Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Unabomber, Berlusconi e Cormac McCarthy talvez ilustrassem alienação dos homens

Masculinidade tradicional tinha mais valor em 1870 do que hoje

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Três mortes importantes aconteceram recentemente: Ted Kaczynski, Silvio Berlusconi, Cormac McCarthy. Uma estranha variedade de personagens —o assassino que se imaginava filósofo, o magnata que criou o populismo ocidental moderno, o romancista que lidava com cadências bíblicas sem garantias bíblicas.

Ou talvez não tão estranhamente variados; talvez os três fossem variações do mesmo tema —sendo ele a alienação, especificamente a alienação masculina, dos padrões e das regras da civilização moderna tardia, e as diferentes rebeliões que a alienação pode inspirar.

Silvio Berlusconi chega em evento de governo na Itália
Silvio Berlusconi chega em evento de governo na Itália - Giuseppe Cacace - 12.nov.08/AFP

Ultimamente, fala-se muito sobre uma crise de masculinidade, manifestada em estatísticas que mostram homens jovens ficando para trás de mulheres jovens em vários indicadores de educação e ambição, respondidos pela esquerda por tentativas terapêuticas de desintoxicar a masculinidade e pela direita por promessas de renascimento masculino.

A raiz do problema parece bastante clara, mesmo que as soluções sejam contestadas: as coisas para as quais os homens são mais adaptados (ou sociabilizados, se você preferir essa narrativa, embora o elemento biológico pareça inevitável) são menos valorizadas, às vezes muito menos, no tempo de paz de uma civilização pós-industrial do que na maior parte do passado humano.

Resumindo, quando falamos sobre modos de masculinidade tradicionais, geralmente estamos falando sobre o domínio por meio da força física e da capacidade de violência. Esse tipo de domínio sempre terá algum valor, mas tinha mais em 1370 do que em 1870, e mais em 1870 do que hoje. E o excesso, o supérfluo, deve, portanto, ser reprimido, domado ou de alguma forma educado.

Então, o que acontece com os homens que não estão interessados nesse processo de domesticação?

Uma resposta é oferecida pela carreira terrorista de Kaczynski: eles ficam furiosos e distorcidos; fantasiam sobre um passado mais verdadeiro, mais livre, mais autêntico; confundem lamentação com filosofia (o manifesto de Kaczynski tem seus admiradores online, mas a maior parte do que ele prega é apresentado de forma mais interessante pelo filme "Clube da Luta"); eles imaginam revoluções, mas entregam gestos homicidas vazios. Atiradores de escola, terroristas religiosos, paladinos da atrocidade sem sentido —são esses os herdeiros de Kaczynski.

Depois há Berlusconi, um tipo muito diferente de rebelde. Para o primeiro-ministro italiano, a domesticação da masculinidade pela sociedade moderna permitiu que ele oferecesse o machismo como uma forma de burlesco, um entretenimento, uma rebelião com uma piscadela, um olhar malicioso e uma risadinha, em vez da raiva alienada do Unabomber.

Em seu discurso, o perigo da violência masculina foi reduzido à ameaça mais branda de mau comportamento masculino, e em sua carreira política pode-se ver como o político "bad boy" pode prosperar num contexto feminizado —sendo chocante o suficiente para se destacar da multidão, diferente apenas o suficiente para atrair os descontentes para sua bandeira, mas sempre tranquilizadoramente performático e cafona, um homem bunga-bunga em vez de um assassino.

Não é de surpreender que outros líderes populistas tenham oferecido esse mesmo tipo de burlesco masculino —Donald Trump, é claro, mas também Boris Johnson com sua picardia atrapalhada. Também não é surpreendente que, tanto para a Itália de Berlusconi quanto para o Reino Unido de Boris, os resultados das políticas pareçam um beco sem saída: se nossa era terapêutica tende a um certo tipo de estagnação, eleger homens que fazem um espetáculo de sua virilidade não é nenhum tipo de passagem mágica de volta ao dinamismo.

Finalmente, onde Kaczynski representou a raiva e Berlusconi o espetáculo, Cormac McCarthy representou —bem, chame-o de testemunho, talvez, ou memória, ou profecia, ou todos os três. Seus romances eram intensamente masculinos, intensamente violentos e em grande parte despreocupados com os fardos de ser um homem sob condições domesticadas ou civilizadas.

Ele simplesmente deixou essas condições para trás —pessoalmente até certo ponto, levando uma vida substancialmente mais difícil do que muitos de seus contemporâneos literários, e absolutamente em seus romances, quer eles chegassem às margens violentas de nosso próprio mundo pacífico, voltassem a um passado frenético ou avançassem para as cinzas da nossa civilização.

Em "No Country for Old Men" ("Onde os Velhos Não Têm Vez"), que não é seu livro mais importante, mas um dos melhores pontos de entrada, você tem a visão essencial de McCarthy —uma visão do mundo civilizado como algo passageiro, cercado de sombras, perseguido por forças que pode negar, mas não suportar.

Nessa visão, não importa o quanto o mundo seja domado e amaciado; a violência sempre voltará, a masculinidade sempre terá seu dia. Mas não um dia de poder e dominação, do tipo que certos influenciadores online fantasiam.

Em vez disso, como Graeme Wood escreveu no site da revista The Atlantic, McCarthy colocou seus homens em condições que eles não podiam dominar totalmente, "no fogo cruzado de deuses e semideuses em um campo de batalha que precedeu a existência humana e continuará muito depois que todos nós morrermos".

A masculinidade admirável de seus personagens, onde existia, consistia em sobrevivência, resistência, integridade. Sua cosmologia era pré-cristã, despojada de qualquer otimismo progressista, mas não totalmente expurgada de esperança. Mas essa esperança só podia ser vislumbrada, não apreendida —descoberta não na dominação, mas no mistério.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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