Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Ascensão da China embaralha negociações nucleares entre EUA e Rússia

País asiático acha que não chegou a hora de sentar à mesa e, principalmente, de dividir a conta

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No início desta semana, EUA e Rússia aprontavam-se para negociações bilaterais sobre armas nucleares. A sala havia sido cuidadosamente preparada, com lugares dedicados às duas equipes negociadoras.

De olho na cenografia, os americanos acrescentaram bandeiras da China à mesa, em frente a cadeiras vazias. Sob medida para uma foto e um recado via Twitter: a China precisa fazer parte desta negociação.

EUA e Rússia assinaram em 2010 acordo que limita armas nucleares de longo alcance e permite inspeções mútuas. Se não for renovado, o acordo expira em fevereiro de 2021.

Bandeiras chinesas colocadas pelos americanos na mesa de reunião com a Rússia sobre tratado nuclear
Bandeiras chinesas colocadas pelos americanos na mesa de reunião com a Rússia sobre tratado nuclear - @USArmsControl no Twitter

Foi justamente para discutir a extensão do Novo Start (sigla em inglês para Tratado de Redução de Armas Estratégicas) que as partes se encontraram —sem grande progresso.

Como a ambientação sugeria, a dificuldade de avançar, para os americanos, estava relacionada à parte que declinou o convite para a reunião.

Apesar de ainda ser uma potência nuclear de médio porte, a China, com sofisticados mísseis intercontinentais, é vista pelos EUA como peça-chave no tabuleiro das negociações nucleares.

Herança da Guerra Fria, o Novo Start teria envelhecido mal. Teria se tornado perigoso para os EUA, porque impõe limites a americanos e russos, deixando a China desimpedida.

Além disso, o balanço do poderio militar hoje inclui mais elementos. Capacidades cibernéticas e armas antissatélites ganharam importância. Nessas duas frentes, a China está longe de ser um ator menor.

Os russos tenderiam a renovar o Novo Start, mas os EUA resistem a avançar sem os chineses.

Negociadores americanos entendem que, se renovarem o acordo rápido demais ou por muito tempo, tiram a pressão para que a China se junte a ele.

Mas a realidade é que nem EUA nem Rússia querem limitar seus arsenais aos níveis dos da China. Os EUA têm 1.750 ogivas operacionais, os russos, 1.572 —e ambos têm muito mais em estoque.

A China tem cerca de 300 no total. Os chineses não aceitariam congelar uma situação de tamanho desequilíbrio. Argumentam que as grandes potências nucleares —com 90% do arsenal do mundo— é que têm a responsabilidade principal pelo desarmamento.

Ao mesmo tempo, o risco de o Novo Start expirar poderia servir de incentivo para a China se sentar à mesa de negociação. O fim do acordo acabaria com os limites auto-impostos por russos e americanos e reduziria a transparência relacionada aos seus arsenais.

Sem que nenhum dos três jogadores possa ver as cartas dos demais, o risco é de que todos eles apostem no pior cenário, o que poderia desencadear uma nova corrida armamentista.

Isso não interessaria à China, que, além de ter melhor destino para os seus recursos, sairia muito atrás numa reedição da disputa nesta área. Por ora, nada disso parece convencer Pequim a negociar.

O perigo é de que, no esforço de trazer a China para a mesa de negociação, os americanos acabem por aniquilar décadas de resultados diplomáticos na área nuclear. Pior, não colocarão nada no lugar —e o vácuo aumenta a possibilidade de acidentes e erros de cálculo.

Em 2019, os EUA abandonam o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, acusando a Rússia de descumprimento mas também de olho na China.

Se o Novo Start caducar, será o fim do último acordo nuclear que ainda vincula EUA e Rússia.

Para completar, os americanos abandonaram acordo nuclear com o Irã. O diálogo entre Kim Jong-un e Donald Trump não deu em nada. Muito recentemente, houve escaramuças sérias na fronteira entre China e Índia, duas potências nucleares.

O fim do Novo Start colocará todos —inclusive a China— numa situação pior. Apesar disso, e mesmo querendo ser vista como um ator responsável, a China acha que não chegou a hora de sentar à mesa e, principalmente, de dividir a conta.

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