Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Quis fazer um documento histórico, mas a história se repetiu', diz Carolina Jabor

O filme 'Transe', feito nas vésperas da eleição presidencial de 2018, mistura documentário e ficção

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A cineasta Carolina Jabor Leo Aversa/Divulgação

"Eu gosto de fazer ficção", diz Carolina Jabor. "Estava procurando uma história de ficção para falar dos jovens dos nossos tempos, mas comecei a achar os documentários e a própria realidade muito mais interessantes. O mundo está muito louco, né? Os valores estão mudando e a gente não está sabendo lidar com isso, o que gera muito conflito", afirmou a cineasta, em uma conversa de quase 90 minutos por Zoom no começo da semana e mais duas ou três mensagens de áudio por celular no dia seguinte.

Carolina tem 47 anos, 30 deles trabalhando com cinema e televisão. Começou aos 17, como assistente. E lançou o primeiro longa-metragem em 2008, em parceria com Lula Buarque de Hollanda, o documentário "O Mistério do Samba", sobre a Velha Guarda da Portela.

A cineasta Carolina Jabor - Leo Aversa/Divulgação

O filme foi exibido no festival de Cannes do ano seguinte. Na TV, estreou como diretora em "A Mulher Invisível", em 2011, da TV Globo, que ganhou um Emmy na categoria série cômica. Seu primeiro longa de ficção, "Boa Sorte", de 2014, é um drama romântico entre dois pacientes de uma clínica psiquiátrica, sendo que a menina, papel de Deborah Secco, era soropositivo e sabia que tinha pouco tempo de vida.

Em 2018, dirigiu e produziu "Aos Teus Olhos", um drama que trata de uma acusação de assédio sexual de um professor de natação, interpretado por Daniel de Oliveira, que sofre um linchamento virtual por causa disso.

Agora, Carolina tem dois projetos sendo apresentados ao público, ambos com temas muito atuais. O primeiro, que já está no ar, é uma sátira política do canal de streaming Prime Video, "Eleita", com Clarice Falcão no papel de uma comediante de internet que vira governadora do Rio de Janeiro.

O segundo é o filme "Transe", um trabalho coletivo, dirigido com a parceira Anne Pinheiro Guimarães, que mistura documentário e ficção. Ele foi feito às pressas no segundo semestre de 2018, no trecho final da campanha eleitoral que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil. "Transe" foi exibido pela primeira vez no Festival do Rio, e será exibido na Mostra de Cinema de São Paulo no próximo dia 22.

Conta a história de Luísa, papel de Luísa Arraes, que mora com seu namorado, o músico Ravel, papel de Ravel Andrade, e se envolve com Johnny, papel de Johnny Massaro, durante as manifestações que tinham como lema o #elenão, contra Bolsonaro e a favor dos direitos das mulheres. No processo, a garota entende que o mundo que conhece é uma bolha, formada por gente da mesma classe social, com a mesma inclinação política e visão de mundo, e com pouca coisa em comum com o resto do Brasil.

"Apesar de ter ficado muito quente nesse momento, e de ter sido feito mesmo no calor daquela campanha de 2018, o filme tem muita influência da nouvelle vague, de [Jean-Luc] Godard, principalmente do filme "A Chinesa", de 1967, que foi lançado meses antes do maio de 68", conta Carolina, se referindo ao cineasta francês morto no último dia 13 de setembro, que desafiava as convenções do cinema tradicional de Hollywood.

"Nada no filme foi planejado com muita antecedência, nesse sentido ele tem um caráter jornalístico, só que a gente estava fazendo uma ficção dentro daquela realidade", explica Carolina. "A gente observava os acontecimentos, por exemplo o fato de os evangélicos terem sido, naquele momento, responsáveis por um aumento de seis pontos percentuais nas intenções de voto para o candidato da extrema-direita, que acabou se elegendo. A gente precisava falar com os evangélicos, aí ia atrás e criava um personagem evangélico", conta a cineasta.

