Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Como a tímida Michelle Bolsonaro virou protagonista da campanha 2022

A primeira-dama ocupa espaços importantes de poder e vai para linha de frente humanizar a figura desgastada do marido presidente

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São Paulo

Entre a vizinhança na Ceilândia Norte, a jovem Michelle de Paula Firmo Reinaldo chamava a atenção pela beleza e por ser trabalhadora.

"Ela morou na minha rua, sim, era uma menina muito direita, que ia de casa pro serviço e do serviço pra casa. Sempre foi lindíssima, de uma beleza natural", descreve Glória Fernandes à Folha.

A costureira conheceu a futura primeira-dama quando ela vivia em uma casinha de fundos na QNN 4, na Guariroba, uma das zonas mais pobres do Distrito Federal.

Nascida e criada na cidade-satélite de Brasília, habitada por migrantes como seus pais, Michelle alimentava a inveja dos fofoqueiros de plantão ao arrumar um namorado que mandava um carrão com motorista para apanhá-la.

Primeira-dama no desfile de 7 de Setembro, quando marido puxou coro "Imbrochável!" - Reuters

"O povo ficava falando mal da menina. Mas eu dizia: ‘Gente, ela é namorada de um cara poderoso. Por que andar de ônibus?’", indaga dona Glória.

Naqueles idos de 2007, ninguém ali poderia imaginar que o cara ia ser o poderoso a ocupar o Palácio do Planalto 11 anos depois. E que a moça bonita da vizinhança se tornaria mulher de um presidente da República e peça importante do xadrez político da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

"Para muito além de dialogar com o eleitorado feminino e ser porta-voz das pautas conservadoras, Michelle tem um papel insubstituível de atuar como testemunha do que se poderia chamar de o verdadeiro Jair Bolsonaro", avalia Mario Rosa, consultor de imagem e um dos principais conselheiros do ministro Ciro Nogueira (Progressistas), da Casa Civil.

A esposa 27 anos mais nova, evangélica e defensora de causas como inclusão de pessoas com deficiência é arma poderosa do marketing político para humanizar um Bolsonaro chamado de genocida pelo modo como lidou com os desafios e as dores na pandemia.

Vestida à la Jackie O., como na posse, ou inspirada em princesas, como no funeral de Elizabeth 2ª, falando em libras para se comunicar com surdos ou pregando a palavra de Deus, Michelle é apresentada no horário eleitoral e nas redes sociais como o lado suave do bolsonarismo.

Enquanto o capitão diz que não é coveiro em um país que pranteia a morte de milhares por Covid-19, sua mulher visita creches e hospitais como patrona do Pátria Voluntária, vitrine social do governo.

"Temos esse lado humano da Michelle, que a esquerda sempre trouxe em suas propostas", avalia o maquiador Agustin Fernandez, amigo da primeira-dama, que se define como "bicha, maquiada, de barba, evangélica e bolsonarista".

O uruguaio priva da intimidade dos Bolsonaro. A ponto de passar Natal com a família. A tímida Michelle nunca gostou de aparecer, diz ele, que a incentiva a mostrar uma história de vida de superação: "Amiga, o dia em que as pessoas te conhecerem, elas vão se apaixonar por você".

Quando se apaixonaram há 15 anos nos corredores da Câmara dos Deputados, o capitão do Exército era um parlamentar do baixo clero e ela, secretária no gabinete do deputado Marco Aurélio Ubiali (PSB-SP).

"Fui apresentado à Michelle por um amigo dela, o brigadeiro Átila", relata Ubiali, referindo-se ao então assessor parlamentar da Aeronáutica, atualmente candidato a deputado federal pelo Agir do DF.

"Michelle era uma moça bem apessoada, gentil, muito prestativa e atenciosa. Foi uma belíssima contratação", diz o ex-deputado, vizinho de gabinete de Bolsonaro no Anexo 3.

Para dar sensação de amplitude ao espaço, um espelho ocupava toda a parede do lado esquerdo. A divisória espelhada projetava a imagem da "belle Michelle" no corredor.

"Foi assim que Bolsonaro a conheceu", diz o ex-deputado. "Dias depois chegou ao gabinete um ramalhete e começaram a namorar."

Contemporâneo do presidente nas Forças Armadas, o brigadeiro de 65 anos fez amizade com a futura primeira-dama quando ela trabalhava em uma loja de uma vinícola em Brasília. "Achei que não era para aquela moça bonita estar ali carregando caixa de vinho."

Indicou a pupila para o gabinete de Vanderlei Assis, eleito na esteira da votação recorde do folclórico Enéas, que obteve 1,5 milhão de votos ao concorrer a deputado federal por São Paulo em 2002.

Em 2006, como Assis não fora reeleito, o padrinho conseguiu realocar a amiga no gabinete de Ubiali, lance que mudaria o destino de Michelle.

"A vida tem dessas coisas. Às vezes, um empurrãozinho muda totalmente a condição de uma pessoa", diz o militar. "Eu me orgulho do pouco que fiz. Se ela não tivesse trabalhado na Câmara, não seria primeira-dama."

O emprego no Congresso Nacional significou um salto na trajetória da jovem de periferia, que foi mãe antes dos 20 anos, estudou em escola pública e precisou correr atrás do próprio sustento desde cedo.

