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STF aceita por unanimidade denúncia de caso Marielle e torna irmãos Brazão e delegado réus

Cinco ministros da 1ª Turma defenderam a abertura de ação penal contra acusados de serem mandantes do crime

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Rio de Janeiro

A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade, nesta terça-feira (18), tornar réus os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão sob acusação de serem os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), em março de 2018.

O voto do relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, foi acompanhado por todos os demais quatro componentes do colegiado. Ele também defendeu a instauração da ação penal contra o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil, os policiais militares Robson Claixto, o Peixe, e Ronald Pereira, sob acusação de auxiliarem no planejamento do crime.

Os cinco se tornaram réus sob acusação de homicídio de Marielle e seu motorista Anderson Gomes e a tentativa de assassinato contra a assessora que estava no carro e sobreviveu. Eles também responderão pela suposta constituição de organização criminosa para a grilagem de terras com o apoio de milícias —Rivaldo não é acusado por este último crime.

Alexandre de Moraes fala seu voto ao microfone
O ministro Alexandre de Moraes preside a sessão da Primeira Turma do STF que decidiu aceitar a denúncia contra os acusados de serem os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco - Pedro Ladeira/Folhapress

Moraes foi o responsável por homologar o acordo de colaboração firmada de Ronnie Lessa, executor confesso do crime. A delação premiada do ex-PM é a base para a acusação feita pela PGR (Procuradoria-Geral da República).

Acompanharam Moraes os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Carmen Lúcia, membros da Primeira Turma do STF. A corte julgou o caso em razão do foro especial de Chiquinho Brazão, deputado federal. Domingos é conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio de Janeiro.

Segundo a Procuradoria, os irmãos Brazão decidiram matar a vereadora para impedir que ela continuasse a prejudicar os interesses da família em práticas de grilagem de terras. O crime seria, segundo a denúncia, o ápice das desavenças entre a família e integrantes do PSOL.

A decisão encerra investigações sobre o planejamento e execução da morte de Marielle após mais de seis anos, deixando o caso para análise da Justiça. A PGR mantém ainda investigação sobre a obstrução da apuração após o homicídio.

Moraes afirmou que a denúncia contém os indícios mínimos necessários para o seu recebimento. Ele afirmou que caberá ao Ministério Público ampliar a comprovação em relação às acusações para que haja a condenação dos acusados.

"Há 17 tópicos específicos que, comparando com a delação [de Lessa], dão sustentáculo para que o Ministério Público possa trazer ao STF a denúncia e tenha a possibilidade, com o recebimento da denuncia, comprovar que esses elementos indiciários podem levar à condenação. Se não houver, teremos a absolvição, como é de praxe", afirmou o ministro.

O relatório da PF não apresenta provas que confirmem os encontros entre Lessa e os irmãos Brazão relatados na delação. As evidências tampouco estabelecem uma vinculação entre os dois e Rivaldo Barbosa.

O documento relata tentativas frustradas de ratificar a colaboração do ex-PM com provas independentes. A PF atribui as dificuldades na corroboração aos seis anos já passados do crime. Aponta também como empecilho o envolvimento de policiais capazes de encobrir rastros e dificultar as investigações.

Moraes, porém, considerou que a denúncia não está fundamentada apenas na delação de Ronnie Lessa.

"Se os indícios de autoria vão ser confirmados durante a ação penal, é para isso que temos o contraditório e a ampla defesa. Da leitura da denúncia e das provas juntadas pelo Ministério Público, verifica-se que a PGR expôs de forma compreensível todos os requisitos", disse o ministro.

Zanin também afirmou que o nível de provas exigido para o recebimento da denúncia é distinto do necessário para a condenação.

"Neste momento não estamos analisando provas para fins de condenação, mas sim para instauração de ação penal na qual a Procuradoria-Geral da República terá de produzir prova de culpa", disse ele.

