Fãs desafiam a chuva no 'Rock in Rio do torresmo', em Santos

Festival de carne de porco no litoral paulista tem filas de quase uma hora para pegar comida

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Santos

Desci a serra com a promessa de encontrar, em Santos (SP), o maior festival de torresmo do Brasil —como se houvesse muitos festivais de torresmo por aí. Ops, e não é que tem um monte deles mesmo? Não encontrei estatísticas oficiais do IBGE, então apelei para o Instagram.

Dos 14 perfis intitulados "Festival do (ou de) Torresmo", o @festivaldotorresmooriginal, esse a que eu me dirigia, é o com mais seguidores: 247 mil almas. Então talvez seja mesmo o maior do Brasil, o Rock in Rio do torresmo.

Torresmo do espaço do chef Adan Garcia, no Festival do Torresmo de Santos - Bruno Santos/Folhapress

A Folha escalou para a pauta o Bruno —ótimo fotógrafo e gente boníssima, porém vegetariano—, então eu precisaria recrutar o motorista Cássio para me ajudar a dar conta de um volume anormal de carne suína. A expectativa dos organizadores do festival, que vai até as 22h de domingo (4) nos Arcos do Valongo (zona portuária), era vender 10 toneladas de porco nos quatro dias de evento.

O tempo estava nublado na manhã de sábado (3) em São Paulo, e bem pior na baixada lá pela hora do almoço, quando chegamos. Garoa, vento, frio. O festival acontece num espaço murado, mas quase todo sem telhado.

Surpreendentemente, as massas santistas não se intimidaram com a água e fincaram pé no chão molhado para garantir seu quinhão de torresmo. Os Arcos do Valongo estavam lotados de gente com capa, com guarda-chuva, de moletom de capuz, e um ou outro otário feito eu, de bermuda e camiseta.

Foram 50 minutos de fila até Marcos Nogueira conseguir comprar seu torresmo. - Bruno Santos/Folhapress

As filas eram grandes. Algumas delas, enormes. Resolvi encarar a mãe de todas elas, na barraca do Leitão de Gravata —marca do chef de cozinha Adan Garcia, garoto-propaganda do Festival do Torresmo. Além de torresmo, tinha o porco à paraguaia: o bichão quase inteiro, espalmado numa grelha dupla, dessas que fecham, como as de assar peixe, só que gigantesca.

Bem à nossa frente na fila, Angela Oliveira, 62, improvisou uma touca com uma sacola de supermercado para não encharcar o cabelo nos 52 minutos cronometrados que passamos em pé, na garoa que virou chuva, até receber a comida em marmitas de isopor.

É tempo mais que suficiente para falar das demais atrações do festival. Ninguém é doido de fazer um festival de quatro dias só com torresmo. Como em todos os eventos do gênero, havia hambúrguer e cerveja artesanal –boa desculpa para levar para passear o copo Stanley que comprei para testar para a Folha.

Atrações musicais tocariam o dia todo. Só tivemos tempo de ouvir a primeira banda, uns rapazes que faziam versões metaleiras de sucessos do rock nacional dos anos 1980. "Uma Noite e Meia", de Marina Lima, com um solo de guitarra endiabrado.

Mais comida: batata frita com coisas em cima, doces mineiros, sanduíches de salsicha alemã, costelas em espetos giratórios mesmerizantes e um curiosíssimo sorvete servido na casquinha de churro. Resolvi bancar o engraçadão e comecei o almoço com um espetinho de linguiça de jacaré (R$ 18). Não recomendo.

Poderia ser tilápia, poderia ser frango, poderia ser qualquer coisa lá dentro. O torresmo estava em várias barracas, como protagonista ou coadjuvante. Do esquecimento, ao lado do ovo colorido, nas estufas dos botecos mais vis –gorduroso, murcho, feio e até peludo–, ele alçou o status de popstar da gastronomia informal.

Chefs de renome, como Rodrigo Oliveira, do Mocotó, ajudaram a reabilitar o torresmo. O festival que faz um bando de gente sair na chuva em Santos se repete a cada fim de semana em uma cidade diferente. Ou mais de uma.

De 8 a 11 de setembro, ocorre simultaneamente em São José do Rio Preto (SP) e Volta Redonda (RJ); na semana seguinte, em Itaboraí (RJ), Franca (SP) e Mogi das Cruzes (SP).

O torresmo, afora ser mesmo uma coisa muito gostosa, surfa num hype suíno que só existe porque o preço carne bovina ficou insano. Na loja online da marca Swift, o quilo da picanha bovina custa entre R$ 69,96 e R$ 369,97; a picanha de porco vai de R$ 24,96 a R$ 29,96.

E torresmo não é um monólito, tem seus estilos e vertentes. "Dá para dividir os torresmos em carnudos e crocantes", ensina o chef Marcelo Corrêa Bastos, do restaurante Jiquitaia, um dos grandes nomes do torresmo nacional.

"Os carnudos, como o nome diz, vêm com um naco de carne tenra." Nos crocantes, mais comuns, a carne vem mais seca e a sensação na mordida é o grande lance. Ainda há o torresmo só de pele, geralmente chamado de pururuca.

É tudo barriga de porco, com mais ou com menos gordura. Mas dá para fazer torresmo de outros bichos. Já comi torresmo de pele de bacalhau num bar do Rio e, no festival em Santos, provei torresmo de pele de frango (R$ 25). Ambos tinham gosto de óleo.

Fazer uma boa fritura não é tão simples assim. Mauro Ferrari, do restaurante Cozinha dos Ferrari, é outro torresmista graduado. "Eu tempero com sal e pimenta e levo à geladeira para secar um pouco", conta. "Depois ele assa em baixa temperatura e vai para a fritadeira antes de servir."

Pururuca no espaço do chef Adan Garcia. - Bruno Santos/Folhapress

Passados 52 minutos na chuva, peguei o almoço que dividiria com o motora Cássio: feijão tropeiro com porco assado (R$ 60), meia porção de torresmo carnudo (R$ 28) e uma porção de pururuca (R$ 25).

Fomos para a parte coberta do festival, mas todas as mesas estavam ocupadas. Comemos em pé, com garfos plásticos, molhados que nem elefantes-marinhos. O torresmo estava ok, não muito crocante. A pururuca, bem boa, sequinha.

O feijão tropeiro era a melhor comida de todas, úmido, bem temperado, com nacos suculentos de porco. Só não posso dizer que o programa, numa avaliação geral, tenha sido melhor do que ficar seco e quente no meu sofá.

Os santistas, quiçá descendentes de golfinhos, não pareciam se aborrecer com a chuva. Domingão vai ser mais um dia de torresmo molhado e filas!

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