É filha do cearense Vicente de Paulo Reinaldo, motorista de ônibus aposentado, conhecido por "Paulo Negão". Alcunha pela qual é tratado por Michelle em um post de Dia dos Pais. O fato de o sogro ser negro é usado pelo presidente para se defender de acusações de racismo.

Já a avó materna de Michelle, Maria Aparecida Firmo, virou notícia em agosto de 2019 enquanto aguardava cirurgia em um corredor do Hospital da Ceilândia. Moradora do Sol Nascente, superada apenas pela Rocinha como maior favela da América Latina, ela acabou operada em outra unidade.

Um ano depois, a anciã, que havia sido presa por tráfico de drogas na década de 1990, morreria aos 80 anos após um mês na UTI com complicações de Covid-19.

Dramas familiares que se desenrolam a pouco mais de 30 quilômetros do Palácio da Alvorada. A "redoma" que seria uma promessa divina na vida de Michelle, segundo a mãe Maria das Graças Firmo. "Deus falou que ela ia casar com homem bonito e rico", disse, em entrevista ao site Agenda Capital.

No vídeo, dona Graça também atribui ao criador a beleza da primogênita. "Não sei a quem Michelle puxou. O pai dela é feio, eu sou feia e ela é uma obra-prima detalhada pela mão do Senhor."

Os pais de Michelle se separaram quando ela era criança e constituíram novas famílias.

"Dona Graça vive na pobreza como sempre viveu", conta um amigo de longa data da mãe da primeira-dama, instruída a não dar mais entrevistas. "Michelle faz bem em proteger os familiares e não misturar política com família."

Segundo ele, mãe e filha mantêm boa relação e o fato de os familiares seguirem suas vidas simples atesta a honestidade da primeira-dama.

Nas eleições 2022, a até então discreta primeira-dama virou cabo eleitoral de peso do enteado do pai, Eduardo Torres, que se candidatou a deputado distrital pelo PL, e da ex-ministra Damares Alves (Republicanos), que concorre ao senado pelo Distrito Federal.

"Em Brasília, meu irmão é o nosso ÚNICO candidato", escreveu Michelle no Instagram, qualificando de "alpinistas" candidatos que usam sobrenome Bolsonaro.

Alfinetada em Ana Cristina Siqueira Valle (Progressistas), ex-mulher do presidente que se apresenta como Cristina Bolsonaro na disputa por uma vaga na Câmara Distrital do DF.

Na prole numerada do presidente, Jair Renan, o filho 04, defendeu o direito da mãe de usar o sobrenome do homem com quem foi casada por 16 anos.

Ana Cristina é investigada por suspeita de envolvimento no esquema de "rachadinha", entrega ilegal dos salários de funcionários em gabinetes dos Bolsonaro.

Michelle também se envolveu no escândalo, sob a acusação de ter recebido R$ 89 mil em cheques depositados pelo ex-assessor Fabricio Queiroz. Episódio que rendeu o apelido "Micheque", título de música da banda de rock Detonautas.

O apoio à amiga Damares também provoca chiadeira de aliados, por quebrar acordo com o PL de apoio à candidatura ao senado de Flávia Arruda, mulher do ex-governador José Roberto Arruda.

Os embates na disputa brasiliense mostram que Michelle é boa de briga e está forte.

Um observador próximo a descreve como faixa preta dentro do clã, pelo fato de se impor no seio de uma família que sabe jogar pesado. Especialmente com o filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro, de quem ela é menos próxima.

Com tal cacife e falando em nome do presidente, Michelle coloca-se sob os holofotes como crente fervorosa para atrair o eleitorado feminino. "É uma mulher de fé, que defende valores tradicionais", afirma a atriz Karina Bacchi.

A vencedora do reality show "A Fazenda" postou foto envolta na bandeira no 7 de Setembro em Brasília, quando Michelle ouviu o coro de "imbrochável" puxado pelo marido.

Nas redes sociais, ele tem vestido a camiseta "Bolsochelle", com a fusão dos nomes e imagem de ambos batendo continência.

A esposa empunha a Bíblia e pede votos em púlpitos e palanques com o lema: Deus, Pátria, Família e Liberdade.

"Ela está certíssima, exerce seu papel de cidadã", afirma a pastora Elizete Malafaia, 63, esposa de Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus que celebrou a a união do casal em 2013.

Ela avalia que Michelle está quebrando um paradigma como protagonista da campanha do marido. "É guardiã do seu lar e está cuidando daquilo que Deus deu para ela cuidar."

Cuida, por exemplo, de defendê-lo da acusação de ser machista. "Michelle é bem-amada e elegante, ao contrário dessas feministas de sovaco cabeludo, que não têm homem para protegê-las", diz a pastora.

Ao pregar na Pré-Conferência Global da Comunidade das Nações, a primeira-dama leu Isaías 61, parábola para missão eleitoral que qualificou de "guerra espiritual".

"O espírito do Senhor soberano está sobre mim, pois o Senhor me ungiu para levar boas-novas aos pobres", diz trecho do texto bíblico. "Ele me enviou para dizer aos que choram que é chegado o dia da ira de Deus contra os seus inimigos."

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