Com tudo isso —e muito mais— no currículo e na vida, invariavelmente Carolina é descrita em reportagens e entrevistas como "a filha de Arnaldo Jabor". Seu pai, que morreu no último dia 15 de fevereiro, aos 81 anos, foi um dos expoentes da segunda fase do cinema novo, como ficou conhecido o movimento do cinema brasileiro que revelou os cineastas Glauber Rocha e Cacá Diegues.

Jabor pai ganhou o prêmio urso de Prata no Festival de Berlim, em 1973, pelo filme "Toda Nudez Será Castigada", adaptado da peça de Nelson Rodrigues. Na década seguinte dirigiu seu maior sucesso de bilheteria, "Eu Sei Que Vou Te Amar", pelo qual Fernanda Torres ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes de 1987.

Em 1991, Arnaldo Jabor começou a trabalhar como colunista da Folha. Em seguida, passou a fazer comentários em vários telejornais da Rede Globo, tratando de cinema, arte, política, economia, filosofia, amor, sexo, preconceito. Com uma maneira incisiva de dar sua opinião, colecionou afetos e desafetos, principalmente entre pessoas de esquerda.

Seu último filme foi "A Suprema Felicidade", de 2010, fracasso de crítica e público, com um elenco notável. Marco Nanini, Mariana Lima, Elke Maravilha, Ary Fontoura e Maria Luísa Mendonça são alguns dos nomes na trama.

Além da obra vibrante e do sobrenome conhecido, Carolina é uma mulher muito bonita, sempre foi. E considera esse um outro obstáculo que teve que superar. "Existe, sim, um certo preconceito com ter um rostinho bonito, mas eu sempre procurei maneiras de não deixar isso me atrapalhar e desenvolvi muito meu outro lado, o intelectual", diz.

Sobre a influência do pai, conta que começou a trabalhar com cinema num momento da vida em que não estava falando com ele. Mas, olhando para trás, agora, acredita que ter virado cineasta foi, além de uma óbvia inspiração em Arnaldo Jabor, também uma reação do mundo ao fato de que, na época dele, era muito raro ter mulheres diretoras de cinema.

"Mas meu nome foi escolhido como homenagem a uma diretora de cinema muito amiga do meu pai, a Ana Carolina", conta. Ana Carolina, hoje com 79 anos, é uma cineasta paulista que ficou conhecida por uma trilogia sobre a condição feminina, feita entre os anos 1970 e 1980, que tem os filmes "Mar de Rosas", "Das Tripas Coração" e "Sonho de Valsa".

Carolina é mãe de Alice, de 9 anos e de João, de 15, ambos do casamento com o diretor e roteirista Guel Arraes, 68, com quem viveu durante 16 anos, entre 2003 e 2019. Foi o quarto casamento do pernambucano, diretor de clássicos da TV Globo como o seriado "Armação Ilimitada" e as novelas "Guerra dos Sexos" e "Vereda Tropical".

Guel é pai de Luísa Arraes, filha da atriz Virginia Cavendish, sua terceira mulher. Ex-enteada de Carolina, Luísa é a protagonista de "Transe". É o terceiro trabalho que as duas fazem juntas. "Luísa é quase como uma filha para mim", conta Carolina, que estava casada com Guel quando filmou "Transe". O casamento acabou no ano seguinte, mas o amor, não. "Tenho muito orgulho da minha separação", conta a cineasta. "A gente ainda se ama muito, o Guel é muito meu parceiro, mas não somos mais casados".

Carolina agora namora o produtor de cinema Rodrigo Teixeira, que tem divulgado ativamente o lançamento de "Transe" em suas redes sociais. Ela mora no Rio com os filhos, e Rodrigo em São Paulo, onde também moram sua ex-mulher e seus dois filhos pequenos. "A gente fica para lá e para cá, mas procura estar sempre junto", afirma. "E há uma compreensão muito grande tanto do Guel quanto do Rodrigo nessa combinação. O que me importa na vida é isso, manter as pessoas que a gente ama sempre por perto", diz a cineasta. "Estou bem resolvida, hoje, nessa história de amor", conclui.

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