Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Existe uma ignorância muito grande do Brasil sobre o Brasil', diz Karina Buhr

Aos 48 anos, cantora lança seu primeiro romance, 'Mainá', critica visão 'colonizadora' de São Paulo e diz que solução para o país passa pelo coletivo

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A cantora, atriz e escritora Karina Buhr Renato Parada/Divulgação

Cantora, compositora, atriz, romancista, ilustradora e percussionista, Karina Buhr vive o seu próprio multiverso em meio a todas as suas versões. A primeira delas surgiu ainda na infância, na Salvador de 1980, quando via a mãe e o avô se arriscando no piano, a avó cantando na igreja e grupos como Banda Reflexu’s e Bandamel ocupando estações de rádio.

Na década seguinte, a verve musical se desdobrou em passagens por blocos de afoxé, pelos maracatus Piaba de Ouro e Estrela Brilhante e em grupos como Comadre Fulozinha e Mundo Livre S/A, na capital pernambucana, onde passou a viver. Foi em uma de suas apresentações que, por obra do acaso, Karina recebeu um convite para fazer teatro. Seu emissário? O dramaturgo Zé Celso, do Teatro Oficina.

Acompanhada de uma amiga, trocou Recife por São Paulo e embarcou em "Bacantes", peça inspirada na tragédia grega de Eurípides, sem saber bem o que faria. "A gente chegou no Oficina do aeroporto, as duas com as malinhas, no meio do ensaio corrido da peça", relembra.

"Não tiramos nem o tênis de tão tensas que a gente estava. Tem as fotos [desse dia], e é hilário: as bacantes todas nuas, maravilhosas, e eu e Isa de tênis, totalmente vestidas", conta, aos risos. "A gente aprendeu ali, fazendo. Tudo."

A cantora, atriz e escritora Karina Buhr - Renato Parada/Divulgação

Do início dos anos 2000 para cá, Karina Buhr já lançou quatro discos, rodou o mundo com suas turnês, arrematou e concorreu a prêmios —um deles, ao lado de Gal Costa e Marisa Monte—, publicou um livro de poesias, atuou no longa "Meu Nome É Bagdá" e, neste mês, lançou seu primeiro romance, "Mainá" (editora Todavia).

A obra leva o nome da protagonista da trama, uma criança vidente que é atravessada por histórias de tradição oral, cordéis e reinos. Mainá foi concebida pela primeira vez quando Karina Buhr tinha apenas 15 anos de idade, então como personagem para uma peça teatral.

"É uma história de ficção atemporal, não se passa necessariamente agora, antes ou depois, pode ser em qualquer momento. Mas acaba que em qualquer ficção a gente usa elementos da realidade. Usa a vida da gente, usa a vida dos vizinhos. A vida se transforma."

"Ela [a história] tinha os mesmos personagens que tem até hoje, mas tinha pouco texto e muitos cenários. Veio de Andréa Del Fuego a ideia do livro", diz, citando a escritora com quem teve aulas durante a pandemia de Covid-19. "Nunca tinha feito oficina de escrita criativa, morria de medo desse nome. Sempre fui mais de escrever na doida."

"Tem uma coisa da constância, de você escrever mais, de pensar, de botar os post-its na parede. Teve uma mudança de chave na escrita, de burilar mais. O ‘Desperdiçando Rima’ [seu primeiro livro, de poesias] foi mais cuspido."

As aulas de escrita e a ideia do livro surgiram como uma espécie de alívio em meio à crise sanitária. "Passei dois anos realmente confinada, foi bem difícil. Com pouquíssimo trabalho e pouquíssimo ânimo para criar coisa, fiquei totalmente sem vontade nenhuma, só triste. Vivendo muitos lutos, como todos nós. Mas essa escrita de ‘Mainá’ me pegou. Foi onde eu consegui existir."

Oriundo também da falta de incentivo ao setor cultural, Karina manifestou seu descontentamento publicamente em janeiro deste ano. "Queria receber convites para tocar, nem que fosse pra eu negar pela pandemia. Não recebo um convite desde 2020", escreveu em seu perfil no Twitter. "Será que fracassei, caboussetudo? [sic]", disse. A publicação acumulou cerca de 4.500 curtidas.

"Não é chororô, tem muita gente nessa situação, é desabafo, tristeza mesmo, por mim e todo mundo que tá sem trabalho. Todo mundo tem que, além de tudo, fingir que tá tudo bem, porque contratantes e marcas não gostam de gente triste", escreveu ainda.

