Lula anuncia uso das Forças Armadas no policiamento de portos e aeroportos de RJ e SP

Decreto de GLO é apresentado menos de uma semana após petista descartar medida; Galeão e Guarulhos terão reforços

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Brasília

O governo do presidente Lula (PT) anunciou nesta quarta-feira (1º) medidas para tentar enfrentar a crise na segurança pública no Rio de Janeiro.

Lula assinou um decreto para a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) específica, em portos e aeroportos do estado e São Paulo. Nesses locais serão empregados, respectivamente, militares da Marinha e da Aeronáutica, na tentativa de combater o crime organizado.

Os militares vão atuar nos portos do Rio, de Itaguaí (RJ) e de Santos (SP), além dos aeroportos do Galeão (RJ) e de Guarulhos (SP).

Um interlocutor no governo explica que o aeroporto e porto paulista foram incluídos por serem as principais portas de entrada de passageiros e cargas do país.

Dino se curva para falar com Lula, que está sentado
O ministro Flávio Dino conversa com o presidente Lula no evento de anúncio sobre as medidas de segurança para conter a criminalidade no Rio de Janeiro, nesta quarta (1º), em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

As GLOs são operações que autorizam militares a atuar com poder de polícia. Ocorrem em situações em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública e devem ser feitas em caráter episódico, em área restrita e por tempo limitado.

Há menos de uma semana, o petista havia declarado que não haveria GLO enquanto ele fosse presidente. "Nesta semana, tive uma reunião com os três comandantes das Forças Armadas e com o companheiro [ministro da Defesa, José] Múcio para discutir uma participação dele no Rio de Janeiro. Eu não quero as Forças Armadas, sabe, na favela, brigando com bandido. Não é esse o papel das forças armadas. E, enquanto eu for presidente, não tem GLO", afirmou.

O ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), no entanto, minimizou. Afirmou que o mandatário se referia à Garantia de Lei e da Ordem com militares atuando em "bairros e ruas", sendo que o atual decreto incide sobre áreas que já são federais.


Ponto a ponto do que foi anunciado por Lula

  • Decretação de GLO para Forças Armadas atuarem no porto do Rio de Janeiro, no porto de Santos, no porto de Itaguaí, no aeroporto de Galeão e no aeroporto de Guarulhos
  • Forças Armadas atuarão com a PF em portos e aeroportos
  • Marinha ampliará a atuação, junto à Polícia Federal, na Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba, acessos marítimos ao Porto de Santos e Lago de Itaipu
  • Criação do Cifra (Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos)
  • Aumento do efetivo e de equipamentos da PF, PRF e Força Nacional em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná
  • PF ampliará as ações de inteligência e as operações de prisões e apreensões de bens pertencentes às quadrilhas e milícias, especialmente no Rio de Janeiro
  • PRF e Força Nacional manterão os efetivos extras que já estão atuando no policiamento ostensivo no Rio de Janeiro, nas rodovias federais
  • Atuação em faixa de fronteira do Exército, Aeronáutica em articulação com a PF e PRF com ênfase no Paraná, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul
  • Comitê de acompanhamento das Forças Armadas e da PF
  • Ministério da Justiça e Ministério da Defesa apresentarão em 90 dias à Casa Civil plano de modernização tecnológica para a atuação da PF, PRF, Polícia Penal Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica, visando melhorar a atuação em portos, aeroportos e fronteiras

As medidas foram anunciadas durante uma entrevista no Palácio do Planalto, com a presença de Lula, Dino e do ministro José Múcio (Defesa) e dos comandantes das Forças Armadas.

Durante o anúncio, Lula explicou que esse decreto de GLO vai durar até maio do próximo ano. O mandatário acrescentou que, se for preciso, haverá um reforço dessa atuação.

"A situação chegou a uma situação muito grave, a violência que nós temos assistido tem se agravado a cada dia e decidimos tomar uma decisão para que o governo federal participe ativamente com todo potencial que tem para que possa ajudar os governos dos estados e o próprio Brasil a se livrar do crime organizado, quadrilha, tráfico de drogas e de armas", afirmou o mandatário.

"Essa GLO vai durar até maio do ano que vem e, se for preciso reforços em portos e aeroportos, nós vamos reforçar", completou.

Nas redes sociais, o governador Cláudio Castro (PL) elogiou a medida, declarando que o Brasil "deu um importante passo para o enfrentamento da criminalidade em todo o território nacional, com a união entre os estados e o governo federal".

Segundo Lula, haverá reforço de efetivo e equipamentos extras na Polícia Federal, PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Força Nacional em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná.

"A PRF e Força Nacional manterão os efetivos extras no policiamento extensivo do Rio de Janeiro e nas rodovias federais", disse

Serão empregados 3.700 homens das Forças Armadas no planejamento, sendo 2.000 homens do Exército, 1.100 da Marinha e 600 da Aeronáutica.

No caso do aeroporto, Dino explica que a operação é liderada pela Aeronáutica. No caso da faixa de fronteira, o comando é do Exército. Já nos portos e nas baías de Guanabara, de Sepetiba e lago de Itaipu o comando é da Marinha.

