Descrição de chapéu Páscoa

Na Páscoa, chocolate bean to bar vira ovo para atender ao mercado

Produtores conquistam consumidor combinando receitas saudáveis e sustentabilidade

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São Paulo

Você sabia que, para ser considerado chocolate, o produto brasileiro só precisa conter 25% de sólidos totais de cacau? Significa que só ¼ do que você come vem dos frutos que nascem nos pés de Theobroma cacao L.

Os outros ¾ podem ser leite e açúcar, por exemplo, usados de forma generosa nas versões mais doces, sem falar na gordura vegetal hidrogenada, nos emulsificantes, saborizantes e aromatizantes.

Isso ajuda a explicar por que o movimento bean to bar, que significa "da amêndoa à barra", em tradução literal, vem ganhando cada vez mais expressão no Brasil.

Levantamento recente, de 2021, feito pela Associação Bean to Bar Brasil em parceria com o Sebrae, indica haver 118 desses pequenos produtores estabelecidos no Brasil, o dobro de 2019 —e metade deles surgiu de 2018 para cá.

No Ateliê Mission, da norte-americana Arcelia Gallardo, o chocolate bean to bar vira ovo decorado - Adriano Vizoni/Folhapress

Mais do que produzir chocolates de forma artesanal, esses profissionais manipulam receitas onde só entram ingredientes naturais. Não há disfarce. O sabor depende unicamente da forma como o cacau foi cultivado e do cuidado com o beneficiamento das amêndoas.

Eles também sabem prestar conta da origem da matéria-prima, pois ela é adquirida aqui mesmo, diretamente dos cacauicultores brasileiros, muitos deles premiados em competições internacionais. Já existe até o conceito tree to bar, "da árvore à barra", para diferenciar os chocolateiros que têm a própria plantação.

Na pequena fábrica da Mission Chocolate, que funciona no bairro do Brooklin, zona Sul de São Paulo, a norte-americana Arcelia Gallardo recebe cerca de 5 toneladas de amêndoas por ano, oriundas de seis fazendas da Bahia, Pará e Espírito Santo, todas escolhidas a dedo.

Com 46 prêmios nacionais e internacionais no currículo, ela trocou a Califórnia por São Paulo há seis anos, e trouxe a marca de lá.

Arcelia Gallardo, do Ateliê Mission - Adriano Vizoni/Folhapress

"Já trabalhei com produtores do mundo inteiro e sei que o cacau brasileiro está entre os melhores", atesta. "Eu mantenho as amêndoas separadas e identifico sua origem na embalagem do chocolate, para que o consumidor conheça cada terroir."

Inventar chocolates de sabores inusitados é sua especialidade. Há barras de rapadura, goiabada, pão de mel e doce de leite com flor de sal, boa parte delas com alta concentração de cacau. "Já tem muita gente no mundo fazendo chocolate com avelã", ironiza.

Desde o ano passado, a Mission tem também uma linha de ovos de Páscoa, cuja produção é bem mais demorada e complicada do que a das barras. Eles são feitos um a um: despejado sobre as formas com coelhinhos em relevo, o chocolate precisa gerar uma camada de espessura uniforme, livre de bolhas, resistente o bastante para não quebrar no transporte.

"O mercado brasileiro não aceita uma Páscoa sem produtos em forma de ovo, mas não é todo fazedor de chocolate que domina a técnica. Por isso, é mais comum vermos o chocolate artesanal só em barras", ela explica.

O segmento bean to bar está proporcionando aos chocólatras um leque inédito de opções. Na Santiago Padaria Artesanal, em Perdizes, os ovos de Páscoa deste ano são veganos, à base do chocolate produzido pela Kalapa. Leite, só de origem vegetal.

"No ano passado, lançamos a linha de ovos usando chocolate belga, era o que conhecíamos na época. Este ano, porém, optamos por um blend de dois chocolates da Kalapa. É uma marca mais alinhada com nossos propósitos, que usa cacau cultivado pelo assentamento Dois Riachões, na Bahia", recita Lucas Alves, um dos sócios da Santiago.

À frente da Kalapa, a bióloga mineira Luiza Santiago lançou a marca em 2018. Moradora de Belo Horizonte (MG), ela mantém a pequena produção no terreno de casa, mas está prestes a se mudar —os 60 quilos mensais, que ela fabricava até dezembro de 2021, já pularam para 200 quilos por mês.

Além de fornecer seu chocolate para pequenos estabelecimentos, como a padaria paulistana, ela tem a própria linha de ovos de Páscoa, que recebem nomes poéticos como Camadas de Outrora (chocolate 61% ao leite de coco) e Pluralidade Sucessiva (chocolate branco de mandioca).

"O desafio de jamais usar produtos de origem animal me deixa mais criativa", diz Santiago.

Os produtores bean to bar estão acostumados a lidar com uma clientela curiosa, exigente, que busca informação sobre os bastidores da fabricação e não se satisfaz com storytelling de mentirinha.

Faz diferença, por exemplo, explicar que o cacau foi cultivado no sistema cabruca, adotado pelos cacauicultores baianos —o cacau que cresce à sombra da vegetação nativa, colaborando com a preservação da Mata Atlântica, tem a preferência de Juliana Aquino, dona da marca Baianí. Já a chocolateira Luisa Abram trabalha com cacau selvagem amazônico, colhido por comunidades ribeirinhas.

A lista de estados produtores não para de crescer. Embora Bahia e Pará disputem a dianteira cabeça a cabeça, as amêndoas que vêm de Mato Grosso, Ceará, Espírito Santo e Minas Gerais aparecem cada vez mais nas barras e ovos bean to bar.

São produtos que chegam ao mercado com preços ainda salgados, cerca de 50% mais caros do que as versões industrializadas de mesmo peso —o que não parece assustar essa fatia do público, como demonstra o rápido crescimento da Dengo.

Em apenas cinco anos, a marca abriu 31 lojas em seis estados, ergueu uma loja-conceito de Pinheiros, com quatro andares, e uma fábrica de 3 mil m² em Santo Amaro, zona sul paulistana.

Além de comprar amêndoas de 148 cacauicultores baianos e pagar até 91% acima da remuneração do mercado, a Dengo segue a cartilha ao apostar na sustentabilidade como estratégia de marketing —parte da linha de ovos de Páscoa é embalada em papel 100% compostável, feito de cascas de semente do cacau. No universo bean to bar, fazer chocolate gostoso não basta.


Guia rápido para desbravar o mundo bean to bar

  • O percentual de cacau não é suficiente para identificar o teor de açúcar do chocolate, porque cada produtor tem sua receita. Há, por exemplo, produtos ao leite com 30%, 40% e até 50% de cacau, alguns mais e outros menos doces. Em geral, as versões a partir de 60% são amargas.
  • Não confie só no rótulo: quem faz chocolate bean to bar deve obrigatoriamente conhecer a origem do cacau e fornecer informações sobre os cacauicultores.
  • Chocolate artesanal nem sempre é bean to bar: há confeiteiros que modelam seus produtos usando chocolates industrializados como matéria-prima.
  • A fama (merecida) do chocolate belga vem da fabricante Callebaut —o que pouca gente sabe é que a famosa marca também usa cacau brasileiro como matéria-prima, além de frutos de outros países produtores.

Onde encontrar

baiani.com.br

dengo.com.br

kalapachocolate.com.br

luisaabram.com

missionchocolate.com.br

santiagopadariaartesanal.com.br

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