Chefs saem da cozinha e migram para o laboratório para renovar a gastronomia

Endereços paulistanos seguem tendência mundial de conduzir expedições e se aliar até a cientistas

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Como forma de oferecer algo inédito e atrair clientes, restaurantes estão investindo em laboratórios gastronômicos, expedições territoriais e parcerias com cientistas. Para muitos, as iniciativas também são uma maneira de determinar a direção da cozinha e trabalhar a imagem em tempos de prêmios globais.

O chef Ivan Ralston e sua mulher, a pesquisadora Katherina Cordás, começaram uma empreitada em 2022 com o objetivo de visitar produtores pelo Brasil.

Potinhos transparentes com ingredientes desidratados são vistos um do lado do outro no restaurante Mocotó
Pimenta-dedo-de-moça e de cheiro, cebola e alho desidratados na cozinha de pesquisa e inovação do restaurante Mocotó, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress


Conhecer ingredientes, processos e os ciclos em torno dos alimentos se tornou o objetivo do Centro de Pesquisa e Criatividade Tuju, que surgiu a partir do restaurante de mesmo nome, fechado na pandemia e previsto para reabrir em maio no Jardim Paulistano, na região oeste de São Paulo.

Embora tenham visitado regiões ao redor de Ilhéus, na Bahia, para entender mais a fundo o ciclo do cacau, essa primeira fase tem sido centrada no estado de São Paulo.

Entre Cananeia, no litoral sul de São Paulo, e Silveiras, na serra da Bocaina, passando por Terra Roxa, no interior do estado, o casal tem catalogado produtos e pesquisado sua sazonalidade.

"A investigação culinária acabou ficando menos importante do que a ideia de pesquisar os produtos de época, que é algo pouco explorado no Brasil", afirma Ralston.

O primeiro projeto deve ser uma publicação que poderá esmiuçar, de forma detalhada e inédita, a ideia de uma sazonalidade à brasileira. "Queremos mostrar que a manga em dezembro é melhor e mais barata, assim como as lulas."

Para Ralston, a iniciativa pode ser positiva para todo o mercado, não apenas para o Tuju. "A gente tem muito a ganhar, assim como o nosso cliente, é claro. Mas outros restaurantes podem se beneficiar muito dessa pesquisa também, já que ela vai estar disponível", afirma.

Muitos restaurantes têm seguido um caminho semelhante em busca de uma inovação que vá além da cozinha.

Desde que o espanhol Ferran Adrià passou a fazer experimentos unindo alta gastronomia com técnicas da indústria alimentar no extinto El Bulli, a busca por inovação começou a se difundir. Essa também é uma marca do dinamarquês Noma, eleito melhor do mundo cinco vezes na lista dos 50 Best Restaurants, e que anunciou, no começo do mês, que fecharia as portas para se transformar em um "laboratório gigante".

O Central, endereço peruano que tem chances de ser o próximo melhor do mundo de acordo com o mesmo ranking, tem conseguido se manter no topo com ajuda do Mater Iniciativa. O projeto visa explorar territórios, produtos e técnicas nativas do país.

"É curioso porque começamos com as expedições justamente quando se criticava muito que os chefs estivessem fora das cozinhas. Seria impossível o Central chegar onde chegou se não tivéssemos buscado conhecer melhor o nosso país", afirma o chef Virgilio Martínez.

No Mocotó, restaurante de cozinha sertaneja da Vila Medeiros, na região norte de São Paulo, enquanto a cozinha trabalha no térreo, dois andares acima do edifício outras receitas são preparadas —mas em formato de teste, sem a intenção de serem servidas para clientes. Ao menos não num primeiro momento.

Batizado de Engenho Mocotó, o espaço é um misto de laboratório e incubadora para ajudar a desenvolver pratos, criar métodos e outras iniciativas que podem ser empregadas no restaurante.


Conheça outros projetos que nasceram em restaurantes
El Bulli
Em 2011, o chef Ferran Adrià fechou as portas de seu restaurante espanhol, eleito por cinco vezes o melhor do mundo na lista 50 Best Restaurants, com a ideia de reabrir o espaço como um centro de pesquisa sobre gastronomia e inovação. Segundo o site, a ideia é que o endereço já esteja em operação recebendo visitantes neste ano

Noma
O dinamarquês comandado pelo chef René Redzepi, eleito melhor do mundo cinco vezes pela mesma lista, criou um laboratório de fermentação que o tornou uma referência mundial no assunto. Depois de encerrar seu serviço regular no fim de 2024, deve reabrir como laboratório voltado à inovação alimentar



"Queríamos um lugar para trabalhar em novas ideias e soluções sem interromper a rotina do Mocotó", afirma Rodrigo Oliveira, chef e dono do restaurante. Para ele, o Engenho tem sido crucial para determinar o caminho do restaurante. "É nossa maneira de manter a curiosidade sempre acessa."

O espaço, coordenado pelo cozinheiro Gabriel Salvini, tem em sua estrutura uma cozinha, uma mesa coletiva com 30 lugares e uma biblioteca com centenas de livros de gastronomia.

Ali nascem receitas como um iogurte de milho (a partir da infusão dos grãos no leite) e são feitos testes em torno de carnes de sol em diferentes tipos de cortes e tempos de cura. Além de processos que envolvem o serviço e questões administrativas.


"É como se tivéssemos a tarefa de pensar fora da caixa o tempo todo", resume o cozinheiro de 24 anos --que representa outra tendência nesses espaços recentes: quase sempre eles têm jovens profissionais à frente.

Os chefs Janaína e Jefferson Rueda, do premiado A Casa do Porco, na região central de São Paulo, transformaram o apartamento onde viviam quando casados em um espaço de pesquisa, no edifício Copan.

"Todos os treinamentos acontecem lá, os testes, os estudos", diz Janaína. Equipado com alta tecnologia, de uma liofilizadora, usada para secar ingrediente, a uma desidratadora, o Lab, como chamam o espaço, é também onde nascem os novos menus da casa.

O mais recente, todo baseado em países na culinária da América Latina, foi concebido em experiências feitas ali, ela conta, já que por ser um apartamento é possível receber cozinheiros de fora, estagiários e pesquisadores. "É um ambiente de muita troca de ideias. Com certeza, a parte mais legal do nosso trabalho hoje", afirma.

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