Descrição de chapéu
Gero Fasano

Lista 50 Best é a mais patética porque pretende algo impossível

Não somos corredores de Fórmula 1, somos todos colegas de uma profissão tão árdua e tão difícil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gero Fasano

Empresário, é sócio do grupo Fasano

Nesta época do ano as inúmeras listas com os melhores restaurantes começam a publicar os seus resultados, cada uma baseada em um critério e a maioria desconhecido.

Nesta mesma época alguns editores de jornais, talvez tão confusos quanto eu, me pedem gentilmente para que eu escreva um artigo na tentativa de explicar algo.

.
Interior da unidade de Nova York do restaurante Fasano, inaugurado em fevereiro de 2022 - Divulgação

Ocorre que é impossível, como já disse no passado. Os critérios ou são pessoais, ou são votações pela internet, onde vários restaurantes fazem campanhas na intenção de ter um resultado melhor. Campanhas como: "Não esqueça de votar em nós. Para nós é muito importante".

Vamos começar pela mais importante, porém a mais ridícula, a mais patética, que é aquela que pretende eleger o melhor restaurante do mundo, a tal 50 Best, como se isso fosse possível.

Parece que hoje está até um pouco mais séria do que já foi no passado, quando assessorias de imprensa mandavam propostas de trabalho no sentido de "ajuda" para entrar na lista. Incluíam, além do preço, passagens aéreas para jornalistas, estadias, jantares etc.

Cheguei a receber gratuitamente em meu hotel jornalistas ingleses que eram importantes na votação, tudo a pedido de um amigo chef de cozinha no Brasil, que depois os levaria para a Amazônia. Ao voltarem, dormiram mais uma noite no Fasano. Ao jantarem aqui um ossobuco, um deles, com o melhor humor inglês, disse: "Thank God, real food again!".

Esta lista é composta por chefs que em sua maioria se conhecem, se frequentam, se conversam. Um vota no outro, e todos têm que ter uma certa filosofia em comum.

Cozinha clássica não lhes interessa, tem que ser invenção. Mesmo que esdrúxula.

E, normalmente, você tem que ter em seu corpo dizeres importantes, filosóficos: "Cozinha é arte e arte é cultura". Não obstante, esqueceram que cozinha sempre foi cultura, muito antes de ser considerada arte.

Me digam como é possível comparar um restaurante que cozinha com nitrogênio líquido com um de cozinha clássica. Os dois podem até ser muito bons —apesar de que tenho certa desconfiança do uso do nitrogênio líquido tão em moda, pois, na minha infância, era usado para tirar verrugas. Fará bem ao seu estômago?


Gênios como o Ferran Adrià são muito poucos, a maioria é cópia vulgar. Ninguém como ele inventou uma colher cheia de furinhos para comer corn flakes. Basta um gol de placa na vida para fazer parte da história.

Acho ainda muito estranho que pouquíssimos destes restaurantes hoje saiam da Itália ou da França, e, sim, do Peru, da Colômbia, da Coreia...

Só tem uma coisa mais patética que a "lista" —mesmo que o Fasano tenha entrado em uma delas este ano—, que é a crítica que se refere a ela como o Oscar da Gastronomia. Mas, como assim? Vários anos e o mesmo filme? Coppola, Marlon Brando, Al Pacino, De Niro estariam ganhando desde 1971 com o primeiro da trilogia mais espetacular do cinema até hoje, "O Poderoso Chefão".

Recentemente, a ótima revista francesa Bon Appétit fez uma matéria cujo título era: "Precisamos Parar de Levar Esta Lista a Sério".

Vários outros guias seguiram o mesmo caminho e fazem regionalmente uma eleição, o melhor de São Paulo, o melhor do Rio etc. São tantas as premiações que quase todos os estabelecimentos de São Paulo colocam em suas fachadas "O Melhor de São Paulo". Aí, citam em pequenas letras a fonte.

Outro dia, andando de bicicleta por São Paulo, passei na frente de vários melhores pastéis, melhores coxinhas, melhor pizza, melhor quibe, melhor esfiha, melhor pão de queijo.

