Conheça os cafés brasileiros exóticos que custam verdadeiras fortunas

Processos de produção 'diferentes' podem elevar preço; Jacu Bird tem grãos fermentados no sistema digestivo de aves

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São Paulo

Importado da Tailândia, o café Black Ivory chega ao Brasil por uma pequena fortuna —na loja online da Black Ivory Coffee Company, um pacotinho de 35 gramas, quantidade suficiente para apenas quatro xícaras de espresso, custa impressionantes R$ 674.

Mas nem é preciso ir tão longe para encontrar café com preço de três dígitos. No e-commerce brasileiro Café Store, o pacote de 100 gramas do Jacu Bird, produzido na região do Caparaó, entre Minas Gerais e Espírito Santo, sai por R$ 116,80.

Grãos da fazenda Daterra, cultivados em Patrocínio (MG); em janeiro de 2022, pacotes de 100 gramas foram postos à venda por R$ 160. - Divulgação

Os dois têm um fator em comum: fermentam naturalmente ao passar pelo sistema digestivo de animais e prometem maior complexidade aromática.

É isso mesmo, você não leu errado. Os grãos do Black Ivory são comidos e defecados por elefantes antes de chegar à xícara do consumidor, enquanto os do Jacu Bird servem de alimento e são devidamente "descomidos" pela ave jacu.

Os coffee geeks, como são chamados os aficionados por café, estão por trás desse curioso nicho de mercado feito de excentricidades e preços estratosféricos.

"É um luxo acessível. Mesmo quem não pode pagar pelo quilo do café consegue fazer uma loucura e pagar por uma xícara na cafeteria", afirma Caio Alonso Fontes, fundador da Café Store e organizador do São Paulo Coffee Festival.

Um indivíduo dos jacus. - Divulgação

A onda dos cafés exóticos começou cerca de 15 anos atrás, quando chegou ao Brasil o café indonésio Kopi Luwak. Os grãos, que passam pelo sistema digestivo de um pequeno mamífero chamado civeta, eram vendidos pelas cafeterias a peso de ouro. Mas deram uma sumida.

"Surgiram denúncias de maus tratos, produtores criando animais em cativeiro e os submetendo a superalimentação para ter produção em escala. É algo que não faz sentido nesse momento, quando todos querem saber a origem do que compram", explica Tiago de Mello, proprietário da cafeteria Pato Rei, em São Paulo.

O câmbio desfavorável e as falsificações, cada vez mais comuns, contribuíram para que os cafés exóticos importados perdessem terreno. Produtores brasileiros não perderam tempo e estão correndo para ocupar o espaço —muitos têm investido em oferecer raridades que fazem bonito nos leilões internacionais.

São vários os fatores que elevam um café a esse patamar. No topo da lista está a excentricidade do processo produtivo, como é o caso do Jacu Bird.

Proprietário da Fazenda Camocim, responsável pelo produto, Henrique Sloper tem 80 hectares plantados. De 1 tonelada de grãos colhidos por dia, entre abril e setembro, só 20 kg são catados do chão, depois de defecados pelos jacus.

"Por ser uma área de agrofloresta, não tenho aves em cativeiro. Elas vivem soltas e não tenho o menor controle sobre o que comem", explica.

Conquistar altas pontuações e prêmios em competições também é garantia de inflacionar o preço do café nos leilões internacionais.

Nas 11 edições anuais do Cup of Excellence, promovido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), o recorde histórico é de Gabriel Nunes, da Nunes Coffee. Em 2017, ele vendeu seis sacas de Bourbon Amarelo duplamente fermentado a US$ 19.500 cada, o equivalente a pouco mais de R$ 100 mil por saca, pelo câmbio atual.

Ninguém conseguiu provar a iguaria no Brasil, já que as seis sacas foram arrematadas por compradores do Japão e da Austrália –outra realidade que, aos poucos, começa a mudar. Há cada vez mais produtores brasileiros dispostos a reservar uma fatia de seus lotes premiados para o mercado local.

