Vaivém das Commodities

A coluna é assinada pelo jornalista Mauro Zafalon, formado em jornalismo e ciências sociais, com MBA em derivativos na USP.

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Vaivém das Commodities
Descrição de chapéu alimentação

Acordo que interrompe exportações em casos de vaca louca é falho e desregula o mercado, diz especialista

Num rebanho de 200 milhões de cabeças, sempre haverá touros e vacas sujeitos a essa degeneração genética

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A suspensão das exportações de carne bovina para a China, a partir desta quinta (23), devido a um caso de vaca louca ocorrido no Pará, derrubou a arroba de boi gordo para R$ 267,85 no estado de São Paulo, uma queda de 11%, segundo acompanhamento do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). É o menor patamar desde novembro de 2021, quando o país também estava com as vendas interrompidas para os asiáticos.

O embargo, anunciado na quarta (22), faz parte de um protocolo sanitário entre os dois países quando há confirmação da doença encefalopatia espongiforme Bovina (EEB) no Brasil. O governo aguarda o resultado da contraprova, no Canadá, que pode determinar se se trata de caso atípico —quando o mal é desenvolvido durante o processo degenerativo do animal e não é transmissível.

Lygia Pimentel, médica-veterinária, economista e sócia da Agrifatto, diz que essas oscilações bruscas nos preços e nas exportações poderiam ser evitadas. Há uma falha no acordo entre Brasil e China.

Homem de branco empurra carcaças de boi presas em gancho, vistos por trás de vidro
Funcionário de frigorífico acompanha pesagem da carne em Xapuri, no Acre - Lalo de Almeida-27.nov.2019/Folhapress

Não deveria haver essa interrupção automática de exportações. Num rebanho de 200 milhões de cabeças, sempre haverá touros e vacas de cria com idade avançada e sujeitos a essa degeneração genética.

Aconteceu em 2010, em 2014, em 2019, em 2021 e voltou a ocorrer agora. Há uma fragilidade no acordo que deveria ser revista. Ela cita o caso atual. O animal tinha nove anos, não se alimentava de ração, mas a pasto, e não provocou transmissão da doença para os demais da propriedade. Tudo indica que é um caso atípico da doença.

A indefinição maior do setor fica por conta do tempo que a China vai demorar para voltar ao mercado. Em 2019, foram 13 dias. Em 2021, foi do início de setembro a meados de dezembro.

O Brasil tem rapidez em comunicar os casos à China sobre o ocorrido, mas a China não tem prazo para avaliação e retorno das compras, afirma Alcides Torres, analista de mercado da Scot Consultoria.

O cenário do bloqueio de 2021, no entanto, era outro. Os preços estavam elevados e, com demanda forte, a China tinha interesse em esfriar os valores de negociações da proteína.

Em setembro de 2021, início do embargo, a tonelada de carne exportada pelo Brasil estava a US$ 5.790. Em dezembro, reinício das compras chinesas, a tonelada havia recuado para US$ 4.824.

A demora para a reabertura das compras chinesas não deverá ser tão longa nesta nova interrupção das exportações, na avaliação do mercado.

Para Pimentel, os preços estão mais acessíveis; há crescimento da China, embora em ritmo menor; houve recorde de importação em 2022; e o apetite chinês continua.

A própria manifestação do embaixador chinês, Zhu Qingqiao, sobre a importância do Brasil para a demanda de carne bovina da China foi interpretada como sinal da necessidade chinesa do produto brasileiro. O embaixador se reuniu com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, nesta quinta.

Para Pimentel, essas interrupções de exportações têm um efeito dramático para o pequeno produtor. Os frigoríficos reduzem as compras, e os preços da arroba caem.

Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Cepea, afirma que a interrupção das exportações para a China preocupam. Ele mostra o porquê. De fevereiro de 2022 a janeiro de 2023, os chineses importaram uma média mensal de 107 mil toneladas de carne bovina.

Um número nesse patamar pode indicar problemas para os dois lados. O Brasil teria de buscar outros mercados para reduzir os efeitos dessa interrupção, principalmente porque não dá para apostar muito na demanda interna.

Do lado chinês, o produto brasileiro é importante para cobrir a demanda interna. Outros produtores, como os EUA, têm oferta menor da proteína. Além disso, os preços estão elevados, como os da Austrália.

Sem a carne brasileira, a China teria de conviver com uma inflação mais elevada, principalmente devido à recuperação de preços das outras proteínas.

A melhora da demanda chinesa, com a abertura de mercado e fim das restrições da política de Covid zero, elevam as vendas internas e ajudam a dinamizar o mercado do país asiático, diz o pesquisador do Cepea.

Já os reflexos da interrupção das exportações para a China no Brasil vão depender de quanto tempo os chineses vão demorar para o retorno. No atacado, poderá haver queda nos preços, como ocorreu em 2021, mas vai depender dos estoques atuais.

No campo, o cenário deste ano é diferente do de 2021, quando os pastos estavam secos e obrigavam a uma venda mais acelerada do gado. Neste ano, o bloqueio ocorre em um período de pastagens em melhores condições e que permitem ao pecuarista segurar mais o gado na fazenda.

Carvalho adverte, no entanto, que os custos de manutenção do gado estão mais altos; vai depender da programação de vendas já assumida pelo pecuarista; e da necessidade de liberar o pasto para outros animais.

Alcides Torres, analista de mercado da Scot Consultoria, diz que é um balde de água fria sobre o mercado. A arroba de boi gordo vinha se recuperando no campo a partir da segunda quinzena de janeiro, mas os preços serão afetados com essa interrupção das exportações.

Ele acredita, no entanto, que o retorno dos chineses às compras será mais rápido desta vez. Se demorarem, vão pegar os preços em ascensão no período de entressafra. Além disso, estão com os estoques baixos devido às festas recentes.

Pesquisa da Scot já aponta queda de 5% nos preços da carne bovina no atacado nesta semana, em relação à anterior. O recuo, no entanto, é mais reflexo da falta de dinheiro do consumidor, devido aos gastos no Carnaval, do que do caso da vaca louca, afirma o analista.

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