Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Descrição de chapéu Previdência Folhajus STF

O caminho ilegal do STF ao mudar de ideia na revisão da vida toda

Além de usarem números questionáveis, aconteceu uma engenharia processual que resultou na possibilidade de os novos ministros do STF rediscutissem o mérito da demanda

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Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

Não é comum os aposentados se interessarem em acompanhar na televisão os enfadonhos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, mas a revisão da vida toda atraiu a atenção de milhares de pessoas na sessão realizada recentemente em Brasília. Elas nutriam a esperança em assistir um julgamento coerente e justo, confirmando o entendimento do próprio STF.

Afinal, a corte constitucional já havia decidido em 2022 e 2023 a viabilidade da revisão. Ficaram pendentes alguns ajustes no julgamento, mas nada — pensava a maioria dos brasileiros — que ameaçasse totalmente o caso.

Não foi o que aconteceu. Os ministros construíram um caminho processual e um entendimento que praticamente arruína a revisão.

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Manifestantes fazem protesto na frente do STF pedindo "Revisão pra Vida Toda", sobre revisão na concessão de aposentadorias. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) - Folhapress

O que nem todo mundo se apercebeu, no intricado julgamento transmitido pela internet, youtube e TV Justiça para todo país, foi a manobra jurídica usada por alguns ministros do STF para liquidar o caso.

Além de usarem números questionáveis na justificativa do impacto da revisão de R$ 480 bilhões (em 2020, esse número era de R$ 46,4 bilhões; em 2023, aumentou para R$ 360 bilhões) e o velho argumento da sustentabilidade do sistema previdenciário, aconteceu sutilmente uma engenharia processual que resultou na possibilidade de os novos ministros do STF rediscutissem o mérito da demanda.

Com a composição antiga dos ministros, a revisão da vida toda teve sua viabilidade reconhecida em 2022 e 2023 como um direito do aposentado.

A chegada de novos quatro ministros, entre os anos de 2020 até hoje, estes indicados no cargo pelo presidente da República, curiosamente sua maioria se posicionou contra o fato de a Administração Pública Federal (no caso, o INSS na condição de autarquia) arcar com o custo da revisão da vida toda.

A partir do momento em que os novos ministros do STF puderam opinar no mérito da revisão da vida toda, inevitavelmente seus posicionamentos desequilibram o quórum na votação em desfavor dos aposentados.

O caminho que utilizaram para executar esta empreitada foi pegar carona nas ações direta de inconstitucionalidade n. 2110 e 2111, cuja discussão de mérito, embora tivesse se iniciado, não estava totalmente concluída.

Ainda faltavam alguns ministros concluírem o julgamento de mérito nas ADi’s referidas, excelente oportunidade para os novatos do STF consignar seus votos não apenas nelas, mas principalmente na revisão da vida toda, agora agregada ao caso das ADi’s.

Misteriosamente, de junho de 2022 a novembro de 2023, o STF não despertou o menor interesse em reunir as ações para julgamento em conjunto das ADi’s 2110 e 2111 com o RE 1.276.977. A partir de dezembro de 2023, do nada as ações parecem reunidas, mesmo existindo previsão legal (Lei 13.105/2015, art. 55, § 1º) de que não pode haver essa reunião, caso já exista algum processo com o mérito decidido.

As ADi’s 2110 e 2011 chegaram ao STF no ano de 1999 e passou muito tempo parada nas prateleiras da corte. Juntas, elas buscam reconhecer a inconstitucionalidade de vários artigos da Lei 9.876/99, que também é a mesma lei que atrai a discussão da revisão da vida toda, mas por fundamentos distintos.

A revisão da vida toda entende que é possível a Lei 9.876/99 continuar existindo, mas que o aposentado possa escolher entre a regra mais favorável. Já as ADi’s buscam a inconstitucionalidade de vários artigos da Lei 9.876/99 para quem sejam banidos do universo das leis.

Há, portanto, afinidade entre as temáticas das ADi’s 2110 e 2111 e o recurso extraordinário 1.276.977 (Tema 1102 – revisão da vida toda). O STF pode, e deve, reunir casos em que há afinidade temática para otimizar julgamento em conjunto.

O problema é que isso deve ocorrer antes de se discutir o mérito de cada ação. Quando a tese da vida toda chegou ao Supremo, em 2022, já fazia 23 anos que as ADi’s esperavam o STF resolvê-las. O fato é que durante todo esse tempo as ações tramitaram separadamente e de forma autônoma. E ninguém nunca se interessou em juntá-las. Após o pedido de destaque do ministro Cristiano Zanin nas ADi’s 2110 e 2111, e vista no RE 1.276.977, a partir de então o caminho das ações são unificados.

Destaca que a revisão da vida toda teve o seu mérito analisado e julgado, sem se falar numa linha sequer das ADi’s 2110 e 2111.

O interesse e a mudança súbita de reunir as matérias causaram muita estranheza na comunidade jurídica. Inclusive em quem estava assistindo ao julgamento pela TV e não estava entendendo nada com a ampliação de assuntos (salário-maternidade, fator previdenciário etc), acostumado a ver o debate apenas da revisão.

Há algumas decisões de ministros do STF (AgR no HC 156.532 e HC 186.869) defendendo que não se deve reunir processos em fases distintas e, principalmente, se um deles já tem julgamento de mérito.

Se o cerne da revisão da vida toda já estava decidido pelo STF, não poderia o mesmo voltar a ser rediscutido. Os novos ministros podem, e devem, participar, mas a partir dali e no estágio em que o processo se encontra. Como há recurso do INSS pendente de julgamento, a corte vai se debruçar sobre os pontos deste recurso, que diga-se de passagem não seriam capazes de gerar tamanha reviravolta.

Além dessa engenharia processual, há outra ilegalidade no rastro da revisão da vida toda. A lei federal n. 13.105/2015, Código de Processo Civil, é explícita ao determinar que "os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado".

A revisão da vida toda já fora decidida pelo STF e não poderia ser reunida com as ADi’s 2110 e 2111. O Supremo solenemente ignorou a lei federal.

O ministro Alexandre de Moraes, ao expor seu voto e indagar se o STF vai mesmo chancelar a prática de usar as ADi’s como instrumento para "poder rever o que já foi definido no RE [recurso extraordinário 1.276.977]", não conseguiu sensibilizar seus pares.

A maioria dos ministros ignoraram o fato da proibição legal, que proíbe reunir processos quando um deles já tem questão decidida. Ao ignorar tal aspecto, os ministros agiram em ilegalidade ao reunir processos em fases distintas e com o mérito já resolvido.

Também desrespeitaram a opinião dos ministros do STF aposentados, que tiveram seus votos sobrepostos por novatos. A corte, ao usar um procedimento questionável de rediscutir o mérito da revisão da vida toda, desrespeita indiretamente os aposentados e também diretamente. É que, quando o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, ao encerrar a sessão do julgamento ainda fez o infeliz comentário de que o aposentado não deve ganhar sempre.

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