"Era uma insatisfação, na verdade, para além do ‘ah, não estou recebendo convites’", explica à coluna. "É uma tristeza de você ver, de novo, mais um mestre de porta-estandarte de um bloco maravilhoso precisando fazer vaquinha para pagar tratamento médico."

"Isso eu vi a pandemia inteira e ainda está rolando agora. Toda semana você tem que fazer vaquinha para uma pessoa que sabe tudo de uma determinada coisa e não tem dinheiro para se cuidar quando está velho. É uma sensação de tristeza, de abandono", afirma.

Após o desabafo, com o avanço da vacinação e a retomada de festivais e casas de show, Karina enfim pôde voltar aos palcos. "Cada show é incrível de fazer, sempre foi. Mas agora tem esse gostinho de ‘eita, a gente ainda trabalha com isso, a gente ainda pode fazer isso’", diz. "É tanto tempo sem fazer que o corpo desacostuma também. É uma coisa de o corpo ir se acomodando. Está sendo maravilhoso."

Aos 48 anos de idade, Karina Buhr afirma não saber se mora mais no Recife, onde vive sua família, ou na capital paulista. "Acho que tem mais roupa minha aqui do que lá de novo", diz ela, que conversa com a coluna por vídeo desde o estado de Pernambuco.

A artista relembra o período em que foi "descoberta" pelo Sudeste, em 2010, com o lançamento de seu primeiro álbum, "Eu Menti Pra Você". "Foi tido como o meu começo, porque tem essa coisa colonizadora ainda de São Paulo ‘descobrir’. Foi como se eu tivesse começado ali, dei entrevistas como a iniciante da ‘nova cena’. Gente, eu era nova cena em 1994", diz, entre risos.

"‘Chegou na cidade grande, fez um rock and roll’. Mas eu não estava lá no campo, tranquila, e vim para o caos de São Paulo. Eu vim de um caos para outro caos. Tinha muito essa coisa de ‘ah, você lançou esse disco bem louco agora, antes você estava fazendo uma coisa muito tranquila’. Não, eu sempre fui nervosa", continua, rindo.

"Ainda existe uma ignorância muito grande do Brasil sobre o Brasil mesmo. Se vou falar sobre as coisas daqui de Pernambuco, é difícil falar naturalmente. Vou ter que explicar antes porque a maioria das pessoas não vai saber. Até sobre maracatu tem estereótipo."

Por ora, ela diz planejar um novo disco —mas afirma que ainda não tem previsão de gravação por querer aproveitar seu momento como escritora com o lançamento de "Mainá". E conta ter em seu horizonte o desejo de se dedicar mais ao cinema como atriz.

"Me deu muita vontade de fazer mais, de explorar mais e entender essa linguagem", diz ela sobre sua experiência como Micheline em "Meu Nome É Bagdá", de Caru Alves de Souza.

"O cinema é mais regrado, mas é muito tranquilo", explica, em comparação com a sua experiência com o teatro. "Tem hora para comer, tem hora para parar. Tem dia marcado! [risos] Talvez, se chover, marque para outro dia, mas achei muito tranquilo. O teatro, principalmente no Oficina, é uma coisa que não tem hora para acabar: nem a peça nem o ensaio nem nada", segue, rindo.

Ao ser questionada sobre o pleito deste ano, ela rechaça a possibilidade de reeleição de Jair Bolsonaro (PL). "Ele ter ficado até aqui é uma coisa muito absurda. Foi um desmonte muito grande de muita coisa. O primeiro passo é, com certeza, ele sair [da Presidência] para daí ter muito trabalho pela frente. É muita destruição em todos os níveis."

"Acho que a solução é, cada vez mais, todo mundo olhar para os lados, porque a solução é coletiva. Inclusive é uma lição que a gente poderia ter tirado da pandemia e não tirou. E não é que tem que ser coeso, porque o coletivo é diferente mesmo. É lidar com as diferenças."

ACOMPANHE OS PRÓXIMOS SHOWS E LANÇAMENTOS DE KARINA BUHR

  • 20 de agosto

    Feira do Livro de Ribeirão Preto, em SP, com Monique Malcher

  • 25 de agosto

    Lançamento de 'Mainá' em Belo Horizonte, na Livraria Quixote

  • 26 de agosto

    Show em Belo Horizonte, na Casa Autêntica

  • 27 de agosto

    Show no Circo Voador, no RJ, com Cátia de França

  • 28 de agosto

    Lançamento de 'Mainá' no Rio de Janeiro (local a confirmar)

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