Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Não é só a jaqueta da Melania Trump que não está nem aí

Enquanto mundo condena separação de crianças de pais imigrantes, eleitor republicano apoia

Melania aparece de costas, com a jaqueta verde, enquanto mulher abre porta de carro para que ela entre.
A primeira-dama americana, Melania Trump, entra no carro rumo à Casa Branca. Ela usa jaqueta com a frase: "Realmente eu não me importo. E você?" - Kevin Lamarque/Reuters

Aparentemente, não é só a jaqueta da Melania Trump que realmente não está nem aí.

Enquanto o mundo inteiro condena a política de tolerância zero de Donald Trump com imigrantes ilegais, que resultou na separação de famílias e detenção de mais de 2.300 crianças sem os pais, os eleitores republicanos aplaudem a medida.

Segundo pesquisa da CNN, dois terços dos americanos não apoiam a política. Entre eleitores republicanos, no entanto, há 58% de apoio.

Uma pesquisa da Quninnipiac University mais recente, ou seja, após várias imagens de crianças chorando terem circulado, mostra que esse eleitor é pouco dado a sensibilidades –55% dos republicanos apoiam a tolerância zero, mesmo quando ela implica separar crianças de seus pais.

Dentre os políticos republicanos, a divisão é maior. Para alguns, a linha dura com a imigração é tudo o que eles precisavam para garantir alto comparecimento nas urnas nas eleições legislativas em novembro.

Ao contrário do Brasil, o voto nos EUA não é obrigatório. E as eleições legislativas, também conhecidas como de meio de mandato, têm um comparecimento muito menor do que as presidenciais.

É preciso ter um tema mobilizador para convencer os eleitores a votarem nesse pleito. E muitos políticos republicanos acreditam que a tolerância zero com os chamados ilegais é o apelo que eles precisavam.

Já os republicanos mais moderados acham que as imagens devastadoras de crianças chorando, declarações de personalidades como o papa Francisco, que classificou a política de “imoral” e “contra valores católicos”, podem ser a garantia de que os democratas vão conseguir conquistar a maioria na Câmara.

Isso porque os distritos mais competitivos não são aqueles onde predomina o eleitor conservador que votaria em Trump faça chuva ou sol, mas aqueles onde quem vai decidir são eleitores mais moderados ou independentes, que acreditam ser inadmissível usar crianças como moeda de troca para forçar o Congresso a pagar pela construção do muro do México.

Trump se preocupou com o efeito eleitoral e ótico das crianças arrancadas dos braços de seus pais, tanto que baixou a ordem executiva para evitar a separação das família. Essa ordem, no entanto, será contestada judicialmente por infringir a decisão judicial Flores, de 1997, que impede crianças de ficarem detidas mais de 20 dias.

Talvez a única solução para evitar a separação das famílias pode ser mantê-las juntas e soltas, com o compromisso de comparecerem diante de um juiz de imigração enquanto seu caso é analisado.

Elas poderiam ser monitoradas com tornozeleiras eletrônicas ou mesmo aplicativos no celular. O dilema é que deixar esses imigrantes soltos contraria todo o pressuposto da tolerância zero —e pode irritar os 55% de republicanos que apoiam a política.​

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