Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Modernização do benefício previdenciário, alta do dólar e o juros da dívida pública

Montante bilionário repassado a instituições financeiras não gera a mesma indignação que o gasto previdenciário

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Recife

Ministros e secretários da equipe econômica do governo Lula querem diminuir os gastos com benefícios previdenciários e assistenciais, mas ao mesmo tempo há um certo melindre em tocar no assunto e assumir esse desejo. Sabem que é um tema extremamente impopular. Não é à toa que com a mesma velocidade em que o corte das despesas previdenciárias é introduzido no debate nacional, dele sai rapidamente.

É um assunto controverso e que divide opiniões na própria base do governo. E a tática de falar em mudança e depois recuar funciona como uma espécie de balão de ensaio, para sentir o mercado financeiro e saber até onde vai a reação popular nesse tema indigesto.

Fachada de prédio do INSS na rua Santa Cruz, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo
Fachada de prédio do INSS na rua Santa Cruz, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo - Fachada de prédio do INSS na rua Santa Cruz, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo/Zanone Fraissat/Folhapress

A ameaça da vez é o benefício assistencial. Quando o dólar estava subindo e naturalmente preocupando a equipe econômica, surgiu mais um anúncio de que o BPC (Benefício de Prestação Continuada), concedido a idosos acima de 65 anos ou inválidos, poderia ser alterado para permitir que seja pago abaixo do salário mínimo. Mas também há a possibilidade de se fazer até o final do ano uma grande revisão de benefícios previdenciários, chamada de "pente-fino", para tentar enxugar as despesas.

Em maio, a desindexação do salário mínimo do benefício previdenciário foi falado. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, na ocasião deu uma entrevista cogitando desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo. Em junho, a ministra se manifesta publicamente dizendo que a desvinculação do piso das aposentadorias ao salário mínimo "não passa pela cabeça" do governo.

A necessidade de falar em cortar gastos previdenciários aparece toda vez que indicadores como o dólar, a inflação ou a dívida pública aumentam. E nesses seis meses iniciais do ano eles estão dando sinais ruins, o que sobra para a Seguridade Social.

Há uma sinergia entre os temas: despesa previdenciária, alta dólar, inflação, divida pública e juros da dívida.

A Dívida pública federal aumentou e nos primeiros três meses do ano ultrapassou R$ 6,6 trilhões. Já o dólar a partir de abril vem aumentando. Com efeito, a dívida pública no mercado externo também sofreu alta.

Nos primeiros quatro meses desse ano, os gastos previdenciários somaram R$ 80,7 bilhões, uma alta real de 17% em relação ao mesmo mês do ano passado. Chegamos a metade do ano e os gastos previdenciários continuam em alta, principalmente em razão do Atestmed, ferramenta que vem permitindo a concessão do benefício por incapacidade temporária sem perícia inicial, o que aumenta o número de fraudes e atestados médicos falsos.

Para reduzir a fila do INSS, é como se o governo tivesse feito vista grossa a eventuais fraudes e aberto a torneira de gastos. Como o benefício por incapacidade está sendo concedido ligeiramente, a velocidade do gasto do INSS também aumenta.

O governo quer fazer o ajuste fiscal e, para isso, busca a revisão de gastos na área previdenciária, mas com um nome pomposo: "modernização dos benefícios previdenciários". Desde quando pagar benefício (previdenciário ou assistencial) abaixo de um salário mínimo é modernizar? São assuntos que de fato estão interligados.

Por meio da dívida pública, o governo obtém dinheiro emprestado a instituições financeiras e investidores para honrar compromissos financeiros. Em contrapartida, assume o compromisso de devolver os recursos corrigido depois de um tempo, que pode se atrelar por exemplo a seguir a inflação ou o dólar.

A questão é que o gasto da seguridade social não é o único. Existe um outro que é tão ou mais relevante e quase não se fala: os juros pagos todos os anos para amortizar a dívida pública.

Apenas de 2023 a 2026, o orçamento reservado para o governo brasileiro gastar com os juros da dívida corresponde a R$ 1,7 trilhão, o que em média equivale a R$ 350 bilhões por ano.

Para fins de comparação, o INSS gastou no quadrimestre cerca de R$ 80,7 bilhões, enquanto o governo federal pagou R$ 116 bilhões apenas para os juros da dívida pública. Não é propriamente o valor principal da dívida, mas tão somente parte dele, os juros.

Esse gasto da dívida pública não vai para brasileiros extremamente pobres, que dependem do benefício assistencial, ou para a maioria da classe média que recebe aposentadoria do INSS de até dois salários mínimos.

Esse montante bilionário que o governo gasta mensalmente vai para instituições financeiras. E não há previsão de quando irá parar. Paradoxalmente, pouco se fala no assunto. Não gera por exemplo a indignação na mesma intensidade que o gasto previdenciário desperta em alguns analistas e membros do governo.

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