Descrição de chapéu Alalaô

Carnaval em SP termina com menos política, mais feminismo e arrastões

Festa, que se espalhou pelas 32 subprefeituras, teve ao menos 1.324 pessoas detidas

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São Paulo

O maior Carnaval da história de São Paulo em número de cortejos de rua foi marcado por diversidade de blocos e de público, abrandamento das manifestações políticas em relação a anos anteriores, mais engajamento contra o abuso sexual, relatos de roubo e insegurança, além de muito neon e meia arrastão. 

Foi a primeira vez em que todas as 32 subprefeituras da capital paulista tiveram desfiles de rua. E para todos os gostos: de sinfônico a bloco com pagode dos anos 1990.

Um dos destaques deste ano foi a estreia em São Paulo do Galo da Madrugada, tradicional bloco do Recife, que atraiu milhares de pessoas para o Parque Ibirapuera nesta terça (25) —a organização estima público de 500 mil. 

O desfile do Galo teve Fafá de Belém, muita sombrinha de frevo e trio parado porque o motorista se recusou a fazer o teste do bafômetro. Dois trios elétricos, grupos de maracatu e de frevo fizeram parte da apresentação.

A equipe do cortejo era composta por cerca de 500 pessoas, entre artistas e organizadores. O mestre de capoeira Dinho, 43, assumiu a missão de carregar uma galo gigante, de cerca de 50 kg, sobre a cabeça no abre-alas do desfile. "O mais difícil é manter o equilíbrio", conta. 

No centro, megablocos como Ilú Obá De Min, Tarado Ni Você, Domingo Ela Não Vai e MinhoQueens empolgaram milhares de foliões.

O Tarado, que toca repertório de Caetano Veloso, atraiu foliões de diferentes cantos da cidade que se espremiam para seguir o cortejo a partir do cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, imortalizado em "Sampa". 

No abre-alas, pernaltas e dançarinas do coletivo feminista Maravilhosas Corpo de Baile. "Quando estamos na frente do bloco e ocupamos espaços com o corpo que temos, sem nos preocupar com ter o corpo de uma rainha de bateria, incentivamos outras mulheres a fazer o mesmo", disse a atriz Graziela Meyer, 41, fundadora do grupo.

Blocos menores e mais elitizados, como Bastardo, Baco do Parangolé e Charanga do França, atraíram foliões descolados em busca de menos confusão e mais curtição e flerte dentro da bolha da qual fazem parte. 

Se os mais novos lotaram o centro, cortejos de bairro abraçaram a democracia etária. "O clima do bloco de bairro aqui na Mooca foi assim, tranquilo, ideal para levar as crianças e curtir com amigos", contou a arquiteta Luciane Hato, 44, que estreou no Orra, Bello! 

A advogada Gilzana dos Santos, 39, moradora da Pompeia, também priorizou desfiles por perto: "Os blocos cresceram demais. Ficou difícil se deslocar pela cidade, trânsito lento, metrô lotado. Preferi concentrar a minha energia nos blocos perto de casa. Menos gente, mais famílias com crianças e vovôs e divertidíssimo."

Alguns não deram as caras, caso do Bloco da Baby, descredenciado, e Chá de Alice. 

Manifestações contra o governo Jair Bolsonaro ocorreram em alguns cortejos, mas a carga política foi menor nos desfiles do que em tempos de "Fora, Temer", "Lula Livre" e "Ele Não". Um dos protestos ocorreu durante o Galo da Madrugada. Foliões entoaram "Ei, Bolsonaro, vai tomar no c.", e Fafá de Belém respondeu: "A voz do povo é a voz de Deus."

O grito se repetiu, de forma tímida, em outros blocos, como Tarado Ni Você e Pagu, que também tiveram outros atos políticos. O Tarado teve a participação da ativista pró-moradia Carmen Ferreira e terminou com um casamento entre duas folionas no qual se pregou a tolerância. 

