Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu
Rômulo Saraiva

A nova função do INSS: criar empregos para o Brasil

Desoneração da folha de pagamento promete empregabilidade, mas deve piorar as contas do INSS

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Embora haja no STF (Supremo Tribunal Federal) uma quebra de braço entre os poderes Executivo e Legislativo, a fim de saber como será o formato e a abrangência da desoneração da folha de pagamento, independente do resultado do tribunal já existe um perdedor nessa história: o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). E, por tabela, milhares de trabalhadores que vão sofrer no futuro as consequências dessa renúncia fiscal duradoura quando precisarem sacar no futuro algum benefício previdenciário.

Sede do INSS no Viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo (SP)
Sede do INSS no Viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo (SP) - Zanone Fraissat - 8.jan.2024/Folhapress

É que a chamada "desoneração da folha", reeditada pela lei n. 14.784/2023 e que prorroga benefícios fiscais até 31 de dezembro de 2027, é um duro golpe nos cofres da Previdência Social, na medida em que autoriza milhares de empresas diminuírem a contribuição previdenciária, permitindo o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salário.

Herança de Dilma Rousseff, a desoneração da folha foi criada em 2011 pela Lei n. 12.546 para beneficiar três setores da economia. De lá para cá, vários presidentes da República, com diferentes matizes políticas, a exemplo de Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula, endossaram a mesma prática da desoneração em detrimento da saúde financeira do INSS. Ela vem sendo sucessivamente renovada e, na versão atual, a desoneração quadruplica de tamanho, pois beneficiará dezessete setores da economia e centenas de municípios até o ano de 2027.

De 2011 a 2027, já são dezesseis anos que o INSS suporta a evasão financeira bilionária. Na exposição de motivos da medida provisória n. 1.202, que renova o benefício fiscal, o principal argumento (de todas as horas) foi o da empregabilidade, também usado na reforma trabalhista de 2017, quando profetizou que esta seria responsável pelo boom de 6 milhões de empregos. Até hoje não aconteceu.

Ainda que as promessas atuais sejam completamente desprovidas de qualquer garantia, os direitos sociais (e agora mais uma vez a poupança da Previdência) vão sendo mexidos sem muita cerimônia. Tudo em nome do progresso do Brasil! Arrecada-se menos em favor da empregabilidade.

Além da empregabilidade, no passado a temática da evasão previdenciária foi "obra pública". A Desvinculação da Receita da União (DRU), que também abalou o caixa do sistema previdenciário por quase trinta anos, foi criada para tentar atingir as metas do superávit primário e fazer obras estruturais no país, como criação de Brasília, ponte Rio-Niterói e Transamazônica.

Sem dinheiro, o governo teve a criatividade de usar a DRU para autorizar ele próprio a usar livremente 30% dos tributos federais, dos quais 90% são de contribuições sociais devidas à Seguridade Social. A DRU vigorou desde 1994, quando da implementação do Plano Real, e foi prorrogada recorrentemente desde então, até 31 de dezembro de 2023, quando foi programada para ser extinta na Reforma da Previdência.

Então o INSS vem bancando indiretamente obra pública e agora a empregabilidade do país.

Mas desde quando a função institucional do INSS é melhorar o desenvolvimento do Brasil, criando empregos?

Vivemos numa sociedade com substrato teórico baseado na lógica da livre concorrência. Famoso cada um por si. Mas a prática é diferente da teoria. Frequentemente observamos o governo estendendo a mão para intervir e equilibrar a agressividade desta tal concorrência, ajudando financeiramente vários setores da economia.

Não é exclusividade do Brasil. Países com economia forte são paternalistas, quando abrem linha de crédito generosa para determinados setores produtivos, benefícios fiscais ou levantando barreiras comerciais e tarifárias para resguardar o produto nacional. Quiçá o Brasil?

O problema é quando o governo brasileiro resolve fazer esse mimo financeiro com o dinheiro alheio. Ou, mais especificamente, com o dinheiro da Previdência Social brasileira, a poupança que garantirá no futuro as aposentadorias de milhares de trabalhadores. O INSS não foi criado, nem tem vocação para ser banco de desenvolvimento financeiro. Não se tem notícia, por exemplo, de que os Estados Unidos resolveram mexer na arrecadação da Social Security para viabilizar linha de crédito e mais empregos no corn belt.

Mas infelizmente está arraigada no governo brasileiro a cultura de que o INSS é a Geni das contas públicas e, por isso, este deve abrir a carteira toda vez que o país necessita. Assim ocorreu quando "empréstimos" sem retorno foram feitos na década de 1950, ocasião que o Instituto patrocinou obras públicas, e que se protrai até hoje por meio da DRU e da desoneração da folha de pagamento.

Existem vários caminhos para se estimular a economia ou determinados setores produtivos. Desde o próprio governo fazendo caixa ao gastar menos até medidas como redução de impostos, da taxa básica dos juros, ajustes normativos ou estímulo de linhas de crédito.

Mas se o governo está disposto a investir na empregabilidade que o faça sem envolver a arrecadação do INSS, cuja finalidade constitucional é outra totalmente diferente.

De acordo com levantamento realizado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, o montante de receita desonerada pelo benefício fiscal totalizou R$ 255 bilhões em 2022. Já o impacto do benefício fiscal previsto para 2024 foi estimado em R$ 4,4 bilhões, para cada exercício, conforme dados da lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Apesar da divergência numérica, este é um assunto que não cabe ao INSS. Se vai gerar mais emprego ou não, a arrecadação do instituto não deveria ser sacrificada por causa disso.

O contrassenso é que, depois de anos de desfalques bilionários por parte do próprio governo, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou publicamente que o modelo de desoneração precisará "encontrar um caminho para não prejudicar a Previdência. Ou daqui a três anos vai ter de fazer outra reforma da Previdência, se não tiver receita. A receita da Previdência é sagrada, para pagar os aposentados. Não dá para brincar com essa coisa".

Ora, como assim? O governo só veio perceber que está minando as contas previdenciárias nesta edição da desoneração? Faz tanto tempo que a desoneração fiscal já vem sendo renovada reiteradamente por proposição do próprio governo.

As empresas que se beneficiam da desoneração não são fiscalizadas com rigor para saber se a contrapartida de mais geração de empregos ou demissões são efetivamente respeitadas. Recebem o incentivo fiscal e fica por isso mesmo. Só não faz sentido agora o ministro da Fazenda, ainda esboçando um suspiro de consciência, reagir com espanto a tudo isso.

Enquanto a empregabilidade é só uma promessa, existem duas certezas: a de que o governo vai criar mais um rombo na Previdência Social e que muitos setores da economia vão registrar lucros milionários.


Fale direto comigo no e-mail (romulo@romulosaraiva.com.br). Siga-nos nas redes sociais. Acompanhe as novidades sobre a área previdenciária no Instagram (@romulosaraivafilho).

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.