Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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O programa secreto de assistência internacional de Trump

Com valor na ordem de US$ 40 bilhões ao ano, esta é a maior onda de doações americanas a outras nações desde o Plano Marshall

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Donald Trump se queixa com frequência de que a mídia não lhe dá crédito suficiente por suas realizações. E consigo pensar em pelo menos um caso em que essa reclamação procede. Até onde percebo, quase ninguém vem reportando que ele presidiu a uma ampliação imensa, mas oculta, da assistência internacional dos Estados Unidos, o dinheiro que Washington doa a estrangeiros. 

Na verdade, o programa oculto de Trump, cujo valor é da ordem de US$ 40 bilhões ao ano, provavelmente constituiu a maior onda de doações americanas a outras nações desde o Plano Marshall.

Infelizmente, essa assistência não se destina a países pobres ou a aliados dos Estados Unidos. Em lugar disso, beneficia investidores estrangeiros ricos.

Antes de eu entrar no assunto, vamos falar por um instante sobre uma afirmação que Trump repete frequentemente sobre uma parte altamente visível de sua estratégia econômica, as tarifas que ele impôs sobre as importações da China e de outros países. Ele insiste que essas tarifas estão sendo pagas pela China e representam bilhões de dólares em ganho para os Estados Unidos.

É fácil provar que isso é falso. As tarifas normalmente são pagas pelos consumidores do país importador, e não pelos exportadores. E podemos confirmar que é isso que vem acontecendo com as tarifas de Trump. Os preços dos bens sujeitos a elas subiram acentuadamente, mais ou menos em linha com a proporção de aumento das tarifas, e os preços dos bens não sujeitos a tarifas não subiram.

Assim, as tarifas de Trump não representam um imposto sobre estrangeiros, não importa o que ele possa pensar. Por outro lado, suas demais políticas deram a estrangeiros seletos uma imensa vantagem tributária.

Recorde que a única grande realização legislativa de Trump é a Lei de Corte de Impostos e Promoção do Emprego de 2017. O cerne do projeto era uma redução forte nas alíquotas de impostos empresariais, que resultou em forte redução na arrecadação tributária americana, da ordem de US$ 140 bilhões no ano passado.

Quem se beneficia desse corte de imposto? Os proponentes do corte afirmavam que os benefícios seriam repassados aos trabalhadores em forma de salários mais altos, e alardearam muito as notícias sobre grandes bonificações para assalariados no começo de 2018. Mas elas não foram tão altas assim, e não persistiram.

De fato, a essa altura fica claro que a alta nas bonificações, na medida em que aconteceu, foi de forma a evitar impostos: ao adiantar pagamentos que fariam de qualquer maneira, as empresas os submeteriam como despesas sob a alíquota antiga de impostos, mais elevada. Agora que essa opção expirou, as bonificações retornaram ao seu patamar normal, ou caíram um pouco.

E quanto ao argumento de que cortes de impostos promoveriam uma grande onda de investimento empresarial, que elevaria os salários? Isso tampouco está acontecendo. Em termos de investimento empresarial, o corte de impostos foi um grande fiasco.

Quem está se beneficiando dele, portanto? Basicamente, os acionistas que receberam dividendos ampliados e viram muitos ganhos de capital, já que as empresas usaram os ganhos inesperados não para investir, e sim para recomprar ações.

E uma grande proporção desses ganhos para os acionistas se destinou a estrangeiros.

Vivemos, afinal, em uma era de finanças globalizadas na qual investidores ricos normalmente detêm ativos em diversos países. Americanos são donos de trilhões de dólares em ações internacionais, tanto diretamente quanto em forma de ações de empresas dos Estados Unidos que controlam subsidiárias estrangeiras. Da mesma forma, estrangeiros têm grandes participações em empresas americanas, de maneira tanto direta quanto indireta, via operações de subsidiárias de empresas de seus países.

No total, estrangeiros são donos de cerca de 35% das ações de empresas sujeitas a tributação nos Estados Unidos. Como resultado, investidores estrangeiros receberam cerca de 35% dos benefícios do corte de impostos. Como eu disse, isso equivale a mais de US$ 40 bilhões por ano.

Para colocar o número em perspectiva, as tarifas de Trump sobre a China arrecadaram US$ 20 bilhões. Mesmo que a China estivesse pagando essas tarifas -e não está- elas ficariam bem aquém do presente que estamos dando a investidores estrangeiros.

Alternativamente, podemos comparar o presente de Trump aos investidores estrangeiros com os nossos gastos reais em assistência internacional (muito menores do que a maioria das pessoas imagina). Em 2017, os Estados Unidos gastaram US$ 51 bilhões em "assuntos internacionais", mas boa parte do valor se refere às despesas de embaixadas e a programas de assistência militar. O corte de impostos de Trump para investidores estrangeiros foi consideravelmente mais alto do que os nossos gastos efetivos com assistência internacional.

O fato é que a economia dos Estados Unidos é quase inconcebivelmente grande, produzindo mais de US$ 20 bilhões em bens e serviços a cada ano. Também somos um país que os investidores confiam que honre seus débitos, e por isso o corte de impostos, ainda que irresponsável, não está causando desgaste fiscal imediato.

Assim, o presente de Trump aos investidores estrangeiros não vai nos quebrar ou nos salvar, ainda que ele provavelmente baste para garantir que o efeito líquido do corte de impostos sobre o crescimento seja negativo.

Mesmo que o corte de impostos tenha algum efeito positivo sobre a renda gerada aqui (o que é duvidoso), ele provavelmente será mais que compensado pela porção ampliada dessa renda destinada a estrangeiros e não aos cidadãos dos Estados Unidos.

Ainda assim, mesmo no Estados Unidos, US$ 40 bilhões aqui, US$ 40 bilhões acolá, e logo você estará falando de dinheiro de verdade. Além disso, parece válido apontar que, enquanto Trump se vangloria de tirar dinheiro dos estrangeiro, suas políticas fazem exatamente o oposto.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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