Ao menos 16 pontos do centro de São Paulo foram ocupados por usuários de drogas ao longo dos dois últimos meses, após a ação policial que esvaziou a praça Princesa Isabel, onde funcionava a cracolândia.
Integrantes do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade, ligado à USP) têm percorrido a região e mapearam os pontos de concentração de dependentes químicos, e a quantidade de pessoas vista em cada local.
"Identificamos os lugares onde o fluxo tentou se fixar em alguns momentos, mas foi impedido pela polícia", diz o pesquisador Giordano Magri, que foi chefe de gabinete da Secretaria municipal de Direitos Humanos na gestão de Fernando Haddad (PT), e trabalha atualmente no gabinete do vereador Eduardo Suplicy (PT). "Antes, o impacto social da cracolândia atingia quatro quarteirões no entorno da praça Júlio Prestes, agora afeta um perímetro quase oito vezes maior", continua.
Em nota, o secretário-executivo de Projetos Estratégicos, Alexis Vargas, se referiu ao estudo como um "panfleto ideológico-partidário" sem dados que permitam embasar as conclusões publicadas. "Entre os autores estão a "Craco Resiste" e o chefe de gabinete de um vereador do PT", escreveu.
O secretário se refere a integrantes do grupo de pesquisadores de diferentes entidades que elaborou o mapa: Aluízio Marino, pesquisador do Labcidade; a antropóloga Amanda Amparo e o mestrando Ariel Machado Godinho do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, Daniel Mello, militante d’A Craco Resiste, Giordano Magri, pesquisador da FGV, o fotojornalista Luca Meola e Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.
Vargas reforçou que houve ampliação no atendimento dos dependentes químicos e redução do fluxo de pessoas consumindo drogas nas ruas. Segundo ele, atualmente, a concentração de usuários tem ficado em torno de 200 pessoas, "eventualmente, chegando a 400", uma redução em relação às 4 mil pessoas que frequentavam a cracolândia em 2016, antes do programa Redenção, lançado em 2017.
A dispersão de usuários passou a ocorrer de forma mais frequente no início de 2020, quando a prefeitura fechou os centros de acolhida e outros equipamentos voltados ao atendimento dos usuários de drogas perto do fluxo – como é chamada a aglomeração de frequentadores e traficantes, e se acentuou após a ação policial.
O mapeamento identificou a rua dos Gusmões na esquina com a avenida Rio Branco, na Santa Ifigênia, como o ponto de maior aglomeração, onde foram contabilizadas mais de 400 pessoas nos últimos 15 dias.
A maior parte dos pontos concentra grupos menores de usuários, o que reforça a tese de espalhamento da cracolândia. Dos 16 lugares mapeados, 6 tinham entre 20 a 40 pessoas e outros 4, de 100 a 120 indivíduos.
"O mapa desmonta a falácia da prefeitura que diz ter diminuído a frequência de usuários de drogas no centro da cidade após a ação policial. Não ter mais um ponto único que os reúne não quer dizer que a cracolândia diminuiu, apenas que está espalhada", diz Magri.
As gestões do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Rodrigo Garcia (PSDB) defendem a dispersão como uma estratégia eficiente de enfraquecer a relação entre dependentes químicos e traficantes e, assim, convencer mais pessoas a buscar tratamento.
"Nós temos muito menos dependentes químicos [na região] hoje do que tínhamos no começo do ano. É uma luta permanente", disse o governador na última quinta-feira (7).
O pesquisador do LabCidade critica a falta de métricas por parte da prefeitura que estabeleça a efetividade das ações praticadas nos últimos dois meses. "Não tem como analisar o acompanhamento dessas pessoas. Sem isso, não existe atendimento efetivo", diz Magri.
O prefeito anunciou para as próximas semanas a inauguração de mais dois Caps (Centro de Assistência Psicossocial) na região central. As unidades são voltadas ao tratamento de pacientes psiquiátricos.
Conflitos no centro
O deslocamento constante de usuários de drogas pelo centro tem provocado atritos com moradores e trabalhadores.
Na última quarta-feira (6), houve confronto entre comerciantes da região da Santa Ifigênia e usuários que estavam no fluxo da rua dos Gusmões.
Vídeos gravados com câmeras de celular mostraram funcionários dos estabelecimentos comemorando a dispersão após alguns dependentes terem sido atingidos por paus e pedras. No dia seguinte, lojistas organizaram um protesto pedindo mais segurança.
Atos semelhantes, porém sem violência, foram articulados por moradores do bairro Campos Elíseos.
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