Lenda do mundo do vinho, Steven Spurrier morre aos 79 na Inglaterra

Inglês foi responsável pelo episódio do Julgamento de Paris, que virou filme

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Nos anos 1970, conheci na França —e passei a frequentar, em viagens posteriores— uma charmosa loja de vinhos chamada Les Caves de la Madeleine, aberta em 1971 na margem direita do Sena.

Ali funcionava também a primeira escola de vinhos aberta ao público comum, chamada Académie du Vin. Nada de surpreendente, estando em Paris.

A não ser pelo fato de que seu dono não era francês: era um inglês, Steven Spurrier, que morreu de causas não divulgadas na madrugada de hoje, rodeado pela família, em sua casa em Dorset, na Inglaterra, aos 79 anos.

Seu atrevimento em pontificar sobre vinhos na França era patente. Ele adorava, divulgava e vendia vinhos franceses, mas também fazia algo raro naquele país: promover e vender vinhos de fora, como por exemplo vinhos do Porto, de Jerez e da Madeira.

O amante de vinhos Steven Spurrier, durante degustação em feira de São Paulo, em 2014 - Ivan Almeida/Divulgação

Mas o que tornou Spurrier e sua loja famosos foi uma degustação que ele organizou ali, em 1976, e que ficou conhecida como o Julgamento de Paris, no qual —desta vez, inadvertidamente— ele mais uma vez lançou a luz sobre vinhos não franceses.

A degustação foi planejada para cotejar grandes vinhos franceses com outros, sobejamente desconhecidos no mundo, vindos do então obscuro vale californiano do Napa, num país sem tradição vinícola, os Estados Unidos.

Um embate aparentemente tão esdrúxulo que a imprensa francesa sequer compareceu ao evento —o único jornalista presente era da revista americana Time (que depois faria uma bombástica matéria a respeito).

Já o júri era composto por degustadores de alto coturno (como o dono do vinho Romanée-Conti, Aubert de Villaine, a editora da revista La Revue du Vin de France e sommeliers de grandes restaurantes) e, mesmo sendo uma degustação às cegas (o júri não sabia quais vinhos estava provando), o próprio Spurrier estava certo de que os franceses venceriam de lavada.

Mas entre os tintos, todos da uva cabernet sauvignon, ganhou o americano Stag's Leap Cabernet Sauvignon 1973, batendo grandes Bordeaux como Mouton-Rothschild e Haut Brion. E entre os brancos, venceu o também californiano do Napa Chateau Montelena Chardonnay 1973, batendo os franceses da Bourgogne.

Com isso, os americanos entraram para a história do vinho —assim como o inglês Spurrier, mesmo com os franceses alegando que seus vinhos, que evoluiriam mais lentamente, eram muito jovens (não estariam ainda em seu esplendor) para comparar com americanos de safras semelhantes.

Anos depois deste evento, o inglês voltou para seu país natal, onde nasceu em 1941 e onde começara sua carreira nos anos 1960, trabalhando na Chistopher's, a mais antiga loja de vinhos de Londres.

De volta ao lar, desenvolveu sua carreira como consultor de lojas, vinícolas e importadoras, escreveu livros (como o mais recente, sua autobiografia intitulada "A Life in Wine"), publicou colunas e participou em vários postos editoriais na importante revista Decanter.

Para completar, fundou uma vinícola —a Bride Valley Vineyard, em Dorset, onde morava. Mas nunca deixou de ser lembrado pela famosa degustação de 1976.

O evento chegou a virar filme recentemente. "Bottle Shock" (2008), ou em português, "O Julgamento de Paris", está disponível na Amazon Prime Video, mas, infelizmente, apenas em versão dublada.

Alan Rickman como Steven Spurrier em cena do filme "O Julgamento de Paris" - Divulgação

Nele, Spurrier é representado pelo ator Alan Rickman como um inglês esnobe e pernóstico, o que é injusto. Conheci Spurrier, ainda que superficialmente, em eventos (inclusive no Brasil), e ele foi sempre uma pessoa elegantemente trajada, mas educado e gentil.

Como um sincero amante do vinho deveria sempre ser.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.