Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Nikki Haley está mais interessada em agradar a base da Fox News do que em moldá-la

Família de ex-governadora é propaganda ambulante de como os EUA são enriquecidos pela imigração

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The New York Times

O que eu vejo como uma das perguntas mais intrigantes da política americana atual: como Nikki Haley falaria do país e seus desafios se a Fox News não existisse?

Veja o porquê: nos últimos dias ficamos sabendo de muitas coisas que desconhecíamos tanto sobre a Fox quanto sobre Haley, a ex-governadora da Carolina do Sul que começou a disputar a candidatura presidencial republicana em 2024.

Haley durante um evento de sua campanha para ser a candidata à Presidência pelo Partido Republicano - Michael M. Santiago - 17.fev.23/Getty Images via AFP

Comecemos pela Fox News. Todos mais ou menos já sabíamos a verdade sobre a Fox, mas agora não resta margem para dúvidas: a Fox News é para o jornalismo o que a máfia é para o capitalismo: o mesmo gênero básico, mas uma perversão moralmente corrupta da coisa real.

Antes, durante e depois da eleição de 2020, não era loucura supor que os principais âncoras do jornalismo do horário nobre da Fox –Sean Hannity, Tucker Carlson e Laura Ingraham— acreditavam de fato em alguns dos teóricos e das teorias conspiratórias pró-Trump, sobre fraude eleitoral, que estavam colocando no ar. Mas agora, graças a emails e mensagens de texto que vieram à tona recentemente, ficamos sabendo que eles não acreditavam em nada daquilo.

As mensagens internas revelam que os três âncoras do horário nobre, além de outros na Fox, zombaram reservadamente e em alguns momentos ficaram horrorizados com as alegações de fraude eleitoral feitas por assessores de Donald Trump como Sidney Powell e Rudy Giuliani.

Mas, na maior parte do tempo, esconderam seu ceticismo dos espectadores. Tendo mobilizado o público da Fox profundamente com as acusações de fraude eleitoral, a ponto de deixá-lo viciado, os líderes da Fox tiveram medo de parar. Por quê? Temeram perder espectadores e receita publicitária para redes ainda mais desvairadas –Newsmax e OAN.

Os emails, mensagens de texto e depoimentos da Fox News que expuseram tudo isso vêm de depoimentos e documentos judiciais divulgados recentemente de uma ação movida pela Dominion Voting Systems num tribunal do estado de Delaware. Fazem parte da ação movida pela empresa contra a Fox News por divulgar o que a emissora teria sabido serem alegações falsas de que máquinas da Dominion teriam ajudado a fraudar a eleição de 2020. O cinismo que o material revela é de tirar o fôlego.

As dimensões desse cinismo foram resumidas perfeitamente em relato publicado pelo jornal The New York Times na semana passada de uma troca de mensagens datada de 12 de novembro de 2020: "Numa sequência de mensagens trocadas com Ingraham e Hannity, Carlson apontou para um tuíte em que uma repórter da Fox, Jacqui Heinrich, checou uma publicação de Trump sobre uma transmissão da Fox e disse que não havia evidências de fraude eleitoral por parte da Dominion. ‘Por favor, mandem demiti-la’, disse Carlson. E acrescentou: ‘Isso precisa acabar já, tipo esta noite ainda. Está prejudicando a empresa significativamente. O preço das ações está caindo. Não é brincadeira.’ Na manhã seguinte Heinrich havia deletado seu tuite."

Sim, isso mesmo: os apresentadores da Fox e a família Murdoch não viram problema em desacreditar o elemento fundamental da democracia americana –nossa capacidade de transferir o poder de maneira pacífica e legítima--, se isso pudesse conservar a adesão de seu público e elevar o preço de suas ações.

Chegamos agora a Nikki Haley, que na semana passada anunciou sua pré-candidatura presidencial.

Não conheço Haley pessoalmente, mas vista de longe parecia que ela tinha uma história razoavelmente boa para contar: governadora bem-sucedida da Carolina do Sul de 2011 a 2017, a primeira embaixadora de Trump à ONU e filha de imigrantes indianos. Sua mãe, Raj, estudou direito na Universidade de Nova Déli e depois de imigrar para a Carolina do Sul fez mestrado em educação e tornou-se professora num colégio público local. Seu pai, Ajit, recebeu um doutorado da Universidade da Colúmbia Britânica e lecionou biologia na Faculdade Voorhees por 29 anos. Paralelamente, eles chegaram a abrir uma butique de roupas.

A família inteira é uma propaganda ambulante de como os EUA são enriquecidos pela imigração.

