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Gastronomia vira ferramenta de transformação social na periferia de São Paulo

Combate à pobreza e promoção do acesso à educação e ao trabalho digno são ponto de partida para iniciativas

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Campinas

A afetividade despertada pela comida vai além do aroma e do sabor do alimento e passa pelas mãos que conduzem os preparos.

A partir desse entendimento, o professor de gastronomia da FMU (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas) Deumas de Oliveira estruturou as aulas do curso de formação em cozinha que ministrou para pessoas em situação de vulnerabilidade social em São Paulo.

Além das técnicas de lavagem, manuseio e armazenamento de insumos e do preparo de pratos frios e quentes, o professor se empenhou em gerar transformação.

Imagem mostra seis dos 17 formandos do curso de cozinha oferecido pela FMU em parceria com a Ondina Alimentos e a ONG Gerando Falcões, lado a lado, e seu professor, sentado em uma cadeira à frente
Na foto, (esq/dir) os alunos Pamela Cristina, Eliane Cristina Rodrigues da Silva, Priscila Monique de Carvalho, Levi Anjos Dutra, Thais da Costa dos Anjos, Osmar Bispo da Silva e prof. Deumas de Oliveira à frente - Keiny Andrade/Folhapress

"A gastronomia é só uma forma de a gente se encontrar, mas nunca é só sobre gastronomia. Tento fazer um esforço racional para que aconteça uma virada de chave na vida deles", afirma ele.

A iniciativa foi um trabalho conjunto entre a faculdade, a ONG Gerando Falcões e a cozinha industrial Ondina Alimentação. Eles tiveram como base os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, que incluem a erradicação da pobreza e o acesso à educação e ao trabalho digno.

Além dos dois meses de curso gratuito, os alunos tiveram acesso ao material para as aulas, almoço e vale-transporte para se deslocarem até a unidade da FMU na Liberdade (região central de São Paulo).

Para os estudantes, os benefícios foram essenciais, já que alguns moram em centros de acolhimento, ocupações ou na periferia.

Após a formatura, que aconteceu em 31 de outubro, 2 dos 17 formandos foram contratados como auxiliares de cozinha pela pela Ondina Alimentação, no regime CLT. De acordo com a coordenadora do curso, Sandra Cristina Borges Monici, outros 12 serão chamados pela empresa em janeiro de 2023.

Com todos igualmente capacitados, o critério de escolha foi a proximidade da moradia do profissional com a unidade onde o trabalho será realizado.

O formando Levi Anjos Dutra com Arlete dos Anjos Silva, sua mãe (esq.), e Edlene Celiny, namorada (dir.), durante a formatura
O formando Levi Anjos Dutra com Arlete dos Anjos Silva, sua mãe (esq.), e Edlene Celiny, namorada (dir.), durante a formatura, que aconteceu em 31 de outubro de 2022 - Keiny Andrade/Folhapress

Um dos que vão começar no ano que vem é Levi Anjos Dutra, 20, homem transexual. Ao cozinhar em casa para a família durante a pandemia de Covid-19, ele reencontrou o menino que brincava de cozinha durante a infância.

"Todo mundo dizia que eu levava jeito, que eu cozinhava bem, e aí comecei a buscar me aperfeiçoar. Hoje, a gastronomia é meu sonho", conta.

Antes do curso de auxiliar de cozinha, ele se certificou em panificação na Associação Beneficente Vivenda da Criança. Agora, a meta é começar a trabalhar para pagar a faculdade de gastronomia e abrir seu próprio negócio.

Mãe solo, Priscila Monique de Carvalho, 39, viu na iniciativa uma oportunidade de sair da informalidade. Ela prepara refeições em uma casa de repouso, cobrindo folgas, mas o salário não é suficiente para o sustento da família, formada por ela e três filhos.

Com o estímulo para estudar e a perspectiva de conseguir um emprego, ela teve uma melhora do quadro de depressão que vivia há anos. A dois meses de ter a carteira assinada, ela conta que o próximo passo será ajudar a filha a realizar o sonho de se formar em psicologia.

Priscila Monique de Carvalho, formanda do curso de formação em comida para pessoas em situação de vulnerabilidade em SP
Priscila Monique de Carvalho, formanda do curso de formação em comida para pessoas em situação de vulnerabilidade em SP - Keiny Andrade/Folhapress

Diretora de marketing e sustentabilidade da Ondina, Leonor Nabais da Furrela D’Andrea conta que as contratações também trazem benefícios para a empresa.

"Nas reuniões internas de diretoria, nós identificamos essa carência de mão de obra. Percebemos que tinha uma evasão muito grande das pessoas, principalmente na base, porque talvez elas não consigam enxergar que existe uma carreira dentro da cozinha", diz.

Outra meta da iniciativa é promover a gastronomia sustentável, relacionada à diminuição dos impactos causados pelo consumo alimentar.

Na opinião do vice-presidente acadêmico da FMU, Manuel Nabais da Furriela, a formação complementa o papel social da faculdade.

"Entendemos que o nosso curso de gastronomia, tão tradicional, tem que dar uma colaboração para a sociedade. Então a gente faz uma ponte entre a necessidade do mercado e a dessas pessoas de terem formação", afirma. Segundo ele, uma nova turma deve ser aberta em março de 2023.

Outro trabalho social feito pelo professor Deumas é o curso de pães e pizzas, ministrado no Centro de Acolhida Campo Limpo (zona sul da capital paulista).

Vinculado ao Centro de Referência de Assistência Social, o espaço atende diariamente 200 homens em situação de rua. Até agora foram 12 formados, 7 dos quais já estão trabalhando.

O Instituto Capim Santo, iniciativa criada por Morena Leite, chef do restaurante homônimo, mas uma entidade independente, também vê a gastronomia como ferramenta de transformação social.

Neste ano, 250 pessoas concluíram a formação gratuita em gastronomia social e sustentável da entidade no projeto Cozinha do Amanhã.

As ações realizadas nas cinco unidades do instituto, localizadas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, são mantidas por meio de patrocínios e doações.

Em 2023, apenas na cidade de São Paulo, o instituto pretende formar 5.000 pessoas, atuando em parceria com os CEUs (Centros Educacionais Unificados), órgãos administrados pela prefeitura.

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