Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Socialismo, fascismo e as urnas

Maioria dos pré-candidatos a presidência dos Estados Unidos se enquadra à posição que os europeus definiriam como "social democracia"

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The New York Times

O que você achou sobre o bando de socialistas que viu no debate democrata?

​Você talvez reaja com um "calma lá", e diga que não viu socialista algum no palco. E teria razão.

O Partido Democrata certamente se moveu para a esquerda nos últimos anos, mas nenhum de seus pré-candidatos à presidência chega perto de ser um socialista real —não, nem mesmo Bernie Sanders, que aceita o rótulo mais como um recurso de marca ("sou contra a elite!") do que de forma substantiva.

Nenhum dos participantes nesses debates deseja a propriedade do governo sobre os meios de produção, que é o que socialismo costumava significar. 

A maioria dos pré-candidatos se enquadra à posição que os europeus definiriam como "social democracia", e defende uma economia controlada pelo setor privado mas dotada de uma rede de seguridade social mais forte, maior poder de negociação para os trabalhadores e regulamentação mais severa de delitos empresariais. 

Eles desejam que os Estados Unidos se tornem mais parecidos com a Dinamarca, não com a Venezuela.

No entanto, líderes republicanos gostam de descrever os democratas, mesmo os da ala direita do partido, como socialistas. De fato, todas as indicações são de que as acusações quanto à agenda "socialista" do Partido Democrata terão posição central na campanha eleitoral do ano que vem. E todo mundo na mídia noticiosa aceita essa situação como normal.

O que mostra até que ponto o extremismo republicano veio a ser aceito como um simples fato da vida, quase indigno de menção.

Para entender o que estou querendo dizer, imagine a tempestade na mídia, os brados sobre a perda de civilidade, que experimentaríamos caso qualquer dos candidatos democratas importantes descrevesse os republicanos como um partido de fascistas, ou caso os democratas fizessem dessa afirmação uma peça central em sua campanha nacional. 

Uma acusação como essa seria de fato um exagero —mas um exagero muito mais próximo da realidade do que chamar os democratas de socialistas.

Um dia desses, o The New York Times publicou um artigo de opinião que usou análises das plataformas partidárias para enquadrar os partidos políticos americanos ao espectro de esquerda e direita que costuma ser usado para classificar partidos de outros países.

O estudo constatou que o Partido Republicano está muito à direita dos partidos conservadores europeus tradicionais. Está à direita até de partidos inimigos da imigração como o UKIP, no Reino Unido, e a União Nacional, na França. Basicamente, se víssemos algo como o Partido Republicano dos Estados Unidos em outro país, o definiríamos como extremistas do nacionalismo branco.

É verdade que estamos falando de apenas um estudo. Mas as conclusões dele se enquadram a diversas outras avaliações. 

Cientistas políticos que acompanham os resultados de votações no Congresso para mapear ideologias apontam que os republicanos se moveram drasticamente para a direita nas quatro últimas décadas, a ponto de se terem tornado muito mais conservadores do que no pico do conservadorismo do século 19.

Ou compare as posições republicanas ponto a ponto com as de partidos que quase todo mundo classificaria como autoritários de direita —partidos como o Fidesz, da Hungria, que preservou algumas formas democráticas mas na prática criou um Estado de partido único permanente.

O Fidesz cimentou seu poder ao politizar o Judiciário, criar regras eleitorais distorcidas, suprimir a mídia de oposição e usar o poder do Estado para recompensar capangas do partido e punir empresas que não sigam a linha ditada por ele. 

Alguma dessas coisas parece impossível de acontecer nos Estados Unidos? Na verdade, alguma dessas coisas parece não estar acontecendo aqui, e os republicanos não parecem dispostos a tornar muitas outras delas realidade caso tenham a oportunidade?

Seria até possível argumentar que o Partido Republicano se destaca entre os partidos nacionalistas brancos do Ocidente por sua disposição excepcional de remover as proteções à democracia.

Manipulações extremas das fronteiras de distritos eleitorais, desqualificação de eleitores e redução dos poderes de cargos que o partido oposicionista mesmo assim consiga conquistar são práticas mais comuns aqui que nas democracias falidas da Europa Oriental.

E não é notável o quanto nos acomodamos às ameaças de perseguição legal e/ou violência física a quem quer que critique um presidente republicano?

Assim, é realmente espantoso ver os republicanos tentando macular os democratas como socialistas antiamericanos. Se eles desejam ver um partido que realmente rompeu com os valores fundamentais dos Estados Unidos, basta que se olhem no espelho.

Isso não acontecerá, é claro. Quem quer que os democratas escolham como candidato —mesmo Joe Biden— será retratado como o segundo advento de Hugo Chávez. A única questão é se isso vai funcionar ou não.

Pode não funcionar, ou ao menos nem tão bem quanto no passado. Ao passar décadas rotulando qualquer coisa que poderia melhorar a vida dos americanos como "socialista", os republicanos desperdiçaram o poder dessa acusação. E Donald Trump, que chegou ao poder com a ajuda da Rússia e claramente prefere ditadores estrangeiros a aliados democráticos, provavelmente tem menos cacife do que qualquer predecessor republicano para jogar a cartada da falta de patriotismo dos democratas.

Mas muito dependerá de como a mídia noticiosa lidar com ataques desonestos. Continuaremos a ver manchetes que refletem falsas afirmações ("Trump diz que democratas proibirão hambúrgueres"), com a informação de que a afirmação é falsa escondida lá no fundo do artigo? Veremos cobertura sobre as propostas políticas efetivas, e não a análise esportiva de como essas propostas parecem estar se saindo em termos de popularidade?

Descobriremos em breve.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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