Recebeu um convite para trabalhar no clube de comédia Comedians, em São Paulo, e aí se mudou para a cidade.

Dos palcos migrou para a TV em 2016, trabalhando ao lado de Fábio Porchat no "Programa do Porchat", na Record. Na atração, ele apresentava o "Emergente como a Gente", um esquete de costumes da vida das pessoas de baixa renda, em que interpretava uma personagem inspirada em sua mãe.

Seu Fininho (Paulo Vieira) e Professor Raimundo (Bruno Mazzeo)
Paulo Vieira e Bruno Mazzeo como Seu Fininho e Professor Raimundo na 'Escolinha do Professor Raimundo', em 2019 - Globo/Estevam Avellar

Em 2019, o ator foi para a Globo após ser convidado para integrar o elenco do "Zorra". Depois, passou pela "Escolinha do Professor Raimundo", pelo "Fora do Ar" e teve um quadro de humor no "Fantástico", o "Como Lidar", sobre o isolamento social no início da pandemia de Covid-19.

Em outubro do ano passado, como a coluna adiantou, Vieira teve o aval da emissora para desenvolver a série que criou inspirada nos negócios malucos que o pai, Luisão, e seu melhor amigo Pablo inventam desde que o ator era criança. Ele começou a narrar as aventuras de Pablo e Luisão no Twitter, alçando a dupla à fama e se tornando um viral nas redes.

Quando surgiu o convite para o 'BBB', o ator estava gravando "Novelei", produção original da Globo em parceria com o YouTube. Na série, ele contracena com Tony Ramos e Susana Vieira, entre outros, recriando cenas famosas de novelas.

No ano passado, Vieira estreou como apresentador no GNT, em uma competição gastronômica, o "Rolling Kitchen", em que recebe famosos disputando entre eles. Em fevereiro, ele grava um programa de viagem para o canal em que falará com anônimos que tenham histórias curiosas.

​Outro projeto de 2022 de Vieira, que também se arrisca como cantor e compositor, é lançar seu primeiro livro infantil, "O Dia Que a Árvore do Meu Quintal Falou Comigo" (ed. Harper Collins).

"Quero ver minha mãe cobrar meu diploma da faculdade depois de me ver contracenando com Tony Ramos e aparecendo no 'BBB.'"

Leia a seguir os principais trechos da entrevista à coluna.

O ator, humorista e apresentador Paulo Vieira em seu apartamento em São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

FAMA COM O 'BBB'

Será que vou ficar tão conhecido? Não sei. Mas, se ficar, esse lugar da fama de parar para tirar foto não me irrita porque fiz um um workshop de ser famoso em Palmas. Lá eu sempre fui uma celebridade, quase um político. Em SP, ninguém me dá criança para segurar, beijar, tirar foto.

Vamos ver se vai mudar lá em casa, porque minha família não me dá muito crédito. Eles acham que os meus programas passam só lá em casa, que eu tô enganando eles e que não tá passando no Brasil todo. Mas sério, minha família lida com muita naturalidade com as coisas. Eles sabem onde eu baseio o meu trabalho, sabem da importância que eles têm para mim. Eles acompanham tudo com alegria, mas sem deslumbre.

PAPEL EM NOVELA

Eu iria amar fazer uma novela, mas tendo um papel importante. Faria uma novela em que eu tivesse um personagem complexo, que amasse, que tivesse família, que tivesse questões, que se reinventasse dentro da trama. Queria fazer um bom personagem. Mas já avisa eles que neste ano eu tô sem tempo [risos].

Acho que eu vou fazer igual a Regina Casé. Meu objetivo é ser o Regino Casé. Vou ficar ali entre programas de comédia, fazendo séries, projetos pessoais, aí quando eu for um cinquentão, eu estreio numa 'Amor de Mãe' [novela que Casé protagonizou], lá no alto [risos].

Paulo Vieira com as atrizes Taís Araújo e Jéssica Ellen na gravação da vinheta de fim de ano da Globo, em 2021 - Fabio Rocha/Globo

NÃO SER LEVADO A SÉRIO

Sinto que às vezes não levam o meu trabalho a sério, que há um desprezo. O Brasil não tá acostumado a ver preto intelectual, e não tô dizendo que eu sou um. Aqui a intelectualidade é uma faixa presidencial passada entre uma elite branca. Se essa intelectualidade fosse medida por inteligência de fato, não teríamos metade dos nossos intelectuais.

