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Indenizações às vítimas de ataques a escolas são baixas e pouco abrangentes

Estados e municípios são responsáveis por ressarcir alunos e professores após violência

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São Paulo

Para evitar uma onda de ações judiciais diante do aumento ataques a escolas, estados e municípios onde ocorreram essas violências têm se adiantado para propor acordos de indenização às vítimas. Os valores de reparação, no entanto, têm sido baixos e não abrangem todos os afetados, segundo especialistas.

Eles explicam que a discussão jurídica sobre a responsabilidade do Estado está praticamente pacificada. Ainda que tenha sido um evento de difícil previsão, a Constituição estabelece que a escola é responsável pela segurança dos alunos e funcionários, por isso, estados e municípios devem reparar financeiramente as vítimas de ataques em unidades de suas redes de ensino.

Alunos na saída das aulas na escola estadual Primo Bitti, em Aracruz (ES), alvo de um ataque no ano passado
Alunos na saída das aulas na escola estadual Primo Bitti, em Aracruz (ES), alvo de um ataque no ano passado - Karime Xavier/Folhapress

Principalmente nos atentados com muitas vítimas, os estados têm se adiantado a apresentar um acordo extrajudicial às famílias para evitar ações individuais em que o valor de reparação tende a ser maior.

Para os familiares, a vantagem é receber a indenização com mais celeridade, já que processos desse tipo podem se arrastar por anos.

"O poder público opta por se adiantar e apresentar um acordo por ser mais rápido e minimizar custos, já que os processos serão custosos por se arrastar por anos, além de ter um apelo social maior por dar uma solução mais rápida", diz o advogado José Roberto Covac, especialista em direito educacional.

O governo do Espírito Santo, por exemplo, prepara um pacote de cerca de R$ 2 milhões para indenizar as vítimas do ataque à escola estadual Primo Bitti, que ocorreu em 25 de novembro do ano passado. Três professoras foram mortas e outras oito pessoas se feriram.

O total de R$ 2 milhões prevê ainda indenização a cerca de 30 professores e funcionários que estavam na unidade no momento do ataque, ainda que não tenham sido feridos na ação. Alunos que estavam no local não estão contemplados no acordo proposto.

Os valores individuais não foram revelados para preservar as famílias.

"Fizemos uma pesquisa de como foi feita a indenização em casos similares que ocorreram no país e avaliamos que o acordo para as vítimas da escola de Suzano [alvo de um ataque em 2019] era o mais adequado. Achamos melhor seguir dessa forma para que as famílias recebam os valores o mais rápido possível", explica Rafael Almeida, procurador-chefe da Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos do Espírito Santo.

Segundo ele, entre as vítimas, havia professoras que deixaram filhos menores de idade, por isso, a necessidade de uma solução financeira rápida para ajudar as famílias.

O acordo usado como modelo pelo Espírito Santo foi o estabelecido em 2019 após o ataque à escola Raul Brasil, em Suzano (na Grande São Paulo). Na ocasião, familiares de 18 vítimas (mortos e feridos) foram indenizados por danos materiais e morais. Os valores foram definidos de forma individual e não foram divulgados.

Um dia após o ataque, o então governador João Doria chegou a anunciar o pagamento de R$ 100 mil para cada família afetada, mas recuou após críticas de que o valor era muito baixo.

Depois disso, foi formada uma comissão com membros da Defensoria Pública e do governo estadual para que fossem definidos valores de acordo com cada situação. As indenizações não foram muito superiores à proposta inicial de Doria.

"No Brasil, a reparação pela perda de uma vida fica muito aquém do que é definido em outros países, como os Estados Unidos. A tendência nos tribunais é trabalhar com valores pagos em casos assemelhados e os estados se valem desses precedentes para estabelecer acordos extrajudiciais", diz o advogado Luiz Fernando Prudente do Amaral, professor de direito público da Faap (Centro Universitário Armando Alvares Penteado).

No Brasil, as indenizações costumam seguir valores semelhantes aos pagos para vítimas de letalidade policial, que variam de R$ 80 mil a R$ 100 mil.

"Aqui, os valores cobrem apenas os danos financeiros, sem levar em conta o dano moral que é reparação pelo sofrimento. Em outros países, as indenizações costumam ser mais altas até como um caráter inibitório para que o poder público adote ações para evitar novas ocorrências do tipo", explica Amaral.

Os acordos, em geral, deixam de fora professores, funcionários e alunos que não foram feridos, mas vivenciaram os ataques. O Espírito Santo é o primeiro a incluir os servidores que estavam no local para receber a indenização, ainda que tenha deixado de fora os estudantes.

"O total de pessoas vitimadas por esses ataques pode ser ainda maior do que as contempladas pelos acordos. Por isso, as famílias de alunos podem entrar com ações individuais, mas terão de comprovar que os danos psicológicos, por exemplo, foram provocados pelo atentado", diz Amaral.

No último mês de março, quatro anos após o ataque em Suzano, um juiz de São Paulo condenou, em primeira instância, o governo paulista a pagar uma indenização de R$ 10 mil a um dos alunos que estava na escola durante o atentado e não foi ferido.

A família do estudante alegou que o menino chegou a ficar de frente a um dos atiradores e precisou passar pelos corpos de outras duas vítimas para fugir do ataque. O estudante disse que, quatro anos depois, segue em tratamento psicológico pelo trauma e se sente inseguro em ambientes escolares.

Uma pesquisa feita pela Universidade Stanford (EUA), identificou que 100 mil crianças americanas estudavam, apenas entre 2018 e 2019, em escolas que foram alvo de ataques. A pesquisa descobriu uma maior incidência do uso de antidepressivos e maior possibilidade de abandono escolar e repetência entre esses alunos.

Um levantamento feito pela Folha com as dez escolas que sofreram ataques nos últimos dez meses no Brasil identificou que elas têm cerca de 4.700 alunos.

"As possíveis consequências negativas para esses estudantes precisam ser mitigadas. O país tem uma fragilidade muito grande no acesso ao atendimento mental. Se o poder público não adotar medidas efetivas para reverter esses efeitos, a judicialização pode ser um caminho", diz Gustavo Samuel Santos, defensor público do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria de São Paulo.

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