Para Gelma Franco, frequentadora de leilões desde que inaugurou a cafeteria Il Barista, em 2003, a principal transformação aconteceu na ponta da cadeia, ou seja, no comportamento do brasileiro, que aprendeu a apreciar e valorizar cafés especiais.

"Antigamente, quando eu me interessava por algum café premiado e me dispunha a comprá-lo, ninguém entendia. Os próprios produtores argumentavam que não havia mercado no Brasil, que eu não conseguiria vender para ninguém", lembra.

Hoje, o cenário é outro —o mercado nacional não só se estabeleceu como tende a crescer. Essa é a aposta do proprietário da Pato Rei, que estreou no universo dos leilões internacionais em outubro de 2021.

Café Daterra servido na Pato Rei. - Divulgação

Tiago de Mello desembolsou R$ 30 mil, impostos e frete incluídos, por uma única saca de grãos da fazenda Daterra, cultivados em Patrocínio (MG). O blend das variedades Aramosa e Laurina faz parte da linha Masterpieces, que engloba apenas os lotes experimentais mais bem pontuados da Daterra.

Em janeiro de 2022, quando o café chegou à cafeteria, pacotes de 100 gramas foram postos à venda por R$ 160. Mello também criou duas experiências para quem quisesse fazer a degustação lá mesmo: uma a R$ 32 e outra a R$ 48.

"Congelei uma parte do lote em embalagens a vácuo, achando que, por ser tão caro para nós e para o público, esse café duraria uns cinco anos na loja. Mas já está acabando. Acho que as cafeterias brasileiras podem mesmo ousar mais", comemora.

Ousar, no caso, significa competir com concorrentes graúdos com alto poder de fogo. Para se ter uma ideia, a Harrods, magazine de luxo na capital inglesa, vende o pacote de 250 gramas do Jacu Bird por 350 libras esterlinas, o equivalente a R$ 2.100 reais.

"Lá fora, é um produto para quem come trufas e bebe Romanée-Conti", compara o produtor, que destina 80% de sua produção à exportação.

Fundador da exportadora Latitudes Coffees, Edgard Bressani confirma a vocação do café para o mercado internacional de luxo. "A Dior tem um projeto para comercializar cafés dentro das lojas e há cafeterias em Paris cobrando 15 euros por uma xícara de espresso ou coado", exemplifica.

Já no Brasil, a configuração do mercado é outra. Os cafés premiados não custam tanto e ainda não viraram itens de grife, mas têm preços altos demais para frequentar as gôndolas dos supermercados. O jeito de adquiri-los é frequentar empórios sofisticados, lojas online especializadas ou fazer contato direto com os produtores.

Família Minamihara, cafeicultores de Franca (SP) - Igor do Vale

Cafeicultores de Franca (SP), a família Minamihara inaugura esta semana uma cafeteria na própria fazenda. A marca, famosa entre os coffee geeks por fornecer cafés para Naruhito, imperador do Japão, vai receber os visitantes com passeios pela lavoura e degustações de microlotes raros, que passam dos 90 pontos.

"Trazer as pessoas à fazenda é o que faz a diferença. Quando recebo compradores estrangeiros, consigo vender o café a preço de leilão", atesta o descendente de japoneses Anderson Minamihara, quarta geração à frente da propriedade, que destina 3% da safra às vendas diretas ao consumidor.

Os próximos meses prometem –esta é justamente a época do ano em que os coffee geeks direcionam suas antenas para as principais regiões produtoras do país. As fazendas, que terminaram ou estão finalizando suas colheitas, já estão separando seus melhores lotes para os concursos.

De acordo com Vinicius Estrela, presidente da BSCA, a expectativa é que 800 amostras sejam submetidas aos juízes da Cup of Excellence –em 2021, foram 600. A cotação inicial para os campeões, nos leilões deste ano, será de R$ 3.760 por saca. Mas o céu é o limite. Ano passado, por exemplo, teve saca sendo arrematada por R$ 50 mil.

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