Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ross Douthat
Descrição de chapéu Partido Republicano

Caminhos normais para derrotar Trump estão se esgotando

Ex-presidente dos EUA, como Berlusconi, vê popularidade prosperar quando o tratam como ilegítimo ou anormal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Em sua busca por escapar do domínio de Donald Trump, a política americana se dividiu em dois grupos: normalizadores e anormalizadores.

O primeiro usa como base teórica argumentos apresentados pelo economista italiano Luigi Zingales logo após a eleição de Trump, em 2016. Comparando o então presidente eleito dos Estados Unidos com Silvio Berlusconi, o populista que comandou a política da Itália por quase duas décadas, Zingales afirmou que os adversários bem-sucedidos de Berlusconi foram aqueles que o trataram "como um oponente comum" e se concentraram em lutar contra "suas propostas, não seu personagem".

Ex-presidente Donald Trump em palestra na Carolina do Sul, nos Estados Unidos
Ex-presidente Donald Trump em palestra na Carolina do Sul, nos Estados Unidos - Melissa Sue Gerrits - 5.ago.23/Getty Images via AFP

Já tentativas de mobilização contra o populista de direita baseadas em razões puramente morais, ou de contar com a solidariedade do establishment para de alguma forma deslegitimá-lo apenas mantiveram a influência e a popularidade do italiano.

O principal contra-argumento contra essa ideia tem sido de que não se pode simplesmente ignorar certas formas de anormalidade; do contrário, não é apenas uma tolerância à demagogia que está em jogo, mas também à violação de leis, à corrupção e ao autoritarismo. Uma versão atenuada dessa tese insiste que normalizar um demagogo também é, em última instância, um erro político e moral, e que não se pode defender totalmente uma figura como Trump deixando de fora seu caráter ou os casos de corrupção associados a ele.

Trump venceu em 2016 explorando os pontos fracos dessa estratégia "anormalizadora". Seus oponentes republicanos nas primárias e depois, já nas eleições, Hillary Clinton não conseguiram derrotá-lo apenas condenando-o e excluindo-o em vez de admitir a forte atração de seu populismo.

Já sua Presidência foi mais complicada. Argumentei o tempo todo, e ainda acredito, que naquele caso a estratégia de normalização foi a mais eficaz, gerando vitórias democratas nas eleições de meio de mandato, as midterms, de 2018 (quando os debates estavam centrados sobretudo nos temas da saúde pública e da política econômica) e a proposta da campanha presidencial de Joe Biden de guiar o país de volta à normalidade.

Enquanto isso, os vários pedidos de impeachment, os esforços de arrecadação de fundos do republicano Projeto Lincoln, que buscava impedir a reeleição de Trump, as investigações acerca de suas relações com a Rússia e a cobertura sensacionalista de sua gestão pelos jornais pareciam se encaixar no modelo de Zingales de esforços do establishment que realmente solidificaram o núcleo do apoio a Trump.

Mas é verdade que Biden fez um bocado de menções a anormalização em seus discursos durante a campanha presidencial, e pode-se argumentar que o pânico do establishment foi bem-sucedido no sentido de que impediu que Trump expandisse seu apelo popular, limitando o apoio republicano a ele e levando-o a concorrer em 2020 com uma versão de sua coalizão no pleito de 2016.

Qualquer que seja a narrativa escolhida, os eventos de 6 de janeiro de 2021 deram, compreensivelmente, vantagem à tese da anormalização. Além disso, a inflação galopante e outras questões levaram os democratas a deixar de lado seu estilo "normal" de fazer política. O resultado foi uma campanha de midterms em 2022 em que Biden e seus correligionários mais chamaram a atenção para os riscos oferecidos pelos republicanos à democracia do que apresentaram propostas concretas.

Mas o êxito desse esforço de anormalização (que decerto foi maior do que eu esperava) aparentemente abriu caminho para que normalizadores de dentro do Partido Republicano ganhassem força, permitindo que uma figura como Ron DeSantis atacasse Trump pelo pragmático motivo de que ele é um candidato derrotado cuja missão populista pode ser melhor realizada por outra pessoa.

Agora, no entanto, essa possibilidade de dinâmica parece estar evaporando, efeito da interação entre os múltiplos processos contra Trump na Justiça e o fraco desempenho de DeSantis até agora no panorama nacional. Seja como for, 2024 promete cada vez mais uma campanha de anormalização total.

Hoje, para que DeSantis ou qualquer outro republicano superasse Trump, uma importante facção de eleitores republicanos teria que se cansar da nova fama do ex-presidente de inimigo público e político fora da lei –efetivamente concordando com a cruzada do "isso não é normal" do establishment americano.

No caso mais provável de uma revanche Biden-Trump, a notável possibilidade de a campanha do republicano seja dirigida da prisão dominará tudo. O lado normal das coisas não deixará de importar, a situação econômica ainda desempenhará um papel crucial, mas a sensação de anormalidade distorcerá todos os aspectos de um debate partidário convencional.

Apesar de todas as minhas dúvidas sobre a estratégia de anormalização, e a despeito dos bons números de Trump contra Biden nas pesquisas até agora, meu palpite é que isso funcionará para os democratas.

A acusação de Stormy Daniels ainda soa como uma aposta partidária. Mas no caso dos documentos sigilosos, a culpa de Trump parece clara. E embora a acusação sobre o 6 de Janeiro pareça mais incerta do ponto de vista jurídico, ela concentrará a atenção nacional da mesma forma que os abusos de poder grosseiros do ex-presidente, que custaram tão caro aos republicanos trumpistas em 2022.

O fato de que os processos contra Trump estão tornando mais difícil derrubá-lo como candidato do Partido Republicano à Presidência é apenas um azar dos conservadores anti-Trump. Ele pediu isso, seus apoiadores estão endossando isso, e seus adversários democratas podem obter tanto a satisfação moral de uma eventual condenação como os benefícios políticos de vencer nas urnas um candidato considerado culpado.

Mas meus palpites sobre as perspectivas políticas de Trump certamente já estiveram errados antes. E há um precedente para uma estratégia de anormalização que se concretizou em um processo judicial sem que o demagogo em questão fosse de fato empurrado para fora do palco. Um precedente como Berlusconi, na verdade, que enfrentou 35 processos criminais diferentes depois de entrar para a política, recebeu só uma condenação incontestável —e acabou saindo da política pelo fim mais normal de todos: a velhice e a morte.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.