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Maria Teodora da Costa conquistou autonomia ao se casar durante a Revolução Pernambucana de 1817

Filha de um rico traficante de pessoas escravizadas, a recifense demonstrou rebeldia ao namorar um liberal radical

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Salvador

Nas últimas décadas, a historiografia brasileira tem destacado duas questões importantes sobre a independência do Brasil.

A primeira delas é que o 7 de setembro de 1822 não deflagrou a ruptura do Brasil com Portugal, pois isso ocorreu por meio de lutas travadas em várias províncias (estados), contando com a participação e a morte de milhares de mulheres e homens de diferentes setores da sociedade. A segunda questão é a importância da Revolução Pernambucana de 1817 nesse processo.

Ilustração de Mariana Waechter publicada na Folha de S.Paulo em 9 de setembro de 2023 mostra uma mulher. Ela aparece da cintura para cima, veste uma roupa branca, com manga curta e babados nos braços. Ela é branca, tem os cabelos curtos e escuros. segura três flores com as duas mãos, próximas ao peito. Está na parte direita da cena, olhando para a esquerda. Tem os olhos escuros, os lábios grossos e cor de rosa, e a ponta do nariz também é ligeiramente rosada. O céu está bem azulado e o cenário, ao fundo, traz uma igreja, aparentemente barroca, desenhada com lápis marrom e preenchida de bege.
Em 1817, Maria Teodora da Costa contrariou a expectativa da família e casou-se com Domingos José Martins, um dos líderes da Revolução Pernambucana - Mariana Waechter/Folhapress

Um movimento político composto por negociantes, comerciantes, traficantes de pessoas escravizadas, senhores de engenho, padres e mulheres, a Revolução Pernambucana teve início em 6 de março de 1817 e leva essa denominação porque os revolucionários conspiraram contra a política de dom João 6º, tomaram o poder por 74 dias, criaram um governo provisório e decretaram a República Pernambucana, de inspiração constitucionalista com a elaboração da Lei Orgânica com 28 artigos.

Os artigos da Lei Orgânica tratavam da separação e da autonomia dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; da abolição de tributos que oneravam gêneros de primeira necessidade; da tolerância religiosa; da liberdade de imprensa e de consciência; da propriedade; da fraternidade com a mudança do pronome de tratamento e da igualdade de direitos, impactando a luta pelo fim da escravidão e a adesão de várias mulheres à revolução. Como aconteceu com Maria Teodora da Costa.

No centro da imagem, dois homens usando batinas seguram duas bandeiras de Pernambuco. Outros homens em vestimentas solenes rodeiam a cerimônia. Há uma criança, também usando batina, e um cachorro, à frente. Ao fundo, uma multidão de civis assiste à cena
"Bênção das Bandeiras da Revolução de 1817", óleo sobre tela de Antônio Parreiras (data desconhecida) - Arquivo Público do Recife

Filha de mãe pernambucana e pai português, ela nasceu em 1804, no Recife. Cresceu em um ambiente de riqueza e foi educada para se casar com alguém como seu pai, Bento José da Costa, senhor de engenho e traficante de pessoas escravizadas. Contrariando a expectativa da família, Maria Teodora se apaixonou por um dos líderes da Revolução Pernambucana de 1817, o comerciante capixaba, liberal radical e maçom Domingos José Martins.

Na obra "Notas Dominicaes", o cronista francês Tollenare retratou os acontecidos da Revolução Pernambucana e chamou a atenção para o fato de que o casal namorou escondido durante anos até que Domingos aproveitou seu papel no movimento e o artigo sobre a igualdade de direitos da Lei Orgânica para solicitar autorização do governo provisório para se casar com Maria Teodora.

O pedido de casamento foi assunto comentado pela imprensa da época, pois a recusa do pai dela indicava que ele não era tão "patriota" e, portanto, favorável ao governo provisório, como tinha afirmado ser para preservar seu altamente lucrativo "comércio infame" de africanos escravizados, assunto controverso para os revolucionários de 1817 em geral e para o noivo abolicionista em particular.

Historiadores afirmam que o pai de Maria Teodora foi obrigado a ceder à pressão do noivo e o fez transformando o casamento da filha em moeda de troca: o noivo rebelde ganharia prestígio político com os comerciantes do Recife, que temiam as decisões do governo provisório republicano, que, por sua vez, não legislaria sobre o tráfico de africanos escravizados.

No entanto, cumpre destacar a rebeldia e a autonomia de Maria Teodora com a experiência republicana como fator determinante para o pai aceitar a união da filha.

O casamento ocorreu em 14 de março de 1817 na capela de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, no sítio da Jaqueira, no Recife, em uma cerimônia sem exageros. Maria Teodora quis entrar sozinha, com um vestido simples de algodão e, assim como as damas de honra, com os cabelos curtos, cortados à francesa, como convinha às republicanas da época.

Para Tollenare, esse casamento foi o principal acontecimento social da Revolução Pernambucana de 1817.

O amor de Maria Teodora e Domingos durou pouco, o tempo da experiência republicana na Revolução Pernambucana de 1817. Com a brutal repressão aos líderes do movimento pelas tropas portuguesas, ele fugiu para Porto de Galinhas, onde foi descoberto, brutalmente agredido e transportado a bordo do navio Carrasco para Salvador, na Bahia, que foi impedida de aderir ao movimento.

Ao todo foram 14 homens executados. Alguns foram sumariamente julgados pelo Tribunal Militar, enforcados e tiveram seus corpos esquartejados e expostos nas ruas, incluindo padres. Domingos foi executado em 12 de junho no Campo da Pólvora, em Salvador, com um tiro à queima-roupa de arcabuz, uma arma da época.

Maria Teodora sofreu com o assassinato do marido, mas seguiu adiante sem renunciar à autonomia adquirida com o casamento desejado e a experiência republicana revolucionária. Tanto que ela se casou novamente –e provavelmente por amor– em 2 de janeiro de 1821, no Recife, com Antônio José Pires, rapaz simples, sem fortuna e sem o prestígio político do pai.

Projeto retrata mulheres ao longo da história do Brasil

O projeto Mátria Brasil apresenta mulheres relevantes e, em geral, pouco conhecidas ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje. Os textos são assinados por historiadoras e historiadores de diversas regiões brasileiras, e têm publicação semanal ao longo de seis meses.

A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.

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