HUMOR POPULAR

Não trabalho para ser chamado de intelectual. Quero que as pessoas me achem bom naquilo que me propus a fazer. Que elas riam no momento que tem que rir e chorem quando for para chorar. Quero ver que consegui me comunicar com elas através daquele texto. Dentro desse jogo aí ser chamado de inteligente é a coisa que menos me interessa, embora eu saiba que tudo isso tem raiz no lugar onde o preto não é inteligente, né? Tem raiz no racismo estrutural. Mas isso não é o que me interessa. O que me interessa é ser bom e cada vez melhor.

É um clichê bobo esse pensamento não só sobre o meu trabalho, mas sobre o trabalho de todo mundo que faz coisas populares, de que isso é mais fácil, de que isso não é nobre. Você pode falar sobre cocô da maneira mais erudita possível e falar das coisas mais importantes do mundo de maneira popular.

CARA DO BRASIL

Acho que sou a cara de uma parte do Brasil. Então parte da opinião sobre mim tem a ver com esse Brasil que eu represento. Eu vejo muito isso nos hates [ataques] que eu recebo nas redes sociais.
É sempre uma galerinha novinha de classe média alta que não não vê valor do meu trabalho porque não sabem do que eu tô falando, não entendem minhas referências sobre a realidade de quem é pobre, trabalhador

O PAÍS ONDE EU MORO

Gosto de morar no centro de São Paulo para ver a vida real. Escrevi uma frase num papel que eu deixo na minha mesa de trabalho para eu nunca esquecer: 'O país onde eu vivo não é o país onde eu moro'.

O país onde eu moro é esse em que um pai de família tá na rua com sua família porque não conseguiu pagar aluguel. Essa frase é para sempre me lembrar de que a vida não é esse ingresso cortesia do Rock in Rio, o estúdio 'J' da Globo. Às vezes eu posso viver nesse outro país do 'Big Brother', mas não me esqueço de onde eu vim, do país onde eu moro.

O ator Paulo Vieira com sua mãe, Conceição
O ator Paulo Vieira com sua mãe, Conceição, inspiração para uma de suas personagens; 'Minha mãe dizia que eu precisava ser o melhor no que fizesse por eu ser preto, pobre, gordo e do Norte', conta - Arquivo pessoal

AULA EM CASA

Meus pais não têm nem o ensino básico completo. Eles brigam em casa para saber quem estudou mais que o outro, um fala que fez até a quarta série, o outro diz que foi até a terceira, mas que fez 'Telecurso 2000'. Mas eles têm uma inteligência enorme. Eu meio que aprendi política empiricamente com meu pai, ele era um militante, mas sem esses termos de hoje da moda. Ele sempre foi um cara que se movimentou, que tentava fazer as coisas acontecerem, que criou uma associação de moradores onde ele morava, em Trindade, Goiás, para conseguirem comprar uma ambulância para a comunidade.

Sabe onde foi o primeiro encontro dos meus pais? Numa reunião do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Ele não era do MST, mas gostava de ir lá ouvir as pessoas, de participar. Era real, não era igual a essas pessoas de bairro de elite que compram boné do MST para ser cool.

Luisão (à esq.), pai de Paulo Vieira, com o melhor amigo, Pablo
Luisão (à esq.), pai de Paulo Vieira, com o melhor amigo, Pablo, em sua casa, em Palmas (TO); Vieira levará as invenções da dupla para a TV com a série 'Pablo e Luisão' - Arquivo pessoal

PABLO E LUISÃO

Estamos fazendo sala de roteiro para desenvolver a série. Eu comecei a escrever no Twitter a história de Pablo e Luisão sem pretensão, e as pessoas foram pedindo mais. Eles já tiveram ideias de negócios muito boas. Todas as 'empresas' que eles criaram faliram porque eles não têm um pai bancando, sabe, um investidor. Se eles tivessem aberto uma lanchonete com móveis retrôs e chamado de Empório da Coxinha teria dado certo. Eles são empreendedores natos lutando contra a economia e a realidade do país, acho que muita gente se identifica.

E eles não param. Minha mãe me ligou outro dia para contar que agora eles começaram um negócio de venda de camarão e lotaram o freezer lá de casa de camarão. Aí já me disse "Ô bicho para feder. Tô com a casa toda cheirando merda, tá o inferno na minha vida".

