Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Discurso falso sobre fraude na eleição hoje enfraquece Trump no Partido Republicano

Crescimento de Ron DeSantis mostra que argumento não será o bastante para ex-presidente ser candidato em 2024

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The New York Times

Na campanha de Donald Trump para conservar seu domínio sobre o Partido Republicano, sua alegação de que a vitória em 2020 foi roubada tem sido um talismã crucial, algo que o dotou de poderes aos quais candidatos presidenciais derrotados anteriores não tiveram acesso.

Ao insistir que a vitória lhe foi negada fraudulentamente, Trump se posicionou não como um perdedor, mas como um rei no exílio —como um rei Artur traído pelos mordreds de seu partido, aguardando na Avalon de Mar-a-Lago o momento de fazer seu retorno profetizado.

Boné decorativo quebrado vermelho com slogan de Trump sendo varrido
Boné decorativo com slogan de Trump é varrido durante manifestação nas eleições presidenciais dos EUA, em Washington - Kenny Holston - 3.nov.22/The New York Times

Porém, como é o caso de muitas estratégias trumpistas brilhantes e sombrias, o ex-presidente não está exatamente no controle consciente desta. Mais do que calcular, ele intuiu a eficácia dela. E parece estar demasiado investido em seu preceito fundamental —que sua campanha "Stop the Steal" (pare o roubo) é absolutamente justa— para modular a estratégia quando seus retornos começam a diminuir.

Essa é uma razão importante pela qual 2022 não vem sendo um ano especialmente bom às ambições de Trump para 2024. Ao longo de 2021, ele impôs sua vontade a setores importantes do Partido Republicano, mas seu poder vem minguando —e, pelo mesmo motivo, seu discurso sobre ter sido vítima de um roubo.

Enquanto o governador da Flórida, Ron DeSantis, mais forte rival potencial de Trump, vem se posicionando em relação a praticamente todas as questões que preocupam os eleitores das primárias republicanas, Trump chafurda num atoleiro de queixas, estreitou seu círculo de assessores mais próximos e continua a importunar funcionários republicanos para pedir que revoguem a validade da eleição passada.

Enquanto DeSantis anda se promovendo como flagelo do liberalismo, o ex-presidente tem se posicionado principalmente como o flagelo de Brian Kemp, Liz Cheney e Mike Pence. A julgar pelas primeiras pesquisas, a estratégia de DeSantis está funcionando às expensas da estratégia de Trump. O governador está empatado, na prática, com Trump em sondagens recentes em New Hampshire e Michigan, sem falar que o supera facilmente na Flórida —que é o estado de DeSantis, sim, mas agora também é o de Trump.

Esses números iniciais não provam que Trump pode ser derrotado. Mas sugerem que, se seu argumento para 2024 for apenas que a vitória em 2020 lhe foi roubada, isso não será o bastante para reconduzi-lo. Não porque o comitê do 6 de Janeiro tenha levado a maioria dos republicanos a mudar de ideia nem que eles tenham decidido de repente que na realidade Joe Biden venceu a eleição de modo justo e inegável.

Mas o comitê provavelmente desempenhou algum papel no enfraquecimento de Trump, pelo fato de conservá-lo amarrado à eleição de 2020 e o que aconteceu depois dela, dando ao ex-presidente uma razão a mais para vituperar contra inimigos e traidores, permitindo que seus partidários republicanos mais moderados se lembrem constantemente de como acabou a experiência trumpiana.

Quando falo em partidários moderados, refiro-me aos republicanos que tenderiam a responder "não" se um instituto de pesquisas lhes perguntasse se a eleição de 2020 foi decidida de modo justo, mas que também rejeitariam —como fez a maioria dos republicanos numa sondagem da Quinnipiac neste ano— a ideia de que Mike Pence pudesse ter feito legitimamente o que Trump quis que ele fizesse no 6 de Janeiro.

É uma distinção crucial, porque, segundo minha experiência, e também segundo as pesquisas públicas, há muitos conservadores que ainda pensam de modo geral que a vitória de Biden não foi justa, mas não compactuam com os planos insensatos de John Eastman para forçar uma crise constitucional.

Igualmente, há muitos conservadores que se solidarizam de modo geral com os protestos do 6 de Janeiro, ao mesmo tempo que afirmam acreditar que eles foram essencialmente pacíficos e que qualquer motim foi obra de agentes infiltrados do FBI ou agitadores externos —ideia que é uma ilusão, mas ainda é muito diferente de ativamente torcer por um golpe de Estado liderado por uma multidão insurreta.

Logo, na medida em que Trump continua a litigar a própria conduta vergonhosa de antes e durante a insurreição, um rival como DeSantis não precisa que um partidário moderado de Trump acredite em tudo que o comitê da Câmara denuncia. Precisa apenas que o partidário enxergue o 6 de Janeiro como episódio embaraçoso e considere que o comportamento de Trump foi insensato —ao mesmo tempo que ele, DeSantis, posiciona-se como o candidato que pode derrotar os progressistas e virar a página da história.

Um contra-argumento levantado por Jonathan Chait na New York Magazine é que, enquanto esses partidários moderados continuarem a acreditar que a eleição de 2020 foi injusta, Trump terá um trunfo que o colocará à frente de qualquer rival. "Porque se você acredita que ocorreu fraude eleitoral é totalmente racional que você escolha um candidato que se disponha a reconhecer o crime e fazer todo o possível para impedir que ele volte a ocorrer."

Mas parece igualmente possível que o partidário moderado decida que, se a resposta de Trump a ter sido roubado foi primeiro deixar que acontecesse e depois pedir ao vice para agitar uma varinha mágica em seu nome, talvez ele não seja o mais indicado para enfrentar a máquina democrata da próxima vez.

Ou seja, há mais de um caminho para os eleitores republicanos decidirem que o ex-presidente é um perdedor. A narrativa da eleição roubada o protegeu da consequência mais simples de sua derrota. Mas não impede o fedor do fracasso de emanar de suas queixas já desgastadas.

Tradução de Clara Allain

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