Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Trump: do boom ao desânimo

Por que o dinheiro inteligente acredita que as políticas econômicas de Trump são um fracasso

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No ano passado, uma alta inicial nos mercados de ações foi causada pelas manchetes sobre o conflito comercial entre Estados Unidos e China.

Para pensar sobre esses eventos, eu defini três regras: primeira, o mercado de ações não é a economia. Segunda, o mercado de ações não é a economia. Terceira, o mercado de ações não é a economia.

Mas talvez seja necessário acrescentar uma quarta: o mercado de títulos é, mais ou menos, a economia.

Uma velha piada de economistas diz que o mercado de ações previu nove das últimas cinco recessões.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Nicholas Kamm/AFP

Bem, uma curva invertida de rendimentos - quando os rendimentos de títulos de longo prazo são mais baixos que os de títulos de curto prazo - previu seis das últimas seis recessões. E uma queda nos rendimentos de longo prazo, que agora estão em menos de metade do que eram no final do ano passado, inverteu novamente a curva de rendimentos.

O spread entre papéis de curto e de longo prazo ocupa mais ou menos a mesma posição que ocupava no começo de 2007 — véspera de uma crise financeira desastrosa e da pior recessão desde a década de 1930.

Nem eu e nem qualquer outra pessoa estamos prevendo uma repetição da crise de 2008. Não está nem mesmo claro que estamos a caminho de uma recessão. Mas o mercado de títulos está nos dizendo que o dinheiro inteligente encara de modo muito pessimista as perspectivas da economia.

Por quê? O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, controla basicamente as taxas de juros de curto prazo, mas não as de longo prazo; rendimentos baixos em longo prazo significam que os investidores antecipam uma economia fraca, que forçará o Fed a decretar repetidos cortes de juros.

O que justifica essa onda de desânimo, então? Boa parte dela, ainda que não toda, é um voto de desconfiança nas políticas econômicas de Donald Trump.

Você talvez recorde que, no ano passado, depois de dois trimestres de boas notícias econômicas, representantes do governo Trump começaram a se vangloriar de que o corte de impostos de 2017 havia preparado o terreno para muitos anos de crescimento econômico forte.

Desde então, porém, os dados em geral confirmaram o que os críticos vinham dizendo o tempo todo. Sim, o corte de impostos estimulou a economia - uma injeção de adrenalina. Operar com déficits orçamentários de trilhões de dólares tem esse efeito. Mas o efeito foi temporário. O boom prometido no investimento empresarial, particularmente, jamais se materializou. E agora a economia voltou, na melhor das hipóteses, ao seu ritmo de crescimento pré-estímulo.

Ao mesmo tempo, vem se tornando cada vez mais claro que a beligerância de Trump sobre o comércio internacional não é uma pose; reflete convicção real. O protecionismo parece andar em companhia do racismo, na composição da essência de Trump. E a compreensão de que ele realmente é o Homem-Tarifa está desestimulando seriamente o investimento empresarial, em parte porque ninguém sabe exatamente até onde Trump irá.

Para ver como isso funciona, pense no dilema que muitas indústrias americanas enfrentam. Algumas delas dependem pesadamente de componentes importados; e não vão investir diante de tarifas reais ou de ameaças de tarifação sobre esses produtos importados.

Outras poderiam competir com produtos importados se houvesse a garantia de que eles estariam sujeitos a tarifas pesadas; mas não sabem se as tarifas virão de fato, ou persistirão. Assim, todo mundo fica sentado em suas pilhas de dinheiro, esperando para ver o que um presidente errático fará.

É claro que Trump não é o único problema. Outros países têm suas dificuldades - uma recessão na Europa e uma desaceleração na China parecem bastante prováveis -, e alguns desses percalços afetam negativamente os Estados Unidos.

Mas mesmo que Trump e companhia não sejam a fonte de todas as nossas dificuldades econômicas, ainda seria necessária alguma garantia de que eles lidarão de modo efetivo com os problemas, quando estes surgirem. Assim, quais são os planos de contingência desenvolvidos pelo atual governo? O que as autoridades estão pensando em fazer se a economia perder força substancialmente?

A resposta, ao que se sabe, é que não existe qualquer discussão sobre políticas econômicas, o que não surpreende se você tiver em mente o fato de que basicamente todo mundo que entendia alguma coisa de Economia deixou o governo Trump meses ou anos atrás. Os assessores que restam estão ocupados com tarefas de alta prioridade como acusar a página de editoriais do The Wall Street Journal de ser pró-chinesa.

Não, o único plano do governo se as coisas derem errado parece ser culpar o Fed, cujo chairman foi selecionado por...Donald Trump. É justo dizer, porém, que o Fed estava errado ao elevar as taxas de juros de curto prazo no ano passado.

Mas é importante compreender que o erro do Fed foi, essencialmente, o de depositar fé excessiva nas políticas econômicas de Trump. Se o corte de impostos tivesse de fato produzido o boom que prometeu, se a guerra comercial não tivesse imposto arrasto no crescimento, não teríamos uma curva invertida de rendimentos.

Lembre-se, não foi o Fed que causou a queda nas taxas de juros de longo prazo - a origem da inversão da curva. E o boom de Trump não deveria ser frágil a ponto de ser tirado dos trilhos por uma pequena alta dos juros.

Eu poderia acrescentar que culpar o Fed me parece uma estratégia política dúbia. Quantos eleitores sabem o que o Fed é, ou o que faz?

Uma palavra de cautela é necessária: os mercados de títulos estão nos dizendo que o dinheiro inteligente encara com desconfiança as perspectivas econômicas, mas o dinheiro inteligente pode estar errado. Já esteve, no passado recente. Os investidores estavam otimistas demais no final do ano passado, e podem estar pessimistas demais agora.Mas estão pessimistas.

O mercado de títulos, que representa o melhor indicador de que dispomos, acredita que as políticas econômicas de Trump são um fiasco. 

The New York Times. tradução de Paulo Migliacci

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