Quase que como na publicidade, com seus inúmeros prêmios, leões de ouro, prata, cobre, platina, ferro, para quase todos os participantes. Ninguém vai a Cannes e volta com a mão vazia.

É verdade, alguns sequer vão. Mas o que mais me incomoda é o conceito de "o melhor de". São lugares tão distintos entre si que a única maneira de julgá-los é colocar pontuação, garfos, estrelas e, sobretudo, a publicação tem que ser soberana.

Não dá para fazer aquela cerimônia de premiação que cria expectativa, tal qual um reality show onde o vencedor é anunciado na hora, entre três finalistas, que ficam se olhando com ódio durante "a festa", e que deixam muito mais gente frustrada do que feliz.

Posso dizer isto com tranquilidade e sinceridade, pois já ganhei vários destes prêmios, inúmeros, e sempre me foi constrangedor olhar depois para os outros. Não somos corredores de Fórmula 1, somos todos colegas de uma profissão tão árdua e tão difícil.

Abrimos há quase um ano o restaurante em Nova York, onde nunca vi isso acontecer. Assim como também não dão a menor pelota para a lista inglesa do The Restaurant. Nobody cares!

A grande alegria de estar em Nova York é ter a certeza de que seu restaurante pode ser frequentado por quase todo mundo. O porteiro do prédio. Um italiano onde alugo um apartamento, e que por lá esteve com sua esposa outro dia, me encheu de alegria.

Como devem saber, sou um restaurateur e não um chef, uma profissão em extinção. Somente os restaurantes de chef sobreviverão no futuro, e a crítica especializada não tem ajudado em nada —pelo contrário, não valoriza quem pensa no restaurante como um todo.

Tentam acabar com ela ao não explicarem, por exemplo, como li outro dia, que arroz com banana, bife, ovo frito e farofa não é risoto. Isso é um desserviço. Assim como ninguém explica que qualquer coisa com óleo al tartufo é falso, químico e nada tem a ver com a verdadeira trufa fresca. Duvido que faça bem à sua saúde, mas proliferam como pragas até nos japoneses em São Paulo. Um horror! Assim como vemos ultimamente risotos que são terminados com creme de leite. Tadinha da minha nonna!

Na minha opinião, esta deveria ser uma das funções da crítica. Por isso talvez estejam perdendo tanto terreno para as mídias sociais. Nem tudo é tão bom como dizem e, por várias e várias vezes, o melhor do ano sequer chega até o final do próximo ano.

Bato há vários anos nesta tecla, mas devo dizer que a maneira com que tento colaborar é com minha função de restaurateur, cujo grande prazer é agradar aos outros com uma grande noite ou um agradável almoço. Não quero aplausos, não sou genial em praticamente nada, posso ter algum talento mas, com certeza, o maior deles é o excesso de trabalho.

Parem também de levar a sério quem é o "melhor de". Pontuação é o único jeito, e ainda melhor, como fazia os Zagats, melhor guia que já existiu, dando pontuação não apenas para a cozinha mas para o serviço, para o ambiente e, obviamente, para o preço. Estes são os itens que fazem de fato um restaurante ser bom, e isto é, na minha opinião, o que um guia deveria fazer ao tentar explicar uma cidade. Pode-se sempre discordar dele ou não.

Eu, por exemplo, gostaria de ser julgado apenas por críticos italianos, mas sei que isto é impossível. Tal como acho ser impossível também que um único crítico disserte sobre cozinhas francesas, italianas, japonesas, peruanas, brasileiras e etc. Façam como nos Zagats, deem ponto para a cozinha, para o serviço, a arquitetura (o ambiente) e, obviamente, o quanto isto custa.

Não me tornem um dinossauro. Não quero estar em extinção. Jajá sobrarão apenas os restaurantes dos chefs e, talvez, se coma pior, mas a crítica parece estar mais interessada em criar "novidades", mesmo que elas durem pouco. Ficar velho é fácil e todos ficaremos, mas virar clássico, como nós, é muito difícil. Acreditem!

Em metrópoles repletas de oriundos, a cozinha de sua origem tem que ter a mesma importância que uma cozinha brasileira no Brasil, o ceviche no Peru. Ou, então, façam uma fusion cuisine que confundirá a todos colocando shoyu no espaguete.

   

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.