Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Viés da mídia progressista manterá Trump politicamente viável

Establishment liberal de alguma forma precisa se transformar em um poder que fique fora do giro da polarização

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Existem duas métricas para o sucesso do comitê do 6 de Janeiro na Câmara. Uma está sob o controle do comitê: um relato justo e abrangente de até onde Donald Trump e seu círculo íntimo chegaram no esforço para anular a eleição de 2020 –e como esse esforço interagiu com a violência da turba– pode servir às futuras gerações de americanos, independentemente de como seja recebido hoje.

Mas o objetivo mais imediato do comitê é ajudar a impedir o retorno de Trump ao poder, propagando ainda mais sua inaptidão para o cargo mais elevado do país. Para esse fim, sucesso e fracasso estão em grande parte fora do controle do comitê, já que mesmo uma apresentação perfeita estará à mercê da polarização partidária, de um cenário midiático balcanizado e do ritmo implacável da vida online.

Entre essas forças gerais, entretanto, o maior obstáculo ao esforço do comitê para desqualificar Trump é um espírito específico, um encolher de ombros, a sensibilidade militante de todos –uma visão de nossa política que vê a quebra de normas em todo lugar, tanto a direita quanto a esquerda piscando os olhos para tumultos e táticas de intimidação, e Trump como um ator dúbio entre muitos outros.

Audiência do comitê que investiga a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, em Washington
Audiência do comitê que investiga a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, em Washington - Mandel Ngan - 13.jun.22/Reuters

Algumas pessoas que sustentam essa visão são conservadoras: não trumpistas retintos, mas republicanos que o apoiaram de nariz empinado e podem votar contra ele nas primárias, mas que provavelmente o apoiariam novamente contra Joe Biden ou Kamala Harris.

Outros são eleitores indecisos, especialmente o tipo insatisfeito que passou de Barack Obama a Trump em 2016, deu a Biden uma chance em 2020, mas está voltando para a direita agora.

Juntos, esses eleitorados tornam imaginável um ressurgimento de Trump. Juntos, eles são os americanos cujas mentes o comitê quer mudar, convencendo-os de que, no drama de nossos tempos, Trump é uma figura exclusivamente maligna, que sua busca por uma crise constitucional provou de uma vez por todas que o "NeverTrumpism" estava certo.

Eu mesmo acredito nisso. Infelizmente, também posso ver como a sensibilidade militante de todos perdura –porque é constantemente reforçada por um establishment progressista que está oficialmente comprometido em combatê-la. Nesse sentido, os poderes que minam o comitê do 6 de Janeiro incluem não apenas seus críticos republicanos, mas alguns de seus defensores mais dedicados –de políticos democratas que exigem que os conservadores votem neles para salvar a democracia, mesmo quando eles próprios se inclinam à esquerda, afastando-se do campo comum, as instituições de mídia cujo senso de emergência trumpiana constantemente mina suas reivindicações de neutralidade e justiça.

A semana passada trouxe um exemplo deprimente desse padrão. Enquanto a mídia se preparava para cobrir as audiências do comitê do 6 de Janeiro, um jovem aparentemente motivado por causas progressistas –o direito constitucional ao aborto e o controle de armas– atravessou o país com a suposta intenção de assassinar o juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh em sua casa em Maryland.

Ele era uma figura isolada, mas não foi um ato isolado: desde o vazamento do esboço da Suprema Corte sobre o aborto, os juízes enfrentam atos diante de suas casas e ameaças de violência, e organizações antiaborto, especialmente centros de crises na gravidez, foram atingidas por incêndio criminoso e vandalismo. (O centro de Washington onde minha família costumava doar fraldas foi um dos alvos.)

No entanto, a cobertura dessa campanha nos principais meios de comunicação tem sido limitada, superficial. O suposto assassino de Kavanaugh chegou às páginas de The New York Times e The Washington Post. Mas nem essa ameaça específica –constitucionalmente substancial, dado que um assassinato realmente poderia pender a balança do tribunal– nem a campanha de intimidação geral foram tratadas como notícias realmente importantes, algo que merecesse a cobertura intensa que táticas equivalentes da direita sem dúvida teriam recebido.

É um padrão semelhante ao que vimos nos protestos por George Floyd em 2020, quando grande parte da imprensa ostensivamente neutra achou politicamente difícil –como disse recentemente Jonathan Chait, da New York Magazine– usar "linguagem clara para descrever os tumultos e os saques que estavam surgindo em torno de algumas manifestações, ou os efeitos do despoliciamento que ocorreu em algumas áreas em resposta". Repetidamente, o espírito de emergência convergiu com o viés ideológico preexistente para minimizar e encorajar tacitamente a radicalização da esquerda.

Isso tem efeitos perniciosos sobre como os progressistas entendem o mundo. Assim como muitos espectadores da Fox News não sabem o que devem saber sobre 6 de Janeiro, encontrei muitos progressistas altamente informados no final de 2020 que literalmente não tinham ideia da escala dos danos dos tumultos da primavera e do verão.

Mais importante, porém, isso tem efeitos sobre os americanos que veem a história mais completa, que estão extremamente conscientes de que há mais além da mídia progressistas do que apenas "desinformação" –e que são, portanto, atraídos de volta para um ceticismo geral, a sensibilidade militante de todos, não importa o que você lhes diga sobre Trump.

Esses eleitores manterão o ex-presidente politicamente viável até que uma de duas coisas aconteça. Ele pode ser derrotado dentro de sua própria coalizão em 2024. Caso contrário, o establishment progressista de alguma forma precisa se transformar em um poder que fique fora do giro da polarização, em vez de apenas ampliá-lo ainda mais.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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