Descrição de chapéu Festival Fartura

De sabor em sabor, fundador do Festival Fartura quer conectar o país

Rodrigo Ferraz, 55, acumula milhares de quilômetros de andanças atrás de pratos que vão parar nos eventos

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São Paulo

Do tabelião tocado pelo pai, Amadeu Ferraz, em Belo Horizonte, vieram o foco, a disciplina e um bocadinho de burocracia. Já quem lhe emprestou a sensibilidade para desbravar tons, cores e sabores do Brasil foi a mãe, Ângela Ferraz, marchande apaixonada pelas artes.

Os pais já partiram, mas deixaram no filho, Rodrigo Ferraz, 55, essa característica, uma mescla de empreendedorismo com descobertas. O resultado é uma obra ainda em construção a respeito da cultura gastronômica brasileira.

Homem de blusa cinza e cabelos brancos senta no chão de uma alameda arborizada com as pernas dobradas; suas mãos estão apoiadas em suas pernas
Rodrigo Ferraz, fundador do Fartura, no Jockey Club de São Paulo  - Adriano Vizoni/Folhapress

Ela nasceu com o projeto Expedição Fartura Gastronomia, embrião do Festival Fartura, que chega nos próximos dias 19 e 20 ao Jockey Club de São Paulo, antecedido por um jantar, no dia 18.

Tiradentes, Belo Horizonte, e outras duas cidades mineiras, Serro e Conceição de Mato Dentro, além de Porto Alegre, Fortaleza, Lisboa, Brasília, Belém e Florianópolis já foram palco do Fartura.

Ao todo, cerca de 5.000 chefs participaram dos eventos. Ao menos 2 milhões de pratos foram vendidos. Neste ano, o festival deve receber ao menos 1 milhão de visitantes em suas sete edições.

"Aqui em São Paulo será o único Fartura que a gente vai trazer chefs de todo o Brasil."

"Serão cerca de 40. Um chef indica outro. Um produtor indica outro produtor, o chef indica outro produtor. Vira uma comunidade", explica. "E a comunidade deu origem a uma plataforma gigantesca sobre comida brasileira, um trabalho amplo de pesquisa que culmina no evento", completa.

Uma das questões mais importantes do Fartura é que ele navega na busca da cultura gastronômica ao levantar, com as expedições, as matrizes culturais presentes nos locais por onde vai, a essência do que gera a tradição cultural. Da mesma forma, também busca mostrar o que está no topo do ponto de vista gastronômico. É um festival que navega em todas as águas. Tem uma visão para os diversos aspectos, momentos e essências da cozinha

Márcia Nunes

chef do restaurante Dona Lucinha, de Belo Horizonte

Esse acervo é fruto de suas andanças, que ultrapassam 90 mil quilômetros, por todos os estados e o DF.
O resultado é compartilhado em site, redes sociais, vídeos, livros, TV e rádio.

Ferraz conheceu ao menos 630 produtores e cozinheiros. No Lajeado do Pai Mateus, em Cabaceiras, na Paraíba, por exemplo, descobriu o bode no buraco. Em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, no Acre, sua jornada registrou produtores em torno da farinha de mandioca considerada uma das melhores do Brasil, ingrediente da farofa de castanhas com banana que consta dessas descobertas.

E pensar que foi num fim de tarde, com a passarinhada voando de galho em galho, pertinho do centro histórico de Tiradentes, que tudo começou, lá pelos anos 2008, como bem lembra Ferraz.

O empresário ajudava no Festival de Gastronomia de Tiradentes, quando botou reparo numa bicicleta, de cor laranja, com cestinha à frente, aproximando-se em sua direção. O entregador trazia, empilhados, uns 15 queijos para uma típica mercearia mineira, daquelas pequeninas, mas onde se encontra de tudo.


Mal o rapaz entrou para descarregar a encomenda, uma moça saiu com dois queijos. Era uma cena comum, só que despertou a atenção do empresário. "Pensei. Uai, isso é uma cadeia produtiva."

Ferraz foi dono de transportadora. Teve dez bares e restaurantes e uma boate na capital Belo Horizonte.

"Graças a Deus, vendi tudo", diverte-se ele, que já foi conhecido como "o rei da noite mineira". Mantém somente a Albanos, que nasceu como choperia, em homenagem a um dos fundadores da famosa choperia Pinguim, de Ribeirão Preto, e hoje trabalha com uma linha de cervejas artesanais.

Otrabalho de Rodrigo não é apenas importante por divulgar a culinária nacional aqui e lá fora, mas também por ser um grande impulsionador da possibilidade de encontros das pontas, que vão do cozinheiro ao produtor. São nesses momentos que nós, cozinheiros, que buscamos essas peculiaridades e verdades incessantemente, conseguimos ter acesso a elas e ainda estreitamos essas relações

Fábio Vieira

chef do restaurante Santo Grão, de São Paulo

Como empresário da noite, acabou criando uma produtora de eventos. Com ela, em agosto de 2008, foi tentar dar uma mexida no Festival Gastronômico de Tiradentes.

"Foi observando o festival que enxerguei a cadeia produtiva da gastronomia como um todo. Eu me dei conta que a gastronomia, além de valor cultural, tem valor social e econômico, o que mexe com a vida de muita gente."

Assim, em 2012, nascia o Fartura, com a missão de contar histórias, descobrir novos ingredientes e, sobretudo, conectar esse universo culinário continental que é o Brasil.

Formado em administração e direito, com especialização em administração financeira, encomendou um estudo que comprovava a importância econômica da cadeia produtiva gastronômica. Daí, juntou umas economias e colocou a expedição na estrada.


O que ele e a equipe pesquisam sobre receitas, ingredientes e modos de preparo acabava indo parar nos dos festivais.

"Em Mato Grosso, encontrava o cara de jacaré. De lá, trazia o produtor e o cozinheiro de jacaré. Visitava o Ceará. Conhecia o produtor da lagosta e trazia o produtor e o cozinheiro de lagosta para o festival em Tiradentes", lembra.

O nome Fartura vem da abundância de alimentos encontrados num país de proporções continentais como o nosso. "Dentro dessa diversidade, não temos clima de deserto, temos clima árido, catinga, mas não tem deserto nem gelo. Então Fartura simboliza essa riqueza do país."

Quando se fala sobre a diversidade de alimentos, nenhum lugar se compara, é claro, a São Paulo. "Aqui é possível encontrar ingredientes de todas as partes do país." As cozinhas de Minas e da Bahia despertam nele um carinho especial. "Elas conseguem unir riqueza gastronômica ao gesto de receber bem."

O que é abordado nos encontros do Fartura não é só a questão da gastronomia, mas da cultura. É uma forma de entender um Brasil mais profundo que revela saberes, ingredientes e maneirismos. O evento também é uma forma de melhorar a autoestima das pessoas, tanto de quem vai ao evento, como público, quanto de produtores, que estão escondidos nesse Brasil tão profundo e que têm a possibilidade de revelar o seu produto, a sua forma de fazer e até comercializar

Mara Salles

chef do restaurante Tordesilhas, de São Paulo

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