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De terapia a medicação, diferentes técnicas compõem tratamento de tabagismo

Especialistas apontam que a combinação de estratégias é essencial no processo de abandonar o cigarro

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Paris

A psicóloga Elaine Camarini, 69, lembra que começou a fumar ainda jovem, com 18 anos. O motivo? Recém-ingressa no ensino superior, ela queria fazer parte do grupo daqueles considerados adeptos da liberdade. "Eu levava meu cigarro e meu mini cinzeiro [para a sala de aula]", recorda.

Esse começo de relação com o fumo podia ser comparada a uma lua de mel na vida de Camarini. O cigarro representava um status e era restrito a momentos específicos, como de diversão. Com o tempo, no entanto, a dependência aumentou. Quando tinha cerca de 22 anos e casada com um fumante, Camarini já fumava cerca de 10 a 12 cigarros por dia.

Com o tempo, a quantidade aumentou. Quando estava com cerca de 50 anos, passou por problemas pessoais, o que piorou a dependência, chegando a fumar até um maço por dia. "O cigarro virou minha muleta", relata.

Elaine Camarini, 69, conseguiu parar de fumar depois de passar por processo de psicoterapia - Eduardo Knapp/Folhapress

Ela até tinha vontade de parar de fumar, mas o principal motivo era a pressão que sofria dos outros para abandonar o cigarro. A psicóloga até tentou diminuir o hábito por conta própria, mas só foi em 2017 que ela encontrou a solução para o problema. Camarini descobriu que o Cratod (Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas), no estado de São Paulo, conta com um serviço específico para aqueles na busca de deixar o cigarro.

Inicialmente, Camarini ingressou em um grupo em que pessoas na mesma situação que ela contavam seus desafios com o tabagismo. Nesses contextos, ela também contava com apoio psicológico.

Nesse período, que durou cerca de um mês, ela diminuiu a quantidade de cigarros fumados por dia, chegando a marca de dez. Então, em setembro daquele ano, ela informou seu desejo de parar definitivamente de fumar ao psiquiatra que a acompanhava.

Foi em 11 de setembro daquele ano que Camarini fumou seu último cigarro. Ela continuou com o acompanhamento psicológico por grupo que já vinha fazendo, mas também passou a utilizar um antidepressivo e adesivo de reposição de nicotina.

A psicóloga conta que a abstinência não foi muito grande, "mas, no primeiro momento, senti o luto por ter perdido meu melhor amigo". Raiva, ansiedade, taquicardia e tristeza foram sentidos por ela durante os primeiros momentos que deixou o cigarro. Com o tempo, foi melhorando e ela deixou o serviço de cessação de tabagismo cerca de noves meses após ter fumado o último cigarro.

"No meu caso, o processo foi de total importância, sem ele eu não conseguiria parar de fumar", conta.

A adoção de estratégias advindas da psicologia e de medicamentos para tratar o tabagismo, como ocorreu no caso de Camarini, é considerada essencial para deixar o vício. Silvia Cury, gerente de saúde mental do Hcor (Hospital do Coração) e psicóloga que atende tabagistas, explica que a principal corrente psicológica para esse fim é a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC).

A TCC trabalha os aspectos emocionais que envolvem a dependência pelo tabaco. E isso é importante porque o cigarro causa dependência física, associada a substâncias do tabaco, mas também dependência emocional. Esse processo está associado com o fato de que a nicotina libera endorfina, o que diminui ansiedade e aumenta o prazer de forma automática. Por isso, o fumante tende a associar o cigarro a resolução de situações difíceis que ele passa, mesmo que o indivíduo não perceba essa associação.

A ideia da terapia, então, é entender quais são as circunstâncias que geram esses gatilhos e o que a pessoa pode fazer para lidar com isso sem fumar. No caso de Cury, ela inicialmente traça um perfil do fumante por meio de um questionário. "Eu pergunto desde quando ele começa a fumar, em quais situações", relata. Com essas respostas, ela acessa o grau de dependência da pessoa.

Em complemento, existe outro mecanismo que ajuda a compreender de que forma o cigarro é utilizado pelo usuário –se para gerar prazer ou controlar ansiedade, por exemplo. Assim, o fumante entende melhor como funciona a relação dele com o cigarro e trabalha, por meio da terapia, mecanismos para lidar com essas situações sem utilizar o cigarro.

A psicóloga ainda adota um diário de cigarro, em que o paciente escreve sobre os cigarros fumados no dia e as situações em que isso ocorreu. "Ele vai começando a entender um pouco melhor como que ele é enquanto fumante", diz Cury.

Outras estratégias

Esse tipo de terapia por si só, no entanto, pode não ser suficiente para fazer uma pessoa deixar de fumar. A adoção de medicamentos, como antidepressivos, pode ser necessário. Sabrina Presman, psicóloga e membra do conselho consultivo da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), afirma que os remédios diminuem a abstinência, ajudando a trabalhar as partes psicológicas do vício por meio da TCC.

Mas ela afirma que é importante entender que não existe uma bala de prata –por exemplo, reposição de nicotina ou antidepressivos não farão milagres sozinhos. "Cada uma das estratégias separadas é menos eficaz que tudo junto", diz.

Algo que também pode ser feito é integrar outras metodologias a TCC. Uma dessas é o mindfulness, que pode ser traduzido como atenção plena. Utilizando exercícios que buscam o enfoque a sentimentos, emoções e pensamentos da pessoa, a técnica poderia gerar efeitos positivos na cessação de tabaco.

Uma revisão sistemática de 2022 publicada pela Cochrane, no entanto, não viu uma associação clara entre o mindfulness e a redução do hábito de fumar. Pressman, por outro lado, explica que a técnica pode ajudar com ansiedade e estresse. Como muitos fumantes sentem ansiedade como um sintoma de abstinência e estresse como um fator de gatilho para a vontade de fumar, o mindfulness pode ser útil.

Mas a psicóloga chama atenção que a estratégia sozinha pode não ter tanto impacto. "Só usar mindfulness, não trabalha a reformação dos hábitos e das crenças que em relação a fumar."

Já Jacqueline Scholz, diretora do programa de tratamento de tabagismo do Incor, defende a técnica de fumar restrito como uma maneira de parar de fumar. A ideia preconiza que toda vez que alguém quer fumar, ela precisa sair do local e olhar para parede. O objetivo é retirar as sensações de prazer que são associados ao cigarro – ao tirá-lo de um cenário positivo, isso pode reduzir o hábito de fumar.

Mesmo assim, a médica reitera a importância do uso de medicamentos. "Existe uma parte química que, quando o indivíduo é privado do cigarro, ele sente irritabilidade, ansiedade, fissura. A medicação tem a possibilidade de mudar isso", resume.

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