A culpa social pode destemperar análises urbanísticas, como aconteceu no texto de Francesco Perrotta-Bosch (“Vitrine obscena, ponto se firmou no centro de SP embrulhado em marketing”).
Aos fatos. O autor relatou que a Casa do Porco tirou o sossego dos moradores de rua, constrangeu com a janela quem não pode pagar por ele, privatizou a calçada e conclui que o comércio não revitaliza nada —é tudo marketing. Trocando em miúdos, chamou o chef Jefferson Rueda de coxinha, a chef Janaína Rueda de empadinha e comeu os dois.
Vamos por partes. Primeiro, a entrada: o título. Não sou crítico gastronômico, mas é evidente que a casa se “firmou” pela qualidade. É inimaginável ter endinheirados cruzando a cidade e enfrentando fila pelo marketing da revitalização. Revitalização é uma palavra complicada —o centro é vivíssimo! O restaurante atrai um público novo.
No prato principal, o maior equívoco: o desprezo pelo comércio de rua. Desde 1961, Jane Jacobs fez urbanistas reconsiderarem seu valor à vitalidade urbana, transformando esse entendimento em política pública. Exemplos disso são o estímulo à fachada ativa no Plano Diretor ou os incentivos parisienses a setores que empobreceriam a diversidade caso desaparecessem, como as livrarias de rua.
O Rio de Janeiro avançou classificando casas tradicionais como sendo de interesse cultural, iniciativa que poderia ser replicada em São Paulo com ajuda fiscal. Aí, importam a longevidade e o aspecto original.
Independentemente da classe, sofremos quando se fecha um comércio que fez parte de nossa vida. Confesso, eu sofreria com o fim do Almanara dos anos de 1950.
Citando esfirras, volto ao “porquinho”. O “placemaking”, técnica urbanística que ensina a ativar espaços tornando-os mais vivos, destaca o papel da comida. Nada melhor para atrair multidões. A Casa do Porco tem função urbana que não é “golpe de marketing”.
A transformação do centro é complexa, envolve política pública e a sociedade, mas restaurantes são fundamentais.
Quase no fim, a sobremesa: a janela obscena. Em ambos os sentidos, o enquadramento não é culpado pela paisagem, e cozinheiros não são responsáveis por políticas públicas. Sim, poderiam fazer mais, como faz a Janaína, doando seu saber para melhorar a merenda das escolas públicas.
E a saideira, a calçada. A lei permite mesas por entender que ajudam a cidade. Prefiro advogar pelo aumento do passeio, diminuindo vagas.
Falar de comida quando muitos ao redor passam fome pode ser indigesto. Antes que a conta sobre para mim, e o leitor perca o apetite pelo debate urbanístico, sugiro pular o café e continuarmos o papo no balcão da rua, democratizando a conversa.
Afinal, no 39º melhor restaurante do mundo há sanduíche de porco assado ao preço de Big Mac.
Francesco, a conta é minha. Será difícil degustar algo melhor por esse preço.
Perdão, leitor, desconsidere a análise gastronômica. Apesar de Josimar Melo ter estudado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, críticos de arquitetura, como eu, nada entendem de comida.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.