Dois dias depois do debate entre Donald Trump e Joe Biden, o presidente americano informou que tinha contraído uma doença. Como o debate tinha sido bastante pornográfico, imaginei que fosse sífilis. Afinal não, era Covid. Acabou por ter sorte.
Sobre o debate, não tenho muito para dizer, até porque não consegui ouvir a maior parte. Mas sobre as reações ao debate tenho opiniões. Logo no dia seguinte, alguém escreveu que, uma vez que o debate tinha sido tão vergonhoso, o melhor era cancelar os debates. E, depois, outras pessoas um pouco menos radicais sugeriram cortar o microfone a um candidato enquanto o outro fala.
A primeira proposta equivale a jogar fora o bebê com a água do banho. O bebê é a democracia. A água do banho foi o debate. Talvez seja exagero falar em banho. A água estava tão porca que o bebê saiu mais sujo do que entrou. Acontece que o bebê é mais robusto do que se pensa.
Quem sabe se, após aquele banho de lama, a democracia não ficou com uma pele magnífica? Cancelar os debates é jogar fora o bebê. É precisamente o que pretendem os inimigos do bebê. Não parece muito sensato.
Já cortar o microfone ao candidato que não está a falar é, além de paternalista, inútil. As interrupções não atrapalham o adversário por estarem a ser ouvidas pelo espectador em casa; elas atrapalham o adversário por ele estar a ouvi-las ao tentar formular um raciocínio.
A única hipótese era fechar um candidato numa cabina insonorizada enquanto o outro fala, ou aplicar-lhe uma mordaça. Essa é a parte inútil. A parte paternalista é alguém achar que é aceitável entregar o destino de um dos países mais poderosos do mundo a uma pessoa mas, durante os debates que precedem a sua eleição, tratar essa pessoa como uma criança.
"Como você não sabe comportar-se, um mês antes de lhe entregar os códigos das armas nucleares vou colocá-lo de castigo sempre que o seu amiguinho falar." Há aqui qualquer coisa que não faz sentido.
Não digo que não haja necessidade de mudar alguma coisa nas regras do debate, para evitar outro desastre como o de terça-feira. Mas estas opções são más. Talvez a nossa única hipótese para salvar a democracia seja substituir o jornalista que modera por uma babysitter.
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