Descrição de chapéu aniversário de São Paulo

Saiba por que a pizza, o sushi e o carbonara de São Paulo não são como os originais

Falta de ingredientes ajuda a explicar o processo de adaptação de receitas que se tornaram a cara da cidade

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São Paulo

Com seus 25.138 estabelecimentos voltados à alimentação, São Paulo tem razão para se considerar a capital gastronômica do país. Nenhuma outra cidade brasileira reúne cozinhas de tantos estados e países —passam de 50 diferentes, pela estimativa do Observatório da Gastronomia da Prefeitura de São Paulo.

Tamanha diversidade é fruto da salada de povos que a cidade atraiu ao longo de 469 anos, celebrados nesta quarta, dia 25. Aprendemos a comer polenta com italianos do norte, esfiha com sírios e libaneses e sushi com japoneses.

Sushi de salmão do restaurante Oguru no Itaim, que, como em muitos lugares, é mergulhado no potinho de shoyu pelos clientes
Sushi de salmão do restaurante Oguru no Itaim, que, como em muitos lugares, é mergulhado no potinho de shoyu pelos clientes - Bruno Santos/Folhapress

Agora, experimente sentar à mesa de um restaurante em Nápoles e pedir pizza de frango com Catupiry. Quem sabe um hot roll banhado em molho teriyaki em solo japonês?

É fato que o fenômeno da apropriação se repete em outras cidades, mas em São Paulo, que se vende como meca da gastronomia mundial, tudo ganha contornos particulares. É fruto de um processo de adaptação que teve início com os imigrantes, afirma o sushiman Jun Sakamoto.

"A maioria dos sushimen de São Paulo aprendeu com o ajudante do ajudante do imigrante, que também não era sushiman, mas um agricultor que passou a cozinhar por necessidade", argumenta.

O resultado, emenda Sakamoto, é um cardápio que passa longe da cozinha japonesa autêntica. "Sushi frito ou com cream cheese é como usar um kimono na festa à fantasia. Você parece japonês, mas não é."

O mesmo vale para o hábito de afundar sushis e sashimis no pratinho de shoyu —pela potência, diz Sakamoto, o molho de soja impede que se sinta o real sabor do peixe. "No Japão, os pratos têm sabores sutis e equilibrados, enquanto o brasileiro, em especial o paulistano, prefere que tudo seja muito doce ou salgado."

Sócio da rede Oguru, com três restaurantes que operam em sistema de rodízio, Gabriel Fullen nem discute —sabe que precisa deixar uma quantidade farta de shoyu nas mesas. Por mês, o consumo das três casas passa de 1.100 litros.

Entre os pratos, diz Fullen, nada se compara à demanda por salmão: o peixe está presente em metade dos pedidos. "Acabei de voltar do Japão e vi restaurantes oferecendo salmão como opção, mas quem pede é turista", diz Sakamoto.

Processo parecido se deu com a cozinha italiana. Décadas de adaptações e improvisos resultaram em um receituário próprio da cidade.

Autora de "Sabores e Memórias: Cozinha Italiana e Construção Identitária em São Paulo", tese de doutorado em antropologia social pela USP, Janine Collaço conta que os italianos se admiraram ao constatar que, na cidade, quase não se consumiam verduras e legumes. Não por acaso, massas secas, molho de tomate e pão se tornaram a base da alimentação dos imigrantes.

O preparo de receitas simples também esbarrou, por anos a fio, na dificuldade de acesso a produtos importados, o que explica adaptações que se consolidaram por aqui. É o caso do fettuccine alfredo, cuja receita original romana leva massa, queijo parmigiano reggiano, manteiga e só.

"O parmigiano de verdade derrete fácil, mas quem usa um queijo alternativo precisa recorrer a outra gordura. A solução que encontraram foi adicionar creme de leite", explica o chef italiano Marco Renzetti, da Fame Osteria.

O item também foi parar na panela do espaguete à carbonara paulistano, para desgosto dos italianos. Mas por outra razão, diz o chef. "Nós gostamos de preparos mornos e alguns molhos não podem ser muito aquecidos. O carbonara deve sair da cozinha a 60ºC, senão o ovo coagula. Mas o paulistano não gosta de comida morna. Para driblar o problema, restaurantes introduziram o creme de leite."

Na cozinha do Métzi, os chefs Eduardo Ortiz e Luana Sabino, ele mexicano e ela brasileira, têm trabalho com pimentas e coentro. São ingredientes praticamente obrigatórios em parte dos pratos da autêntica culinária do México, para os quais o paulistano historicamente torce o nariz.

"Acho que as pessoas daqui não crescem comendo isso. No meu país, usamos coentro em muitas preparações, crescemos com esse sabor", afirma o chef, que tenta vencer a resistência na base do jeitinho.

A percepção tem respaldo científico. Segundo a franco-brasileira Sophie Deram, PhD em nutrição, o paladar é um combinado de fatores genéticos e culturais. Parte do que gostamos é geneticamente determinado, mas hábitos podem reforçar ou transformar essa programação.

"Estudos mostram que, às vezes, é preciso apresentar um sabor até 15 vezes para que a criança comece a aceitá-lo", diz. O coentro, porém, merece ser tratado de forma diferente. "Já se comprovou que algumas pessoas sentem gosto de sabonete no coentro. É importante respeitar."

Mas o chef paraibano Onildo Rocha, do Notiê Priceless, em São Paulo, suspeita que o paulistano tem, sim, certa má vontade com o coentro, ingrediente que não fica de fora de seus menus. Com tato, descobriu que o item passa, nem que seja com outro nome.

"Faço um camarão servido com espuma de chicória-do-pará, que não passa de um coentrão. Os paulistanos comem e acham uma delícia", diz. E nem é preciso insistir.

ONDE PROVAR RECEITAS À MODA ORIGINAL

JAPONESA

Aizomê
Al. Maestro Cardim, 39, Jardim Paulista; aizome.com.br

Jun Sakamoto
R. Lisboa, 55, Cerqueira César; @restaurante_junsakamoto

Izakaya Issa

MEXICANA

Métzi
R. João Moura, 861, Pinheiros; @metzirestaurant

Izakaya Issa
Rua Barão de Iguape, 89, Liberdade; @izakayaissa

ITALIANA

Supra di Mauro Maia
R. Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 681, Itaim Bibi; @supradimauromaia

Eataly
Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1.489, Vila Nova Conceição, @eatalybr

Nino Cucina
R. Jerônimo da Veiga, 30, Itaim Bibi, @nunocucina

PIZZARIAS

Leggera Pizza Napoletana
R. Diana, 80, Perdizes; @leggerapizzanapoletana

Napoli Centrale
Pça. Sir Willian Crookes, 18, Cidade Monções, @napolicentralepizza

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