E como governadora, a iniciativa política mais conhecida e mais corajosa de Haley foi tomada depois de um atirador branco ter matado nove fiéis negros em junho de 2015 numa sessão de orações na igreja episcopal metodista africana Emanuel, em Charleston, Carolina do Sul. Depois de vir à tona que o atirador havia posado com símbolos confederados para várias fotos e tinha vínculos com um manifesto racista, Haley pediu uma legislação que levou à remoção da bandeira confederada que era hasteada no Capitólio estadual desde 1962.

"Não vamos permitir que este símbolo continue a nos dividir", declarou Haley.

Aplausos para ela! Agora, fazendo um fast-forward, vemos Haley anunciando sua candidatura à Presidência. Imagine todas as maneiras em que ela poderia ter se diferenciado de Trump e Ron DeSantis.

Ela poderia haver dito: "Meus amigos, nos últimos dois anos o Congresso aprovou leis para modernizar nossa infraestrutura e nossa capacidade de fabricar microchips avançados e promover sistemas de energia limpa. As duas primeiras foram aprovadas por maiorias bipartidárias. Essa legislação representa uma plataforma de lançamento que pode colocar a América em posição de dominar o século 21. E eu sei como fazer uso máximo dessas plataformas de lançamento.

"Durante meu governo da Carolina do Sul, Greenville tornou-se um dos mais importantes centros nacionais de inovação em energia eólica. Conforme publicou recentemente o Upstate Business Journal, da Carolina do Sul, ‘Segundo um novo estudo do Brookings Institution, um think tank de Washington, inventores de Greenville foram responsáveis por 172 patentes de energia eólica nos últimos cinco anos, mais que qualquer outra área metropolitana do país.’ Isso mesmo! Foi porque fizemos de Greenville a sede da equipe de engenharia elétrica e hídrica da General Electric."

Haley poderia ter acrescentado: "Também sei muito sobre infraestrutura de construção para manufatura high-tech porque durante meu período como governadora ajudei a converter a Carolina do Sul num dos mais ativos centros nacionais de manufatura avançada –desde aeronaves avançadas até carros e pneus."

Em seguida Haley poderia ter explicado que cada um daqueles fabricantes hoje nos está dizendo que, para alcançar seu potencial pleno, precisam de profissionais com formação em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM). Mas eles não conseguem encontrar esses profissionais. De acordo com o Burô de Estatísticas do Trabalho, até 2025 a América pode precisar de 1 milhão a mais de engenheiros e outros profissionais da área CTEM do que conseguiremos formar no país ao ritmo atual. Ela poderia ter dito que a única maneira de preencher essa lacuna será acolhendo os imigrantes mais dinâmicos e altamente qualificados do mundo.

Imigrantes legais fazem nosso bolo crescer e inventam coisas que fortalecem nossa segurança nacional. Como filha de dois imigrantes desse tipo, Haley poderia ter se engajado em forjar um acordo muito necessário que realmente parasse a imigração ilegal e ao mesmo tempo ampliasse a imigração legal. Como a governadora que ousou arriar a bandeira confederada, ela poderia declarar que tem a coragem necessária para unir o país para realizar metas grandes e difíceis.

É claro que esse tipo de discurso teria desafiado a base republicana, mas aposto que teria mobilizado muitas outras pessoas, especialmente eleitores independentes e republicanos moderados que buscam alternativas a Trump.

Mas Haley não disse nada disso.

E agora chegamos ao final perfeito dos eventos do anúncio presidencial de Haley. Na noite de seu discurso ela apareceu no –espere só para ouvir isso— programa de Sean Hannity na Fox, onde queixou-se de que o Partido Republicano precisa de uma mensagem para atrair uma variedade de pessoas e precisa fazer um trabalho melhor com suas mensagens. Mas ela não ofereceu nenhuma mensagem real.

A mulher cuja história de imigração familiar poderia ter criado um vínculo tão apropriado com a estratégia concreta para uma renovação americana, a mulher cuja coragem política em arriar a bandeira confederada poderia ter sido a mensagem inicial perfeita para atrair mais minorias ao Partido Republicano, optou em vez disso por fazer uma imitação fraca de Ron DeSantis.

Por quê? Porque, como Hannity, Ingraham, Carlson e os Murdochs, Haley estava mais interessada em seguir a base da Fox que em moldá-la, o que dirá conduzi-la a um lugar melhor.

Como eu falei –imagine como Nikki Haley poderia ter soado se a Fox News não existisse.

Tradução de Clara Allain

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