"É justamente essa a oportunidade de ouvir e confrontar esse colaborador de forma ampla. De poder inclusive demonstrar eventuais inconsistências, ou até mesmo uma versão mentirosa que tenha sido por ele contada. Mas isso se dará durante a instrução [da ação penal]."

Carmen Lúcia, por sua vez, afirmou que o conjunto apresentado pela PGR não contêm provas, mas "descrições de fato que podem, em tese, constituir delito a ser punido na forma da legislação vigente".

"São indícios que indicam a possibilidade de ter havido tudo o que foi descrito de maneira clara e objetiva. Sem provas, porque as provas se dão na instrução. Agora é apenas o recebimento. Um cenário que tende a ser suficiente como justa causa para instauração de uma denúncia."

A delação de Lessa foi alvo de ataque das defesas na tribuna antes do voto.

O advogado Roberto Brzezinski Neto, que defende Domingos Brazão, criticou a falta de corroboração das declarações de Lessa em sua colaboração.

"É inacreditável que não se tenha prova de nenhum dos três encontros [entre os Brazão e Lessa, descritos na colaboração]", disse ele.

"Não se tem prova da entrega e devolução da arma. Quem acredita que um sicário profissional iria pedir a arma para o mandante e aceitar a devolução da arma ao mandante. E o risco que ele não correria dessa arma ser descoberta?"

O advogado Marcelo Ferreira, que representa Rivaldo, afirmou que a única nova informação produzida pela PF após a investigação da Polícia Civil sobre o homicídio foi a "discutida e controvertida colaboração premiada de Ronnie Lessa, que muito mais confundiu que esclareceu".

"Ronnie Lessa disse exatamente o que a PF queria ouvir. Ele conduziu a Polícia Federal como um boiadeiro conduz a boiada", afirmou o advogado de Rivaldo.

Em sua sustentação oral, o subprocurador da República Luiz Augusto Santos Lima rejeitou a alegação de que falta corroboração à delação de Ronnie Lessa.

"Não há palavra tecida por Ronnie Lessa que destoam do quadro probatório. Qual outra justificativa se encontra para que milicianos se infiltrassem nas fileiras do PSOL. Como Ronnie Lessa teria obtido informações?", disse ele.

Lima disse que a investigação "revelou uma perniciosa relação dinâmica existente entre as milícias e candidatos a cargos eletivos no Rio de Janeiro".

"Marielle se tornou portanto a principal opositora e o mais ativo símbolo da resistência aos interesses econômicos dos irmãos. Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitar-lhe a postura", afirmou Lima.

O advogado Cleber Lopes, que representa Chiquinho Brazão, negou que o deputado tivesse alguma animosidade com a vereadora no período em que os dois estavam na Câmara Municipal.

"Não é verdade que Marielle tivesse como bandeira política o tema imobiliário. Ela apresentou um único projeto em 2017, que na verdade reproduzia uma política do governo federal, e que em hipótese nenhuma era contrária ao que foi tratado em projetos nos anos anteriores", afirmou ele.

Caso continua no STF

Moraes também negou o pedido das defesas para retirar o caso do STF, sob alegação de que os crimes listados na denúncia não têm relação com o mandato de Chiquinho Brazão.

O ministro citou o fato da suposta organização criminosa ser um crime permanente, incluindo o período de mandato de Chiquinho (a partir de 2019 até os dias atuais). Lembrou também a existência de investigação por obstrução da investigação, ainda não concluída. Esse crime, disse ele, prescinde de poder de influência conferida pelo cargo.

"Não há possibilidade de obstruir se não houver poder de influência, a possibilidade de influenciar. Há nexo funcional entre o desempenho do mandato parlamentar e o que lhe é imputado como obstrução e própria natureza do crime de organização criminosa", afirmou Moraes.

O advogado Roberto Brzezinski Neto, que defende Domingos Brazão, afirmou que o STF não tem competência para julgar o caso.

"Em nenhum momento, a PGR narrou um nexo causal entre o exercício do mandato de deputado e o fato imputado. Não há na narrativa nada que ligue o mandato ao crime de organização criminosa", disse ele.

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