Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times

Judeus americanos, vocês precisam escolher um lado em Israel

Maioria das organizações judaicas dos EUA não está preparada para encarar luta existencial em Israel

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The New York Times

Desde a fundação de Israel em 1948, o apoio à segurança e ao desenvolvimento econômico do país e o fortalecimento de seus laços diplomáticos com os Estados Unidos têm sido a "religião" da muitos judeus americanos não praticantes –em lugar de estudar a Torá ou seguir a alimentação kosher. Essa missão impulsionou a arrecadação de fundos e forjou a solidariedade entre comunidades judaicas em toda a América.

Agora muitos judeus americanos terão que encontrar um novo alvo para sua paixão.

Manifestantes saem às ruas enquanto governo de coalizão nacionalista do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu avança com sua reforma judicial - Amir Cohen - 4.mar.2023/Reuters

Isso porque, se o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tiver êxito em seu putsch judicial para sufocar a independência do Judiciário israelense, o tema de Israel pode dividir todas as sinagogas e organizações comunitárias judaicas na América. Para colocar a questão em termos simples: Israel está diante de seu maior conflito interno desde sua fundação, e para cada rabino e cada líder judeu na América, guardar silêncio sobre essa disputa significa tornar-se irrelevante.

A Jewish Telegraphic Agency acaba de publicar um artigo dando um vislumbre revelador dessa realidade. A agência citou a rabina Sharon Brous, de Los Angeles, como tendo iniciado seu sermão sobre Israel no mês passado com um aviso de conteúdo a seus fiéis: "Hoje preciso dizer algumas coisas que sei que vão perturbar alguns de vocês".

Todos os rabinos americanos sabiam o que ela queria dizer: Israel se tornou um tópico tão controverso que não pode ser discutido sem que se tome partido pró ou contra as políticas de Netanyahu.

O que torna a situação ainda mais incendiária é que a linha divisória em Israel –pró ou anti-Netanyahu –frequentemente coincide pelo menos parcialmente com a linha divisória entre democratas e republicanos, e sabemos bem como esta última é explosiva.

A realidade, porém, é que os interesses dos judeus americanos e de Israel vêm divergindo há muitos anos, mas que isso tem sido encoberto. Até o início dos anos 2000 –quando Israel estava se esforçando para absorver judeus da Rússia e Etiópia com a ajuda da comunidade judaica americana, buscando implementar o processo de paz de Oslo com a ajuda de presidentes americanos e lançando startups com a ajuda de investidores americanos--, os interesses entre as duas comunidades pareciam estar a grosso modo alinhados.

Mas mais ou menos desde 2009, Netanyahu –que atualmente encabeça seu sexto governo como primeiro-ministro— foi cada vez mais se aliando com partidos ultranacionalistas e ultrarreligiosos e passou a abraçar o manual do ex-presidente Donald Trump. Ele foi buscando ganhar eleições através da radicalização de sua base, atacando as instituições jurídicas, a imprensa e as instituições acadêmicas de Israel e incitando seus seguidores contra os judeus israelenses e árabes israelenses centristas ou esquerdistas. Na última eleição, em novembro, Netanyahu abandonou qualquer tentativa de construir uma coalizão centrista ampla.

Sob sua égide, os governos de Israel procuraram todas as maneiras possíveis de evitar o processo de paz com os palestinos e usaram todas as oportunidades possíveis para demonizar o líder palestino Mahmoud Abbas, apesar de Netanyahu saber havia anos que a Autoridade Palestina, chefiada por Abbas, oferecia cooperação essencial de segurança com Israel na Cisjordânia.

Netanyahu e sua equipe também rejeitaram os judeus americanos liberais, enxergando-os como uma raça em extinção, casando-se com não judeus até minguar e tornar-se irrelevante. Em vez disso, Netanyahu e seus aliados concentraram suas energias em construir apoio a Israel entre os republicanos e sua base evangélica.

Mesmo assim, os líderes das principais instituições judaicas americanas se esforçaram muito para negar o desprezo implícito manifestado por Netanyahu em relação a eles, emitindo declarações superficiais sobre a necessidade de respeitar o processo democrático de Israel e julgar o governo israelense "por seus atos" –como se o fato de Netanyahu ter nomeado dois ex-condenados e fanáticos nacionalistas messiânicos a cargos chaves em seu gabinete não fosse digno de condenação.

Agora, porém, que o governo mais recente de Netanyahu está levando adiante sua tentativa de sufocar a independência do Judiciário israelense, rachando a sociedade de Israel, não resta outra opção aos líderes judaicos americanos senão tomar partido.