Dino disse que as Forças Armadas podem fazer o trabalho de polícia com a decretação da GLO.

"Para termos a largueza que nós precisamos nesse momento, o único instrumento disponível era a GLO. Esse foi o debate que tivemos durante semanas no governo, com ponto de vistas diferentes, mas nós todos concordamos e levamos ao presidente da República, que também concordou com essa nova GLO, que é essa GLO em área federal, que na prática vai permitir que as Forças Armadas possam fazer tudo o que a Polícia Federal pode fazer", disse.

O Ministro da Justiça ainda acrescenta que muitas das atribuições já estão previstas em lei complementar, mas de uma forma subsidiária. Agora, com o decreto, farão parte do rol de competências desses militares, nas áreas de atuação designadas.

Um dos comandantes das Forças Armadas explicou em reservado que a GLO foi adotada por dois motivos básicos. O primeiro deles foi para dar mais segurança jurídica para a atuação dos militares. Ele cita como exemplo o caso de defesa e revide a um possível ataque de criminosos, que possa resultar em óbitos. O militar então estaria mais resguardado.

Além disso, cita a melhor coordenação com todos os órgãos envolvidos na operação.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que em 90 dias serão apresentados os gastos com todo o planejamento anunciado.

"Do ponto de vista dos gastos, serão usadas as tropas existentes, o gasto adicional vai ser fruto desses investimentos que serão feitos e, eventualmente, do deslocamento das tropas. Se necessário for, vamos trazer de outras regiões, de outros estados. Como foi dito antes, foi dado um prazo de até 90 dias, espero que seja metade disso, para ser apresentado esse portfólio de investimento", disse.

O anúncio acontece nove dias após uma série de ataques de milicianos, que incendiaram ao menos 35 ônibus e um trem no Rio de Janeiro. A ação coordenada se deu em represália pela morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, um dos líderes da maior milícia do estado.

O ataque foi o maior já registrado contra o transporte público do Rio, causando diversos transtornos para a população.

Ainda em outubro, três médicos foram assassinados após um deles ser confundido com um miliciano jurado de morte por um grupo rival. Um deles, Diego Ralf de Souza Bomfim, 35, é irmão da deputada federal licenciada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

A cidade do Rio de Janeiro vai sediar no sábado (4) a final da Libertadores da América, que será disputada entre o Fluminense e o time argentino Boca Junior. No dia seguinte, também será realizado o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Nesta terça-feira (31), o ministro Dino já havia anunciado que a Força Nacional e a Polícia Rodoviária Federal iriam atuar no policiamento ostensivo durante o fim de semana de eventos.

Plano sofreu idas e vindas

Ações para enfrentar a crise na segurança pública no Rio passaram a ser discutidas com mais intensidade pelo governo federal após as ações dos milicianos e aumento de crimes violento na cidade.

O governo Lula hesitou, por mais de um mês, em definir o uso das Forças Armadas para ajudar no combate à crise de segurança no Rio. O período acumula avanços e recuos sobre qual seria a melhor forma de os militares atuarem.

O principal argumento sobre a indecisão é a segurança jurídica a respeito do escopo de atuação dos militares, mas também influenciam as ações das Forças Armadas no Rio em gestões anteriores —cujos resultados são questionados.

Em 29 de setembro, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, disse que o governo ainda procurava "uma forma jurídica que dê conforto" para a atuação dos militares.

"A gente tem convicção que vamos encontrar esse caminho, porque a segurança pública é um problema do Brasil e as Forças Armadas sempre estiveram comprometidas com o país", afirmou Capelli, à época.

A questão legal sobre a atuação das Forças Armadas voltou a ser mencionada por Dino, em 16 de outubro, em um discurso na Casa Firjan, onde o ministro foi apresentar ações do governo federal para apoiar as forças de segurança do Rio.

À época, agentes da Força Nacional haviam iniciado ações de reforço à segurança pública do estado. Desde o início do mês, 570 agentes foram deslocados ao Rio de Janeiro —300 da Força Nacional de Segurança e 270 da Polícia Rodoviária Federal. A Polícia Federal também foi acionada para reforçar as investigações contra o crime organizado.

"Estamos debatendo se a participação das Forças Armadas pode se estender no contexto do Rio de Janeiro", afirmou Dino.

"Não há decisão sobre isso. As possibilidades são todas. Nós temos uma lei complementar que autoriza, mesmo sem GLO [garantia da lei e da ordem], que as Forças Armadas ajudem em tarefa de segurança."

Logo após os ataques a ônibus, Lula se manifestou a respeito do tema do uso das Forças Armadas, mas acrescentando que não queria "pirotecnia".

"Não queremos fazer uma intervenção como já foi feito e não deu em nada. Não queremos tirar a autoridade do governador do Rio", disse o presidente, em referência à ação implantada em 2018 pelo presidente Michel Temer (MDB).

A intervenção federal na segurança foi comandada pelo general Walter Braga Netto, e o período ficou marcado pelo então recorde na letalidade policial.

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