Neck, chuck, ribs e novo dianteiro do boi conquistam o Brasil

Cortes americanos e alto preço da carne estimulam consumo das partes conhecidas como 'de segunda'

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São Paulo

Fique de quatro. Agora, movimente-se. Seus braços, ombros e pescoço serão os membros mais exercitados. Um boi criado a pasto, como é tradição no Brasil, tende, portanto, a enrijecer sobretudo seu dianteiro.

Habitualmente desprezado para churrasco, associado a uma carne de qualidade inferior, mais barata, dura e restrita a longas cocções, como em sopas ou cozidos, o dianteiro do boi nunca foi tão cobiçado no país.

Aperfeiçoamento genético e manejo mais moderno e tecnológico, do nascimento ao abate, resultam em cortes do dianteiro mais macios e específicos.

Gado bovino da raça Wagyu em criação de Americana (SP)
Gado bovino da raça Wagyu em criação de Americana (SP) - Denny Cesare/Código19

Com isso, passam a ser preparados também na grelha, com virtudes e valores similares —e às vezes superiores— aos cortes historicamente eleitos como os melhores pelo brasileiro, como picanha e filé-mignon.

Para esses animais de qualidade superior, profissionais do setor cunharam a expressão “bois de primeira” e ajudam a desconstruir o hábito popular de associar traseiro e dianteiro a carne de primeira e de segunda, respectivamente.

Apoiada em preparos na grelha e no defumador, a recente moda do churrasco americano desperta o consumidor para cortes inéditos aqui, fortalece o marketing associado a nomes em inglês e serve de mais um motor desse movimento.

A região frontal do boi, que costumeiramente no Brasil era desossada em três pedaços principais para o mercado interno —acém (com pescoço), peito e paleta (com músculo)—, hoje proporciona possibilidades como o denver steak, o short rib e o flat iron (veja quadro).

Este último foi descoberto por cientistas norte-americanos que ficaram imersos nos estudos das estruturas musculares do boi. No processo, eles identificaram atributos de sabor e textura outrora ocultos em alguns cortes mais populares, alçando-os a usos mais nobres. Agregaram, assim, valor comercial à carne.

Para o açougueiro, churrasqueiro e empresário Domingos Neto, famoso nas redes sociais como Netão, o flat iron, que corresponde à raquete (ou ao sete de paleta) lapidado, sem abas, fibras, nervos e gordura, é quase tão macio quanto o filé-mignon, um dos cortes reconhecidos como mais nobres pelo brasileiro, “com a vantagem de ter sabor mais expressivo”.

No Bom Beef, seu açougue em Santos, o preço desse pequeno pedaço do dianteiro, que se presta muito bem ao preparo na grelha, é inclusive mais alto —cerca de 40% a mais que o filé-mignon.

O zootecnista Eduardo Pedroso, que há mais de uma década atua na sala de desossa, na especificação de cortes, diz que o dianteiro do boi segue uma regra de mercado. “Quanto mais mexe, mais desperdiça, perdendo valor.”

Para extrair as pequenas partes mais macias e saborosas da região frontal do boi é preciso retalhar mais a carcaça e isso implica no aumento do preço. Uma maneira de equilibrar a conta é a elaboração de produtos especiais com as aparas, como é feito nos Estados Unidos, onde há um mercado consolidado e potente de carne moída para hambúrgueres.

“Nós brasileiros usamos o patinho moído no dia a dia, uma carne mais magra”, diz Pedroso, também à frente do Toro Negro, steakhouse inspirada no Texas, em Bragança Paulista. “Precisamos encontrar um destino mais nobre para as aparas, como hambúrgueres e linguiças especiais.”

No Brasil, os preços da carne tradicionalmente menos nobre também são incrementados pelo marketing dos nomes estrangeiros. “Peito de boi não vende, brisket vende”, diz Mário Portella, especialista em carne.
Nomes em inglês são adotados para induzir o comedor à ideia de que os cortes são mais requintados.

Mas profissionais do setor propõem algumas ponderações, para que o consumidor não resvale em noções imprecisas, que tracem um paralelo superficial entre cortes brasileiros e norte-americanos.

Alguns nomes estrangeiros são adotados porque não há correspondentes exatos aqui. O denver por exemplo, é extraído do acém, mas não se trata da peça bruta e sim de um corte geométrico, bem aparado de um músculo do acém, do qual se descarta a gordura, nas palavras de Netão.

Do ponto de vista do zootecnista Eduardo Pedroso, o brasileiro fala acém, paleta, peito e associa a carnes duras. “Mas quando a gente desmonta o animal de outra forma, temos resultados culinários surpreendentes e batizamos as pequenas partes com nomes específicos.”

O dianteiro de um boi de qualidade superior, portanto, não está relacionado fatalmente a valores mais contidos. Sobretudo nesse contexto, em que a carcaça teve o preço inchado por uma conjunção inédita, como desvalorização do real, exportação aquecida, demanda interna em alta, oferta de boi retraída por fatores climáticos e preço elevado da ração.

Segundo Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador da Esalq, a carcaça bovina atingiu o maior valor da série histórica, com alta de 35% de janeiro para cá. Não é conversa pra boi dormir.

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