Meu pai acha que tudo é mentira, que não vai ter série, que eu tô falando mal dele na internet. O Pablo tá mais animado. Outro dia me ligou: 'Será que eu posso fazer um ferro-velho com o nome Pablo e Luisão?'. Falei que pode. Não tem fim, não invento nada ali nem no que eu posto sobre a minha família.

GOVERNO BOLSONARO

Esses direitistas, bolsonaristas, para não dizer fascistas, conseguiram nos envergonhar, marginalizar a esquerda e acabar com a nossa autoestima. Então de repente eu tava com a cabeça abaixada, parecia que eu tinha roubado alguma coisa do Brasil, como se motivo da minha ideologia política não fosse o bem comum. Eles conseguiram tirar esse brilho da sociedade, o nosso brio.

Eu sou do time que acredita que foi golpe, [o impeachment de Dilma Rousseff]. Eles conseguiram criar uma atmosfera de que o país agora era deles, a falar aquelas coisas "é melhor 'Jair' se acostumando'. Eu comecei a ficar com medo de falar. É o tom que esse governo [Bolsonaro] usou o tempo todo. Mas aí fomos nos 'animando' a criar uma resistência.

LULA 2022

A primeira vez que vi meu pai chorar foi quando o Lula se elegeu presidente pela primeira vez. Eu era criança e me lembro dele explicar que era um trabalhador, uma pessoa como a gente. Gosto muito do Lula e o meu grande projeto de 2022 é a eleição dele. Vou fazer o que eu puder para ajudá-lo a se eleger.

Eu já fui atacado por defendê-lo. Em 2018, fiz um post lamentando a prisão dele, escrevi que era um motivo de tristeza profunda para a minha família e para muitas pessoas que vêm do lugar de onde eu venho. E aí foi uma das maiores ondas de ódio que recebi. Eu estava em cartaz no Rio e entraram no teatro me chamando de esquerdista, gritando Bolsonaro, quiseram até me bater. Falei para o meu irmão outro dia que se não conseguiram que eu ficasse quieto naquela época, não vai ser agora.

LIBERDADE PARA FALAR

Até hoje nunca recebi nenhuma advertência da Globo por fazer comentários políticos nas minhas redes sociais.

Eu sou um cara que não tenho nada, mas sempre me comporto como se eu tivesse tudo e não precisasse das coisas [risos]. Talvez eu tenha acreditado demais da minha mãe. Sempre que eu ligo para ela para reclamar de alguma coisa, ela fala 'Vem embora, você não precisa disso', mas a verdade é que eu sempre preciso. Mas essa minha postura é para preservar o meu eu artístico, preservar a minha ideologia, o motivo da minha existência como artista, que é dizer o que penso.

Então, obviamente na Record existiam vários empecilhos para isso, né? No 'Programa do Porchat', a gente fez um episódio superdelicado em 2018 sobre eleição. E eu consegui passar uma piada que o candidato era o vereador Catito, que ia ser o prefeito, e a vice era Helenão, e isso tava escrito nas camisetas. Isso deu um chabu na Record, colocaram 'blur' [efeito borrado] para o vídeo ir para o YouTube (veja abaixo):

AJUDAR A FAMÍLIA

O motivo pelo pelo qual eu trabalho muito, faço várias coisas, é a minha necessidade absurda de me
comunicar. Mas o que justifica tudo é eu poder ajudar minha família. É clichê falar daquela pessoa que sai de sua cidade e vem para São Paulo tentar uma vida melhor para ajudar a família, mas hoje eu sou essa pessoa. Eu sustento minha família, ajudo a pagar tratamento de saúde para a minha vó, tia, para os primos. E agora tô fazendo a casa dos meus pais. A obra começou o ano passado, mas aí acabou o dinheiro. Então, gente, pelo amor, estou contando com esse 'Big Brother', com merchans, para terminar essa casa.

MUSEU EM PALMAS

Parte do dinheiro que eu ganho com meu trabalho eu estou usando para comprar obras de arte, algumas em leilão. Tô fazendo isso porque meu sonho é criar um museu em Palmas (TO). Já tenho o nome, Mato, Museu de Artes do Tocantins. A gente não tem museu lá.

JOELMIR TAVARES (interino)

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