O arrefecimento da politização nos cortejos se refletiu em menos fantasias críticas ao governo como as laranjas do PSL que marcaram o Carnaval passado. Entre as mais emblemáticas deste ano, a empregada doméstica que viaja para a Disney (como imagina o ministro Paulo Guedes), o dólar alto e referências à política de abstinência sexual proposta pela ministra Damares Alves

Viram-se também frases de cunho político em plaquinhas no pescoço dos foliões (sensação deste ano, aliás), como "Fascistas não passarão" e "Me valoriza, Ancine". Outros preferiram usar a plaquinha para anunciar "Aproveita que estou solteiro" e "Não tenho fantasia, só realizo". Referências ao filme "Bacurau", especialmente a frase "Se for, vá na paz", também foram adotadas. 

Mas foram as ombreiras, os paetês, as meias arrastão, os bodies/maiôs, as viseiras e as maquiagens sofisticadas que caíram no gosto dos foliões que quiseram evitar os superdisseminados unicórnio, Minnie e colar de havaiana. 

Topless e tapa mamilos também viram suas adeptas se multiplicarem neste ano. 

Campanhas contra o abuso no segundo Carnaval com a lei de importunação sexual em vigor ganharam força, capitaneadas pelo governo, por empresas e pelos organizadores dos blocos (lembretes de que consentimento é o limite entre assédio e flerte eram frequentes durante os desfiles). 

A liberdade e a descontração, porém, esbarraram em um obstáculo: a sensação de insegurança. Foliões relataram furtos e roubos na festa, sobretudo no centro. Houve, também, casos mais graves.

O auxiliar administrativo Heitor Collaço, 26, levou uma facada nas costas durante o bloco Domingo Ela Não Vai. Ele diz ter sido atacado por uma travesti, após reclamar de ter seu pênis apalpado. 

Na terça (25), a Secretaria de Segurança Pública apurava tiros no bloco Latinha Mix, em Pinheiros, com dois baleados.

Maconha, cocaína e lança-perfume eram anunciados e vendidos sem preocupação nos cortejos. A reportagem flagrou dois homens ensacando cocaína embaixo do Minhocão na noite de segunda. 

O policiamento foi da ausência à truculência. No sábado (22) à tarde, integrantes do projeto Jazz na Kombi, que desde 2014 divulga o estilo musical pelas ruas da cidade, foram abordados por um grupo de guardas civis metropolitanos e funcionários da prefeitura na rua XV de Novembro, no centro. 

Segundo relato do grupo, com truculência, os guardas abriram a kombi e apreenderam duas caixas de som, dois pedestais e um gerador, além de dois barris de chope.

Um dos integrantes projeto, Giovani Baffô, relata ainda que eles foram insultados com palavrões e intimidados. Segundo ele, um dos homens teria dito para "ficarem quietos e colaborar". 

Em nota, a Prefeitura esclarece que o Jazz na Kombi não possui autorização para comercialização de bebidas alcoólicas e tão pouco poderia trafegar com o veículo no calçadão do Centro histórico. O órgão afirma que os contralacres das mercadorias apreendidas foram entregues ao responsável da Kombi. O grupo nega.

Segundo a nota, homens da Guarda Civil Metropolitana estiveram presentes  ao  local para dar apoio ao trabalho dos fiscais. A Prefeitura não respondeu sobre os insultos feitos ao grupo e o porquê os equipamentos musicais foram apreendidos.

No bloco Urubó, na Freguesia do Ó (zona norte), houve revista e entrada e saída controladas por barras de contenção. Também houve controle de entrada no Galo da Madrugada e em alguns blocos que saíram no centro.

Balanço parcial da SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) sobre a Operação Carnaval diz que, da madrugada de sexta até o início desta terça, 148,5 mil pessoas foram abordadas por policiais, das quais 1.324 foram detidas. Foram apreendidos 142 celulares (com 75 devolvidos aos donos), 1 tonelada de drogas e 93 armas de fogo ilegais.

E, na festa superlativa deste ano em São Paulo, não teve caos no trânsito, mas teve chuva —mais intensa nas noites de segunda e terça—, criando corredeiras no meio-fio das ruas e pontos de alagamento. Enquanto alguns foliões buscaram refúgio, outros pularam mesmo na água suja. 

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