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Descrição de chapéu Folhajus aborto

Mulheres processadas por aborto em SP são mães, pobres e arrimo de família, diz relatório da Defensoria

Sustentação levada ao STF ainda aponta que maior parte das denúncias é feita por profissionais de saúde

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Brasília

Um relatório feito pela Defensoria Pública de São Paulo sobre processos judiciais abertos no estado paulista contra mulheres que praticaram abortos mostra que, em ao menos 59% dos casos, as rés atendidas pelo órgão já eram mães e tinham até quatro filhos.

A análise ainda indica que, entre as que tiveram que responder na Justiça pela suposta prática do procedimento ilegal, a maior parte é pobre, tem baixa escolaridade e é arrimo de família. Em muitos dos casos, não há provas sobre a realização da interrupção nem sequer sobre a existência de uma gravidez.

Ato pela descriminalização do aborto na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos - 28.set.2023/Folhapress

Intitulado "41 Habeas Corpus: A Vida e o Processo de Mulheres Acusadas da Prática de Aborto em São Paulo", o documento foi elaborado pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria e apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal) no âmbito da ação que discute a interrupção do aborto até a 12ª semana de gestação.

Os 41 habeas corpus foram impetrados entre 2015 e 2020 —37 deles, no Tribunal de Justiça de São Paulo, e o restante, em cortes superiores. A Defensoria recebeu dezenas de casos relacionados ao tema, mas alguns tiveram de ser descartados por questões processuais.

Com exceção de uma mulher que tem rendimentos mensais de R$ 8.300 e de outra que é remunerada em R$ 2.500, os salários das rés variam entre R$ 600 e R$ 1.350, segundo a defensoria.

As ocupações exercidas por elas são de ajudantes de cozinha, feirantes, manicures, vendedoras, professoras, auxiliares administrativas, auxiliares de produção, balconistas, calçadistas, ajudante-geral e operadoras de caixa, por exemplo.

"O perfil dessas mulheres é, assim, bastante claro: são jovens em idade reprodutiva, em sua maioria já são mães, são as principais responsáveis pelo sustento da casa, têm baixa escolaridade e são pobres. São primárias. Não são criminosas", diz o relatório.

Das acusadas, a maioria está na faixa dos 20 anos (51%), enquanto 24% têm 30 anos ou mais, 22% têm entre 16 e 20 anos de idade e 3% têm 40 anos ou mais. A maior parte delas (19) se considera branca, sendo seguidas por aquelas que se autodeclaram pretas ou pardas (17) e uma asiática.

Em 54% dos casos analisados, essas mulheres foram denunciadas por profissionais de saúde que as atenderam em equipamentos do SUS (Sistema Único de Saúde). Se considerados os episódios em que houve compartilhamento de prontuários e relatórios com a polícia sem o consentimento das pacientes, o índice de quebra de sigilo sobe para 64,86%.

Um parecer do Ministério Público sobre uma das denunciadas diz que "a paciente foi alertada de que seu atendimento no hospital somente se faria possível" caso fosse registrado boletim de ocorrência. Diante de sua necessidade de ser atendida após complicações de um aborto inseguro, ela concordou com a condição imposta.

O Código de Ética Médica veda ao profissional da medicina conceder informações pessoais de pacientes que possam ocasionar investigação por suspeita de crime ou processo penal.

"O que se percebe pela análise dos processos é que as mulheres criminalizadas pelo delito de autoaborto estão em uma encruzilhada entre a prisão e o cemitério. Isso porque, ao buscarem o sistema de saúde para tratar eventuais consequências de um abortamento inseguro, passam a ser vítimas de violações de seus direitos à intimidade, à privacidade, à saúde e à dignidade", afirma o relatório.

Dos 41 habeas corpus apresentados ao Tribunal de Justiça de São Paulo, 81% não foram bem-sucedidos. O próprio Ministério Público paulista só se manifestou favoravelmente à concessão do recurso em apenas cinco ocasiões.

Três dos processos representados pela Defensoria acabaram indo para o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Um deles foi negado pela corte superior e aguarda decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Ainda de acordo com o núcleo especializado da Defensoria Pública, em 42,85% dos casos em que houve concessão do habeas corpus o julgamento contou com a presença de desembargadoras mulheres. Elas, porém, representaram apenas 4 dos 86 magistrados que analisaram os pedidos do órgão em prol das rés.

Ao lado da Clínica de Litigâncias Estratégica da FGV Direito SP, o Nudem atua como amicus curiae (amigo da corte) na ação que tramita no STF e reivindica a descriminalização do aborto no Brasil. Por ora, o julgamento contabiliza apenas um voto, dado por Rosa Weber em favor da interrupção.

Entre os argumentos utilizados pela Defensoria para pedir os trancamentos das ações contra as mulheres estão o da inconstitucionalidade da criminalização do aborto provocado pela gestante, o da violação de sigilo profissional e o da inexistência de provas que comprovem a prática do aborto.

De acordo com a defensora pública Nálida Coelho Monte, as denúncias geram um alto custo social por afastar dos serviços de saúde pacientes que precisam de cuidados médicos, já que eles seriam transformados em espaços de investigação.

"Podemos dizer que esses profissionais têm condicionado o tratamento médico à confissão de crime, o que pode ser equiparado à tortura. A tortura, da forma descrita aqui, é uma experiência exclusivamente feminina", afirma ela.

"Isso acontece porque os profissionais de cuidado, no contexto de criminalização do aborto, tem dificuldade de compreender as dimensões sociais e politicas do aborto e o reduzem a uma questão de politica criminal", diz ainda

Além de Monte, o Nudem é integrado pelas defensoras públicas Ana Rita Souza Prata, Paula Sant’Anna Machado de Souza, Rita de Cássia Gandolpho e Tatiana Campos Bias Fortes.


CASO DAS 10 MIL: PODCAST NARRA HISTÓRIA DAS MULHERES INVESTIGADAS POR ABORTO EM MS


PÁGINAS

A escritora Andréa Perdigão recebeu convidados para o lançamento de seu mais novo livro, "Insana" (editora Europa), no Botanikafé de Pinheiros, em São Paulo, na semana passada. A professora de literatura da USP Yudith Rosenbaum esteve lá. A youtuber Gilda Bandeira de Mello, do canal Avós da Razão, também compareceu

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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