Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Investigações em cerco a Trump não podem se dar ao luxo de errar nos EUA

Aos olhos dos trumpistas, FBI e imprensa exageraram no inquérito em busca de um final à moda de Watergate

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The New York Times

As duas semanas passadas desde que o FBI invadiu Mar-a-Lago parecem algo que já vivemos antes. Não é apenas o fato de Donald Trump estar dominando as manchetes outra vez –é que todos os sucessos de 2017 e 2018 estão sendo tocados de novo.

Especialistas legais montando teorias complexas a partir de informações fragmentadas, instigando especulações no Twitter sobre espionagem e traição, um espírito de "desta vez o pegamos" que não era visto desde os tempos das velas votivas de Robert Mueller.

Essa familiaridade é útil: graças a ela, podemos fazer uma retrospectiva e analisar por que não "o pegaram" na época, porque o "Russiagate" teve final relativamente decepcionante e encerrou os republicanos numa desconfiança permanente em relação a qualquer investigação sobre transgressões trumpianas.

O secretário de Justiça dos Estados Unidos, Merrick Garland, deixa a entrevista coletiva na qual falou sobre as buscas do FBI na casa do ex-presidente Donald Trump - Leah Millis - 11.ago.22/Reuters

A investigação envolvendo a Rússia foi baseada —aos olhos do público e, pelo menos em parte, em suas origens legais— em hipóteses tenebrosas e dramáticas: que Trump teria sido cultivado por Moscou para ser agente de influência da Rússia, que sua campanha e os russos teriam de fato colaborado para invadir e disseminar emails do Comitê Nacional Democrata (e, bom Deus, que talvez houvesse um vídeo de xixi).

Nenhum desses cenários foi comprovado pela investigação. Como muitos críticos de Trump se apressaram a argumentar, o relatório de Mueller não isentou o presidente e sua campanha de maus feitos.

Mas a culpa constatada ou sugerida envolveu muitas coisas feitas à clara luz do dia numa eleição que Trump venceu (incentivando hackers russos e promovendo a informação divulgada), coisas tentadas mas que nunca chegaram a ser concretizadas (algumas tentativas infelizes, ao nível do que aparece no filme "Queime Depois de Ler", de entrar em contato com fontes russas de informações lesivas) e possíveis obstruções de justiça cometidas no decorrer da investigação.

Enquanto isso, também ficou claro que a própria investigação era culpada de cometer abusos, especialmente na maneira com que o FBI obteve mandados de busca nos termos da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira.

E havia um loop de feedback evidente entre esses excessos investigativos e a cobertura de mídia superaquecida. O fato de a investigação estar imprudentemente usando o infame dossiê de Steele como premissa incentivou jornalistas a amplificar os cenários extremos propostos pelo dossiê, porque afinal, segundo eles, se o FBI os estava levando a sério, só podiam ser muito sérios.

Assim, a investigação concluiu lembrando a todos que Trump é um intrigante que defende apenas seus interesses próprios e vive cercado de picaretas vulgares. Mas também fez o FBI e a imprensa parecer que haviam exagerado na busca de um final à moda de Watergate. E, aos olhos dos partidários de Trump, a segunda parte inevitavelmente assumiu peso muito maior, levando-os a se sentir confirmados em sua crença de que, fossem quais fossem os pecados que seu homem pudesse cometer, o estado profundo o perseguia sempre e implacavelmente.

Agora, aqui estamos novamente, e, como as decisões de Robert Mueller e James Comey no passado, as escolhas de Merrick Garland são pautadas por fatos aos quais o público não tem acesso direto. Mas espero sinceramente que o secretário da Justiça tenha guardado a experiência do "Russiagate" em mente quanto autorizou a revista em Mar-a-Lago e que ele mantenha em mente como a investigação de Mueller terminou quando analisar seu próximo passo.

A lição a tirar não é, enfaticamente, que Trump deve receber imunidade permanente devido a alguma regra sobre "não prender ex-presidentes" ou pelo receio de que seus partidários saiam às ruas ou lancem ataques isolados contra o FBI.

A lição, ao contrário, é que, se os agentes do Estado vão atrás de Trump, e especialmente agora, quando vão como representantes de uma administração que pode enfrentar Trump na próxima eleição, eles não podem se dar ao luxo de errar.

Não apenas no banco dos jurados, mas também no tribunal da opinião pública, precisa ficar claro e cristalino o que diferencia quaisquer crimes dos quais Trump possa ser acusado de, por exemplo, o falso testemunho e a obstrução de justiça que não enviaram Bill Clinton à prisão ou da infração de protocolos de inteligência pela qual Hillary Clinton não foi acusada criminalmente.

Não é preciso apenas um argumento legal plausível que teste questões interessantes sobre poderes presidenciais de desclassificação —é preciso um argumento irrefutável e fácil de explicar.

Logo, se você tiver Trump levando projetos de design de armas nucleares e os vendendo a seus amigos na Arábia Saudita, parabéns: você o pegou e pode colocá-lo na cadeia. Se você tiver Trump levando caixas de cartas de líderes de outros países apenas porque é um egomaníaco infantil que acha que merece levar suas lembrancinhas da Casa Branca, então declare a vitória do interesse público e pare por aí.

E, se ele tiver levado documentos sobre a própria investigação sobre o envolvimento russo, documentos do tipo que ele queria que fossem revelados durante sua Presidência —se for esse o caso, tome muito cuidado para não nos prender num loop temporal horrível em que vamos reviver 2017 eternamente.

Parece razoável supor que os documentos em questão são mais sérios do que algumas cartinhas a Kim Jong-un, mas que a incriminação potencial não chegue ao ponto de Trump ter literalmente vendido segredos. Mas essa é uma suposição, não uma premissa.

Já aprendi a não me surpreender com a insensatez e a venalidade de Trump, mas tampouco com sua capacidade de induzir tropeços da parte de pessoas e instituições que, antes da ascensão dele, eu teria visto como sendo relativamente sensatas.

Portanto, nada de previsões, apenas um aviso: não erre o alvo.

Tradução de Clara Allain

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