Isso porque algo que começou em Israel como um protesto contra o putsch judicial de Netanyahu está crescendo e convertendo-se numa revolta muito mais ampla dos elementos mais produtivos da sociedade de Israel, que também carregam o fardo da segurança e travam as guerras do país. Esse setor agora está olhando para o gabinete de Netanyahu –muitos de cujos integrantes nunca serviram em combate (nenhum dos ultraortodoxos o fez, e apenas alguns dos ultranacionalistas) e pagam poucos ou zero impostos, mas devoram orçamentos enormes para suas instituições religiosas— e dizendo "Basta! Não vamos mais aceitar essas atitudes de vocês."

No sábado passado estimados 250 mil israelenses saíram às ruas (o equivalente, proporcionalmente, a mais ou menos 8,6 milhões de americanos), pessoas de todas as partes do espectro político, reivindicando o fim do esforço de Netanyahu para destruir a independência do Judiciário nacional. Ao mesmo tempo, a maioria avassaladora dos pilotos de reserva de uma unidade de elite da força aérea notificaram seus oficiais comandantes que, em protesto contra a tentativa de golpe do governo contra o Judiciário, eles não participariam de treinamentos.

Não surpreende que o economista e demógrafo Dan Ben-David tenha me dito que "esta é nossa segunda guerra de independência, e seu resultado afeta a todos os judeus".

Infelizmente, porém, a maioria das organizações judaicas americanas e dos líderes leigos –especialmente a liderança da poderosa organização de lobby judaico Aipac, de viés direitista— não está preparada para encarar esse tipo de luta existencial em Israel. Elas têm sido formadas e direcionadas há 75 anos para posicionar-se ao lado de dignitários israelenses, posar com pilotos militares israelenses, visitar o cenário tech de Israel e fazer o que Netanyahu lhes manda. Nunca lhes foi pedido que optassem ENTRE o primeiro-ministro de Israel e seus pilotos de caças.

Agora eles não têm escolha.

Na próxima semana Netanyahu vai esfregar sua política na cara dos judeus americanos, enviando seu extremista ministro das Finanças Bezalel Smotrich a Washington para discursar numa conferência da Israel Bonds. Smotrich é o parceiro de coalizão que declarou publicamente que a cidade palestina inteira de Huwara, na Cisjordânia –onde um atirador palestino matou dois colonos israelenses, sendo a cidade então atacada e depredada por colonos— "precisa ser exterminada" por vingança e que "o Estado de Israel deve fazê-lo". (Ele disse mais tarde que foi "um lapso de linguagem cometido em um momento de forte emoção".)

A Israel Bonds, organização que vende para o Ministério das Finanças os títulos garantidos pelo governo, precisou divulgar comunicado dizendo que o evento seguiria adiante conforme o previsto, explicando que o trabalho dela é apenas vender os títulos "para o desenvolvimento da economia de Israel, independentemente da política".

Mas é justamente esse o xis da questão: não há mais "independentemente de política" quando se trata do governo atual de Israel. Por isso, pela primeira vez, veremos um evento da Israel Bonds com a presença de judeus americanos e também de piquetes de judeus israelenses que vivem na América que vão boicotá-lo.

Recentemente, três das mais importantes vozes centristas de Israel que escrevem para públicos judaicos americanos –o rabino Daniel Gordis, Yossi Klein Halevi e Matti Friedman— publicaram uma carta aberta no The Times of Israel basicamente dizendo aos americanos que, se quiserem preservar o relacionamento EUA-Israel, terão que se posicionar.

"Aos amigos de Israel na América do Norte, estamos dando o passo incomum de nos dirigirmos a vocês diretamente num momento de crise aguda em Israel", eles escreveram. Proteger Israel hoje "significa defendê-lo de uma liderança política que está corroendo a coesão e o éthos democrático de nossa sociedade, os fundamentos da história de sucesso de Israel. ... Um primeiro-ministro que está sendo julgado por corrupção e que nomeou ministros com antecedentes criminais se arroga a legitimidade necessária para derrubar o sistema legal."

Como responder? Ando ouvindo algumas ideias novas e radicais. Gidi Grinstein, fundador do think tank israelense Reut e autor de "Flexigidity: The Secret of Jewish Adaptability" (Flexirigidez: o segredo da adaptabilidade judaica), publicou um texto no The Times of Israel algumas semanas atrás pedindo que a comunidade judaica americana se reimagine como "uma comunidade de diáspora robusta, resiliente e próspera" que investe em sua própria vitalidade e suas próprias instituições e contribui para a sociedade americana –não mais aceitando "o discurso sionista dominador que encara a comunidade judaica americana como um judaísmo de segunda classe".

O som que você está ouvindo é o início de uma enorme mudança de paradigma.

Tradução de Clara Allain 

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