Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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O Brasil precisa de partidos políticos?

Maioria dos brasileiros não confia na capacidade de os partidos políticos representarem os seus interesses

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Faltam 74 dias para as eleições municipais no Brasil e 104 para a eleição presidencial nos EUA. Ambas são possibilitadas pela existência de partidos políticos. São eles que fornecem uma estrutura organizada para a participação política, agregando interesses individuais e coletivos que são transformados em programas e políticas que podem ser apresentados aos eleitores. Sem partidos, a participação política se tornaria dispersa e anárquica, defende a maioria dos cientistas políticos.

duas mãos limpam a tela de uma urna eletrônica
Cerimônia de lacração das urnas no Tribunal Regional Eleitoral, em Brasília - Gabriela Biló - 21.set.2022/Folhapress

Mas 89% dos brasileiros não confiam ou confiam pouco em partidos políticos, segundo o Datafolha. Muitos deles tornaram-se marketplaces de interesses e um buffet de práticas clientelistas. O predomínio da política personalista e o grande número de siglas com pouca representatividade e base ideológica frágil têm minado a confiança dos brasileiros nas instituições democráticas e fragilizando o sistema político como um todo. O Congresso Nacional virou uma 25 de Março. Se os partidos foram inventados no século 18 para serem um meio, no Brasil tornaram-se um fim em si mesmos.

Está longe de ser um problema nacional. Apenas 4% dos americanos afirmam que o sistema político funciona muito bem e 72% dizem ter uma opinião desfavorável sobre o Congresso (dados de 2023). É por estas gretas que respira a extrema direita.

As reformas dos sistemas de representação democrática são muito difíceis de concretizar porque é improvável a criação de compromisso coletivos que visem o sacrifício de benefícios individuais. É como alguém realizar uma cirurgia plástica em si mesmo e à luz de velas. Nunca investimos tanto em inovação tecnológica, nunca produzimos tanto conhecimento científico, nunca tivemos uma sociedade global tão qualificada quanto a atual. Mas, cambaleantes e encurvados, enxergamos a reforma da nossa democracia com uma vontade letárgica.

Mas é um debate que não podemos adiar. Talvez a reforma do sistema democrático pressuponha menos intermediação entre o coletivo e o poder. É possível termos mais democracia com menos envolvimento partidário?

Em pequenas ilhas do Pacífico, como Nauru, Tuvalu e Niue não existem partidos políticos e os poderes Executivo e Legislativo são formados por alianças de indivíduos eleitos como independentes. No Canadá e em Hong Kong, até há algumas décadas, a filiação partidária dos candidatos não era apresentada no boletim eleitoral. Votavam escrupulosamente em pessoas, não em partidos.

Nas eleições para as suas câmaras legislativas, os estados americanos de Louisiana e Nebraska, além de vários cantões suíços, ou aplicam metodologias semelhantes à democracia direta ateniense ou só aceitam candidaturas de independentes. Nas Filipinas, os vencedores das eleições para as subprefeituras (barangay) têm de afirmar, sob juramento, que não são membros de nenhum partido político.

Ou seja, a despartidarização da democracia não é uma distopia. Em 2019-20, a França realizou uma Convenção dos Cidadãos sobre o Clima, selecionando aleatoriamente 150 cidadãos representativos da sociedade francesa (sexo, idade, contexto socioeconômico, nível de educação, cidade e região), para ajudar a conceber formas socialmente justas de reduzir os gases com efeito de estufa. Em 2016, o Parlamento irlandês reuniu 99 cidadãos para deliberar sobre o aborto.

No Brasil já se pode votar diretamente na pessoa. O sistema proporcional de lista aberta garante ao eleitor a possibilidade de votar nominalmente em um candidato específico para ocupar uma cadeira no Legislativo federal, estadual ou municipal. Mas, em última instância, o voto vai sempre para o partido e o mandato parlamentar pertence-lhe. Os políticos representam agremiações políticas. Não existe democracia direta.

Seria irrealista acreditar que 203 milhões de brasileiros têm as capacidades individuais e acesso à infraestrutura tecnológica necessária para tomar decisões legislativas e executivas diretamente –sem mediadores de qualquer espécie. Mas deveríamos discutir propostas para requalificar as diversas câmaras do povo: o Senado, a câmara dos deputados, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais.

Para alguns defensores da reforma do sistema parlamentar, uma fatia dos assentos poderia ser cedida de forma randômica, a cidadãos brasileiros não partidarizados, em sistema de rodízio e em caráter voluntário. Seria uma adaptação à política do sistema de júri popular do Reino Unido ou dos Estados Unidos. Assembleias populares, constituídas por cidadãos escolhidos aleatoriamente, foram utilizadas recentemente nos Países Baixos e no Canadá para reformar a lei eleitoral. É o modelo estudado por Alexander Guerrero, professor da universidade Rutgers nos EUA e autor do livro "Lottocracy: Democracy Without Elections" a ser lançado em outubro.

Ou os brasileiros poderiam ter a possibilidade constitucional de votar em indivíduos sem filiação partidária que defendam pautas específicas. Uma cuidadora de idosos ao invés de ter que votar no partido X ou Y, poderia optar por votar no candidato que tem como pauta eleitoral melhorar as condições laborais destes profissionais. Atualmente, segundo a lei brasileira, para concorrer a qualquer cargo em eleições, é obrigatório que um candidato esteja filiado a um partido político. Em dezenas de países este condicionamento não existe.

Embora os avanços tecnológicos possibilitem, pela primeira vez, um sistema de democracia cada vez menos partidarizado, novas questões surgem naturalmente. Sem partidos para agregar e coordenar interesses, as políticas públicas não poderão se tornar inconsistentes e desarticuladas? Como garantir que o sistema democrático não seja assaltado pelo populismo de alguns indivíduos com capacidade financeira? Como seria o financiamento de campanhas de pessoas com menor renda? Sem a mediação dos partidos, grupos de interesse econômico não poderão exercer uma influência desproporcional sobre políticos independentes? Não será custoso e logisticamente complexo garantir a participação efetiva de todos os cidadãos?

O debate é fundamental. Mas a maioria dos partidos brasileiros se opõe a reformas significativas no sistema eleitoral e democrático. Tem sido recorrente ao longo dos séculos. Em 1837, quando foi fundado no período imperial, o Partido Conservador brasileiro sufragou no seu programa eleitoral que defendia a resistência a inovações políticas. O apego é a maior ameaça à democracia. Com o avanço das novas extremas direitas, o risco da reforma é inferior ao risco da apatia.

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