Elogiado, programa de segurança de Moro ainda é considerado tímido em cidades-piloto

Crimes caem após início do Em Frente Brasil, mantendo ou acelerando tendência de queda

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Agentes da Força Nacional revistam dois homens durante ronda em Ananindeua (PA), uma das cidades que fazem parte do projeto de segurança Em Frente, Brasil

Agentes da Força Nacional revistam dois homens durante ronda em Ananindeua (PA), uma das cidades que fazem parte do projeto de segurança Em Frente, Brasil Zanone Fraissat/Folhapress

Paulista (PE), São José dos Pinhais (PR), Ananindeua (PA) e Cariacica (ES)

“Melhorou, claro, é sempre bom ver patrulha por aí. Mas melhorou uns 10%. Antes, entravam no ônibus e roubavam todo mundo. Agora roubam só quem tá esperando no ponto”, diz o serralheiro João Araújo, 60, em um dos bairros mais perigosos de Ananindeua (PA).

A cidade, no entorno de Belém, é uma das cinco que há meses estão servindo de cobaia para o principal programa contra a violência do governo de Jair Bolsonaro e seu ministro da Justiça, Sergio Moro, o Em Frente, Brasil.

No fim de agosto do ano passado, o projeto-piloto enviou 500 agentes da Força Nacional a Ananindeua (PA), Cariacica (ES), São José dos Pinhais (PR), Paulista (PE) e Goiânia, alguns dos municípios médios mais violentos do país.

Eles ficarão ali ao menos até junho para, junto às polícias locais, fazer o patrulhamento ostensivo nos bairros que concentram a maior parte dos crimes e ajudar nas investigações. A ideia é que, a partir de março, cheguem também ações sociais em parceria com outros dez ministérios.

A Folha visitou quatro dessas cidades no último mês e ouviu dos moradores que, apesar dos números positivos, até agora as mudanças não são tão visíveis. Sobre o policiamento ostensivo, a opinião comum é que as rondas nas áreas mais perigosas são positivas, mas não têm sido suficientes.

“Teve um assalto grande aqui faz dois meses. Levaram tudo do meu comércio e do vizinho. Ocorreu às 11h. Eles só patrulham mais à noite”, reclama Carlos Alberto da Silva, 43, que diz que os criminosos sabem o horário em que as rondas são mais intensas em Paulista (PE). 

No geral, os índices de violência caíram nos municípios desde que o programa começou, em relação ao ano anterior. Mas essa diminuição já vinha acontecendo antes da atuação do governo federal e ocorre de maneira desigual em cada lugar.

Se em Ananindeua (PA) e Goiânia os homicídios sofreram uma queda brusca de um ano para o outro (de setembro a dezembro), nas outras três cidades as reduções se aproximam mais de variações, com até sete mortes de diferença em números absolutos. 

Em Cariacica (ES), por exemplo, moradores relatam que pequenos grupos de tráfico continuam guerreando entre si pela venda de drogas, a principal causa dos assassinatos. Foram apenas três mortes a menos no período: caíram de 51 para 48, mesmo índice de três anos antes.

Além disso, o projeto-piloto tem surfado na onda de programas que já estavam em curso nesses estados —como o Paraná Seguro, o Pacto Pela Vida (em Pernambuco) ou o Territórios pela Paz (no Pará)—, apesar de Moro exaltar como mérito seu uma queda dos homicídios na casa dos 40% nessas cidades.

“Não buscamos reinventar a roda”, rebate Marcelo Moreno, diretor nacional de segurança pública do Ministério da Justiça. Segundo ele, a ideia foi justamente analisar experiências que já existiam nos estados e em outros países para chegar a esse modelo.

Para prefeitos, secretários estaduais e estudiosos em segurança pública, uma das qualidades do Em Frente, Brasil é trazer uma integração inédita entre os três níveis de poder, sem decisões “de cima para baixo” e com reuniões semanais e envio de recursos.

O programa surgiu num momento em que se debatia a ausência da União no combate à violência, tarefa que hoje pesa sobre os ombros de cada unidade da federação. 

