Descrição de chapéu Folha Mulher Mátria Brasil

Viúva Serva publicou principais panfletos pela Independência do Brasil na Bahia

Empresária manteve uma importante tipografia em Salvador na primeira metade do século 19

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pablo Antônio Iglesias Magalhães

Professor associado na Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB)

Salvador

Os jornais, panfletos e livros da guerra de Independência do Brasil na Bahia trazem estampada a declaração de que foram impressos por uma mulher, a viúva Serva.

Ela foi a primeira empresária das letras no Brasil, mas seu nome não aparece na história da imprensa e do livro no Brasil. Maria Rosa da Conceição, nascida na Bahia por volta de 1778, administrou por mais de 18 anos a primeira oficina de impressão estabelecida na província, a 13 de maio de 1811.

Sobre um fundo branco, ilustração de Veridiana Scarpelli publicada na Folha de S.Paulo em 30 de setembro de 2023 mostra uma mulher branca. Ela aparece da cintura para cima, usa uma roupa verde escuro com mangas longas. No peito e nos punhos os detalhes são pretos e na gola, uma renda rosada. Ela está olhando em direção ao leitor, é branca, loira, tem os olhos e lábio pequeninos. As sobrancelhas são bem marcantes. Os cabelos estão presos com tranças coladas à cabeça. Usa brincos brilhantes, pendurados, mas pequenos. Nas mãos, segura papeis, que parecem ser folhas de jornal
Maria Rosa da Conceição, conhecida como a viúva Serva, administrou a tipografia que publicou os principais panfletos pela Independência do Brasil na Bahia na primeira metade do século 19 - Veridiana Scarpelli/Folhapress

Maria Rosa, mulher branca e letrada, casou-se com o negociante português Manoel Antonio da Silva Serva por volta de 1796, considerando que a primeira filha do casal nasceu entre 1797 e 1798. Tiveram oito filhos naturais e dois sobrinhos adotados, residindo, em 1801, em um sobrado próximo da atual praça da Piedade, vizinho da rua da Forca, onde ocorreu a execução dos condenados na Conjuração Baiana em 1799.

Os negócios da tipografia passaram por altos e baixos. Com a morte de Manoel Antonio, em agosto de 1819, Maria Rosa passou a ser chamada de viúva Serva, herdando os negócios do marido, que incluíam a livraria e a tipografia, então a única existente na Bahia, em sociedade com seu genro José Teixeira de Carvalho, casado com sua filha Delfina.

Diferentemente da primeira fase –mais literária e científica, com a impressão, em 1819, dos volumes 3 e 4 do "Manual de Medicina e Cirurgia Prática de Brown"–, Maria Rosa foi a responsável por converter a Tipografia da Viúva Serva, e Carvalho em um espaço que impulsionou o debate político, particularmente após a extinção da Comissão de Censura em 1821.

Nos seus prelos, foram impressos dezenas de panfletos, cujos autores, não mais limitados pela censura prévia, expunham as controvérsias que davam o tom político do constitucionalismo e da Independência do Brasil.

A leva constitucionalista que alcançou a Bahia em fevereiro de 1821 teve grande impacto na tipografia. Produziu textos e documentos ligados ao movimento constitucional, a exemplo de "Instruções para as Eleições dos Deputados das Cortes" e "Constituição Política da Monarquia Portuguesa", com 2.000 exemplares, a pedido da Junta Provincial, responsável pelo governo da Bahia na época.

Foi na Tipografia da Viúva Serva, e Carvalho que o número de jornais baianos cresceu. Além do Idade d’Ouro, o único que se imprimia até 1821, foram criados o Semanario Civico (na grafia da época, sem acentos), o Baluarte Constitucional e outros, alcançando o significativo número de 12 títulos entre 1822 e 1823.

Lá também foi impresso O Constitucional, primeiro jornal de oposição do Brasil, de expressão liberal, que levou à interrupção dos trabalhos da tipografia em 21 de agosto de 1822, pelos oficiais lusitanos. Apesar da truculência das autoridades lusitanas, logo a tipografia voltou a funcionar.

O genro e sócio da viúva Serva, José Teixeira de Carvalho, desapareceu dos documentos por volta de 1827, quando a empresa já havia reduzido sua importância editorial.

A partir de 1828, contudo, ela se associou aos seus dois filhos, Manoel e José, para recriar a empresa sob nova razão social de "Tipografia da Viúva Serva & Filhos", alinhando-se ao projeto imperial brasileiro e publicando livros apenas com o seu nome, sob designação de Impressão da Viúva Serva, entre 1829 e 1831.

A sua tipografia atravessou a conturbada década de 1830, confirmando o alinhamento ao projeto imperial e se opondo à incendiária Tipografia do Diário. A Tipografia da Viúva Serva & Filhos teve suas atividades encerradas em novembro de 1837, após o início da revolta Sabinada, quando o equipamento foi retirado de Salvador por seu filho José Antonio, levado para Santo Amaro e depois para Itaparica.

Em 1846, com cerca de 68 anos e após a morte do primogênito, Maria Rosa vendeu a livraria que agitou a capital baiana ao longo de décadas e passou seus anos finais cercada pelos filhos e netos.

A viúva Serva faleceu em 7 de janeiro de 1858, "maior de oitenta anos", na freguesia da Penha, em Salvador. Seu corpo foi conduzido para a casa de seu filho José Antonio, na freguesia da Sé, e depois levado para a Igreja de São Domingos, no Pelourinho. No dia seguinte, ela foi sepultada no cemitério da Quinta.

É conhecido que, na Península Ibérica, diversas esposas de tipógrafos falecidos continuaram seus negócios, a exemplo das viúvas Ibarra (Madri), Bertrand (Lisboa) e Gandra (Porto).

Na América portuguesa, contudo, as mulheres, mesmo da elite, somente com muita dificuldade alcançavam letramento e acesso a livros. A viúva Serva, com uma casa editorial importante, representava uma sociedade que se transformava, por meio de instituições liberais, possibilitando que mais mulheres tivessem acesso aos livros.

Projeto retrata mulheres ao longo da história do Brasil

O projeto Mátria Brasil apresenta mulheres relevantes e, em geral, pouco conhecidas ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje. Os textos são assinados por historiadoras e historiadores de diversas regiões brasileiras, e têm publicação semanal ao longo de seis meses.

A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.