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Pandemia agravou tensões, e professor é cobrado em múltiplas frentes

Recentes ataques a escolas no Brasil não deixam de simbolizar, tragicamente, que algo não vai bem na vida coletiva

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Tânia Resende

É professora da UFMG e pesquisadora do Observatório Sociológico Família-Escola (OSFE/FaE/UFMG)

Dez anos atrás, comentei nesta Folha uma polêmica do momento, sobre a instalação de câmeras filmadoras em instituições educativas, para as famílias acompanharem a rotina escolar dos filhos. Destaquei a complexidade da relação entre famílias e escolas, marcada por mistura de papéis, tensões e inseguranças mútuas. Não podia, então, imaginar o quanto tais características seriam intensificadas nos anos seguintes, em decorrência de vários fatores; dentre eles, uma pandemia de consequências avassaladoras em diversos âmbitos.

A educação escolar foi uma das áreas mais afetadas. Com as escolas fechadas, processos de aprendizagem e de socialização foram interrompidos e/ou transformados. Se o embaralhamento de funções entre família e escola já era uma tendência, o ensino remoto a intensificou. As câmeras, agora, invadiam escolas e lares, transmitindo imagens mútuas. Mães e pais viram-se na premência de gerenciar, em suas casas, aplicativos, espaços e tempos de trabalho pedagógico. E em meio a milhares de mortes, risco de contaminação, crise econômica.

Esse ainda era, no entanto, o lado privilegiado da cena.

Alunos no intervalo das aulas na Escola Estadual Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, em Aracruz (ES), palco de um dos ataques realizados no país
Alunos no intervalo das aulas na Escola Estadual Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, em Aracruz (ES), palco de um dos ataques realizados no país - Karime Xavier - 25.abr.23/Folhapress

No lado menos favorecido, o que se aguçou não foi a imbricação das esferas familiar e escolar, mas a distância entre elas. Não havia aulas nem câmeras em casa. Em algumas, chegavam atividades pela TV ou impressas. Em outras, a escola não chegava sob nenhuma forma. Em várias, chegavam violência doméstica, fome, abandono.

No Brasil, todo esse processo foi enfrentado por uma sociedade dividida. Não houve consenso social em relação a questões centrais, como a importância das vacinas ou o valor da própria vida humana. Às mortes e às mazelas da doença vieram se somar as feridas abertas por um cenário de disputas políticas, sociais, culturais, religiosas, frequentemente marcadas pelo cultivo do medo e do ódio.

Tudo isso tem reverberado na relação família-escola que, em muitos casos, mostra-se ainda mais tensionada. Relatos de agressividade e violência no ambiente escolar se multiplicam. Os recentes ataques a escolas no Brasil, tendo múltiplos condicionantes, não deixam de simbolizar, tragicamente, que algo não vai bem na vida coletiva. A escola, como espaço onde se cruzam culturas e relações, torna-se cenário de manifestação do sofrimento social.

No campo da aprendizagem, lacunas preocupantes são recorrentemente constatadas. Para muitas crianças e jovens, o frágil vínculo com a escola se esgarçou ainda mais. Absenteísmo e evasão aumentam: numerosas famílias não conseguem assegurar nem sequer a frequência escolar dos filhos.

Seja no âmbito dos sistemas de ensino, seja no interior de cada estabelecimento, esforços coletivos de superação das dificuldades, necessários, dependem de uma liderança eficaz e um clima de cooperação e positividade. Mas os movimentos de reorganização têm sido lentos, dispersos, descoordenados. Sobram testes e planilhas, faltam proposições claras e mobilizadoras. Família e escola têm dificuldade de ir além das cobranças mútuas. Professores sentem-se demandados em múltiplas direções e vigiados de diversas formas, mas pouco valorizados.

Quando o fechamento das escolas evidenciou a falta que elas fazem, pensou-se que isso resultaria em melhor relação com as famílias, na volta das aulas presenciais. Pode estar acontecendo em alguns contextos, capazes de incorporar lições positivas da pandemia, como o uso de tecnologias digitais para a comunicação escola-família, ou a maior compreensão, por docentes, da realidade de estudantes cujas casas visitaram para levar atividades pedagógicas. Porém, no conjunto, observa-se um tipo de cansaço social que atinge famílias e educadores escolares.

É preciso instituir uma nova dinâmica de valorização da escola, da educação e da cultura, na qual esses sujeitos sintam o reconhecimento do quanto sua diligência e sua boa interação são imprescindíveis na gestão de nosso presente e na gestação de nosso futuro como sociedade.

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