“Pela primeira vez as forças federais, estaduais e municipais têm se articulado conjuntamente, desde o planejamento. Tenho 20 anos na área e nunca tinha visto nada parecido”, diz Guilherme Pacífico, subsecretário e coordenador estadual do piloto no ES.

Outra virtude do projeto é estimular políticas de educação, lazer, saúde etc. como modo de prevenção, baseando-se em estatísticas coletadas previamente pelos institutos federais de cada local. Essa é a segunda fase do programa —a que moradores e prefeitos ainda estão esperando.

Desde dezembro, estão sendo realizadas oficinas em cada cidade com agentes das três esferas de governo para definir ações e metas. Até agora não foi divulgada nenhuma porcentagem ou taxa a ser perseguida. O plano é que elas comecem a ser implantadas em março.

Em todo esse processo, porém, a população diz que não foi ouvida. “Ficamos sabendo no susto”, diz Ailton Pereira, 55, líder comunitário em Flexal 2, um dos bairros prioritários do programa em Cariacica (ES). 

“Não somos contra a Força Nacional, somos contra uma política rasteira. Como querem que a gente aceite algo do qual não participamos?”

A transparência é outro fator que deixa a desejar. Apesar de o ministério exaltar que o Em Frente, Brasil é baseado em números, não é fácil ter acesso aos dados criminais mensais de cada município, e os custos até agora são nebulosos.

O que se sabe é que eles incluem R$ 20 milhões já repassados para os estados investirem em segurança e outros R$ 200 milhões (ainda estimados) para os programas sociais, sem contar os gastos com a Força Nacional —formadas por policiais de todo o país que recebem diárias para atuar pela União.

O governo federal também não deu atenção para eventuais abusos que possam ocorrer com o envio de uma centena de homens para cada cidade, como foi o caso de uma mulher que relata ter tido a casa invadida violentamente por agentes durante a madrugada, em São José dos Pinhais (PR) —ela preferiu não denunciar o caso.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer em outubro que tiraria Cariacica do programa se o prefeito da cidade criasse um disque-denúncias para descobrir abusos, o que não ocorreu. “Não havia, no nosso entendimento, motivo nenhum para criar um canal [federal] específico. As ouvidorias dos estados já têm um canal definido”, diz Moreno, da pasta da Justiça.

O principal desafio dos governos agora é fazer as ações sociais chegarem, para que não se incorra no mesmo erro de projetos como as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro. E que sejam políticas públicas de Estado, e não de mandatos.

“Se ficar nisso [só na repressão] nunca vai adiantar nada. O estado tem que entrar com toda a força nesse território e oferecer às pessoas condições para uma vida minimamente digna”, avalia Marcelo Jugend, especialista em segurança pública e ex-secretário da área em São José dos Pinhais.

Mais à frente, o obstáculo vai ser ainda maior: expandir o programa para o resto do país. A expectativa é que em junho o ministério comece a elaborar um plano nacional com base nas experiências do projeto-piloto a ser aplicado em outras cidades. Cinco municípios estão sendo escolhidos para entrar no segundo semestre.

Jugend diz não acreditar que isso será viável, pois cidades grandes concentram boa parte dos homicídios. “Como vão inundar essas cidades de Força Nacional e outras polícias? Não tem como. Não tem recurso, não tem efetivo, não tem nada. Me parece uma baita demagogia”, opina.

Questionada se haveria recursos para a ampliação, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) respondeu nesta sexta (7) à Folha que sim, porque o Brasil “será uma nação rica”. “Acorda. O Brasil vai ser uma grande potência, os números já estão mostrando, o desemprego está caindo, economia melhorando”, declarou ela.

O ministério de Moro também não vê dificuldades em replicar o modelo, apesar do alto investimento financeiro e humano feito até agora. 

“Não estamos falando de 5.570 cidades, mas das 120 mais violentas e alguns bairros. O papel do governo federal é validar o que funciona”, diz Marcelo Moreno. 

“Ninguém vai conseguir resolver o problema sozinho: nem município, nem estado, nem União”.

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