Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Estupros, eleições e apagões

Uma semana excruciante que aponta para algo maior

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O caso Mariana Ferrer só alcançou a devida repercussão pois tivemos acesso à gravação de seu julgamento, disponibilizada pelo The Intercept Brasil. Digo seu julgamento pois a cena se revela invertida. É o caráter da jovem que está sendo julgado e não o do réu, André de Camargo Aranha, acusado de tê-la estuprado.

Também fazem parte do nauseante vídeo o juiz Rudson Marcos, o advogado de acusação Cláudio Gastão da Rosa Filho e o promotor Thiago Carriço de Oliveira. Quatro homens contra uma moça acuada, que exige o devido respeito.

Testemunhamos, com o descalabro da situação, as várias formas que um bando de homens encontra para atacar uma mulher. A prática instituída de nos intimidar em delegacias e tribunais explica a hesitação das vítimas em denunciar violências sofridas. Por vezes, só o fazem quando uma primeira mulher, com a coragem e ou o amparo necessário, o faz. A partir daí abre-se o espaço para outras se manifestarem, por vezes, décadas depois do ocorrido. Mariana Ferrer precisou da mídia e da comoção popular, alavancada pela hashtag #justicapormariferrer, para ser ouvida.

Desse fato decorreu o episódio Rodrigo Constantino, economista conservador, figurinha conhecida da mídia nacional, que afirmou que não deixaria a filha acusar um estuprador caso ela sofresse um estupro estando alcoolizada. A própria veio a público tentar defender o indefensável pai com o bom argumento de que, na real, ele a acolheria. Pais machistas podem ser ciosos do fruto de suas “fraquejadas”, pois usam réguas distintas para as mulheres da sua família e as “outras”, sempre decaídas.

A ambiguidade da mídia, que acolhe uma figura execrável como Constantino, vai até o limite da chiadeira. Daí a importância de ações como Sleeping Giants Brasil, que cobra postura ética de anunciantes. Constantino perdeu quatro empregos em 48 horas.

Impossível não pensar nas excruciantes eleições americanas que se resumiram à disputa entre um político —o picolé de chuchu deles— e a barbárie. Embora a escolha parecesse óbvia, vimos com horror o quão acirrada foi.

Novamente a mídia, que serve de palanque para bufões como Trump, se viu acossada pelo risco de compactuar com a disseminação de fake news explosivas, catalisadoras de uma comoção social, e interrompeu a transmissão do discurso de Trump, no qual ele negava a derrota. Gesto importante e justificável, como Flávia Lima bem pontuou em sua coluna de domingo. A comoção pública e o movimento #blacklivesmatter ajudaram a cobrar a fatura por arbitrariedades raciais e sociais.

Por fim, mas não menos inquietante, temos o Amapá sofrendo um duplo apagão —de fornecimento elétrico e do poder público. Quase 90% dos 860 mil brasileiros que ali residem ficaram sem luz elétrica desde terça-feira passada. Sem luz significa sem água, sem sistema de saúde, sem segurança, sem abastecimento. Aqui, a pressão de sudestinos como nós —moradores de estados privilegiados— denunciando que a situação está longe de ser normalizada é imprescindível. #SOSamapa já.

Nos três eventos o pior só pôde ser enfrentado pelo engajamento dos cidadãos que exigiram ação do poder público, responsabilidade das mídias e dignidade dos agentes sociais.

Mas há algo no horizonte muito mais crucial e promissor do que palavras de ordem e hashtags midiáticas e que estará a nosso alcance no domingo: o voto, cidadão!

Em tempo, para quem perguntou sobre a última coluna: a expressão “mínima diferença” foi cunhada pela querida Maria Rita Kehl e “lugar de cala” por Rafael Cardoso.

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