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Paulo Rossi Menezes

Saúde mental deve ser prioridade para a saúde pública no Brasil e no mundo

A OPAS publicou recentemente um relatório com recomendações de ações necessárias que devem ser adotadas pelos governos

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Paulo Rossi Menezes

Professor titular de medicina preventiva da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Psiquiatra e epidemiologista, é diretor científico do Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM).

Uma pesquisa Datafolha indicou que quase um em cada três brasileiros apresenta problemas de saúde mental relacionados a sintomas de ansiedade, insônia e alteração do apetite. Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Ipsos, revela que a saúde mental preocupa 52% dos brasileiros, sendo a principal apreensão relacionada à saúde entre os entrevistados.

Há uma forte percepção de que a pandemia da Covid-19 foi o principal determinante de uma acentuada piora da saúde mental. De fato, um número crescente de estudos indica que houve um importante impacto, principalmente nas populações mais atingidas. No entanto, é provável que a pandemia também tenha contribuído para evidenciar uma grave situação que já vinha ocorrendo há algumas décadas.

Desde que foi criada uma nova metodologia para mensurar o impacto das doenças na população mundial e nas diversas regiões e países, chamada de Carga Global de Doenças (Global Burden of Diseases), ficou evidente que depressão, esquizofrenia, dependências químicas e demais transtornos têm um enorme impacto negativo na vida das pessoas acometidas, seus familiares e na sociedade como um todo.

Ilustração mostra uma mulher caminhando; ela vai de um lado que mostra o céu nublado com algumas nuvens em direção a outro lado, onde há flores, grama e o Sol brilha no céu
Catarina Pignato

Com essa metodologia, foi possível constatar que os transtornos mentais são responsáveis por cerca de 16% do impacto total das doenças na população mundial e que a depressão é uma das principais causas de anos vividos com incapacitação no mundo.

No Brasil, observamos um crescimento em dados que evidenciam a importância dos transtornos mentais como um dos principais desafios de saúde. Um indicador utilizado mundialmente, inclusive para comparar a saúde mental entre regiões e países, é a taxa de mortalidade por suicídio. No Brasil essa taxa tem apresentado crescimento progressivo desde o início do século 21, enquanto observa-se redução em diversas regiões do mundo.

A OPAS (Organização Panamericana da Saúde) publicou recentemente um relatório sobre saúde mental e Covid-19 nas Américas. Após contextualizar e fazer o diagnóstico da gravidade da situação e identificar os principais determinantes sociais dos transtornos mentais na região, o relatório traz dez recomendações de ações necessárias que devem ser adotadas pelos governos.

Entre elas, destaca-se a necessidade de colocar a saúde mental como prioridade de Estado, integrando ações dos diversos setores de governo e da sociedade, aumentar o financiamento para políticas e programas de saúde mental, promover e proteger a saúde mental ao longo do ciclo de vida, com atenção especial à infância e adolescência, combater a pobreza, a violência de gênero e o racismo estrutural, ampliar a rede de atenção à saúde mental na comunidade, com centros especializados e integração da saúde mental na atenção primária à saúde, reforçar estratégias para a redução de suicídio, melhorar os sistemas de informação em saúde e ampliar a pesquisa em saúde mental.

O desafio de possibilitar acesso a cuidados efetivos em saúde mental para todas as pessoas que estejam apresentando sofrimento ou transtornos mentais é enorme. Relatórios da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que apenas uma proporção limitada das pessoas que apresentam sintomas recebem algum tipo de atenção, mesmo em países ricos.

No Brasil, dados da pesquisa nacional de saúde de 2013 indicam que apenas um em cada cinco adultos com sintomas de depressão recebiam algum tipo de tratamento e, quando isso ocorria, era principalmente através da prescrição de medicamentos. A PNS de 2019 indicou uma melhora nesse quadro, com um em cada quatro adultos com sintomas de depressão recebendo algum tipo de atenção em saúde mental, permanecendo o padrão de prescrição de medicamentos.

A ampliação do acesso a cuidados em saúde mental pode ser efetivada com quatro tipos de ações: maior investimento de recursos financeiros para programas de atenção à saúde mental; aumento da formação de profissionais especializados; capacitação de profissionais de saúde não especializados em saúde mental; e desenvolvimento e incorporação de novas tecnologias, especialmente as que utilizam meios digitais para ampliar o acesso à atenção em saúde mental.

Em relação ao financiamento para programas de saúde mental, enquanto países ricos investem pelo menos 5% dos recursos em saúde, o gasto federal no Brasil praticamente não se alterou nos últimos 20 anos, ficando entre 2 e 3% do total de gastos federais na área da saúde.

A formação de profissionais de saúde mental aumentou nas últimas décadas, mas a disponibilidade de profissionais ainda é muito aquém da observada em países ricos. As Pesquisas sobre a Demografia Médica no Brasil mostraram que houve um aumento importante no número de psiquiatras, passando de 9.010 em 2015 para 13.888 em 2023. Porém, quando examinamos o número de psiquiatras por 100.000 habitantes, passamos de 4,5 em 2015 para 6,5 em 2023, número bem abaixo dos 10 a 20 psiquiatras por 100.000 em países ricos.

A principal alternativa é a capacitação de profissionais de saúde não especializados em saúde mental, especialmente, os profissionais da atenção primária à saúde, para habilitá-los a identificar e oferecer cuidados efetivos para a maior parte das pessoas com algum tipo de sofrimento mental.

Uma grande dificuldade para que isso ocorra é a disponibilização de protocolos e instrumentos que auxiliem esses profissionais a incorporar o cuidado em saúde mental a suas práticas de rotina, já bastante intensa, principalmente para os trabalhadores da imensa rede de atenção primária à saúde do SUS (Sistema Único de Saúde).

Nesse contexto, começamos a ter disponíveis os recursos da saúde digital e telemedicina, que foram impulsionados na pandemia. Na atenção à saúde mental, observamos mudanças significativas na forma de comunicação entre os profissionais especializados e seus pacientes, passando do atendimento presencial para o virtual. Além disso, surgiram inúmeros aplicativos digitais para auxiliar com informações e técnicas de autoajuda. Infelizmente, apenas uma proporção ínfima desses aplicativos passou por avaliações rigorosas de segurança e efetividade. Essas tecnologias, quando rigorosamente avaliadas, devem ser incorporadas na prática clínica, principalmente no SUS.

O Brasil já conseguiu avançar em diversas das ações necessárias, principalmente aquelas relacionadas aos determinantes sociais, como o combate à pobreza e a qualquer tipo de discriminação. Também avançou em sua política de saúde mental centrada nos direitos humanos e na atenção à saúde mental na comunidade. Porém, os desafios ainda são enormes e é preciso que toda a sociedade coloque a saúde mental como uma prioridade absoluta.

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