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Brasileiros desconhecem e não controlam doenças cardiovasculares, revelam estudos

A conclusão é de dois trabalhos apresentados no Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, realizado em maio

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Fernanda Bassette
Agência Einstein

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo –no Brasil, elas respondem por quase um terço dos óbitos, sendo o infarto e o AVC (acidente vascular cerebral) os mais predominantes.

Todos os anos, mais de R$ 1 bilhão são gastos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) com procedimentos cardiovasculares, segundo dados da Estatística Cardiovascular 2023, levantamento conduzido por pesquisadores de diversas instituições brasileiras.

Ainda assim, mesmo sendo um problema tão comum, a maioria da população desconhece quais são os fatores de risco cardíaco mais básicos —e pior: mesmo com acesso a diagnósticos e medicamentos, muitos não controlam adequadamente a doença.

Colesterol alto, obesidade, sedentarismo e alimentação inadequada estão entre os fatores de risco cardíaco
Colesterol alto, obesidade, sedentarismo e alimentação inadequada estão entre os fatores de risco cardíaco - Getty Images

A constatação é de dois trabalhos apresentados no 44º Congresso da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo), que aconteceu no final de maio, em São Paulo.

Um deles é uma pesquisa feita pela Socesp com 2.764 pessoas, que demonstrou a falta de conhecimento sobre condições básicas que prejudicam o coração. Ao serem questionados sobre os fatores de risco cardíaco, somente 8% dos entrevistados mencionaram diabetes, 11% associaram ao colesterol alto, 11% responderam obesidade, 11% relacionaram à hipertensão, 12% apontaram a falta de atividade física e 13%, a alimentação não saudável.

Os resultados preocupam os especialistas, que atribuem parte do problema à falta de informação de qualidade.

"Esse resultado é preocupante, embora não tão surpreendente. Não existe uma única explicação de por que isso acontece, mas a conscientização da população vai além do acesso à informação. Falta um programa de fato que tenha esse objetivo", avalia o cardiologista Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva, diretor-científico do congresso.

"As iniciativas que fazemos são pontuais. Deveria existir um programa que incluísse toda a população, em diferentes meios, de maneira consistente, não apenas em ondas. Isso porque estamos falando da doença que responde por cerca de um terço das mortes, que é a doença cardiovascular."

Estima-se que 50% dos ataques cardíacos e AVCs seriam evitados caso o colesterol se mantivesse dentro dos parâmetros normais: abaixo de 130 miligramas por decilitro (mg/dl).

A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), utilizou o diagnóstico autorreferido de colesterol alto e, entre os 88.531 adultos avaliados, identificou-se uma prevalência de 14,6% da condição. Mas, segundo a investigação da Socesp, somente 11% dos entrevistados entendem o colesterol elevado como risco cardíaco.

Para o cardiologista Humberto Graner, do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia, isso reflete a falta de educação em saúde, uma vez que diabetes, colesterol elevado, obesidade, hipertensão, falta de atividade física e alimentação não saudável são fatores de risco muito bem estabelecidos como determinantes para doenças cardiovasculares.

"As pessoas não entendem o papel do colesterol no risco cardiovascular e há uma grande desinformação espalhada em mídias e redes sociais", comenta Graner.

Vale ressaltar que colesterol alto é um problema silencioso, que não dá manifestações clínicas e, quando surge um sintoma, muitas vezes já é o evento cardiovascular, como infarto e derrame.

O exame mais simples para identificar risco cardiovascular é a aferição da pressão arterial. Exames laboratoriais dos principais marcadores (para colesterol e diabetes) também devem ser realizados com frequência, especialmente a partir dos 40 anos.

"Era comum recomendar o check-up, a partir dos 40 anos. No entanto, temos visto cada vez mais indivíduos entre 30 e 40 anos manifestarem doença cardiovascular de forma precoce. Por isso, a ideia é que uma primeira avaliação seja feita aos 35 anos, ou mesmo antes, se houver histórico familiar de doenças cardíacas ou outros fatores de risco significativos", alerta o cardiologista do Einstein.

Doença sem controle

Outro trabalho, também apresentado no congresso da Socesp, mostrou que 99,7% dos indivíduos com doenças cardiovasculares diagnosticadas não controlam adequadamente os fatores de risco para evitar infarto e AVC. Os dados são do Registro Brasileiro de Doença Aterotrombótica, uma pesquisa feita com mais de 2 mil portadores de doença arterial coronariana ou periférica.

De acordo com o registro, apenas 8,6% dos pacientes estavam com o controle do colesterol ideal e somente 12,5% cumpriam a prática recomendada de 150 minutos de exercícios físicos por semana.

O levantamento mostra também que um em cada cinco (20,7%) monitorava o diabetes regularmente e que 31,5% dos consultados apresentavam IMC (índice de massa corporal) adequado. Para completar, menos da metade (40,7%) estava com a pressão arterial dentro da meta. Apesar da doença cardiovascular estabelecida, 15,7% mantinham o hábito de fumar.

"Esse dado é preocupante, porque não estamos falando de prevenção primordial ou de prevenção primária para pessoas que não têm a doença. Estamos falando de indivíduos que já tiveram um infarto, já fizeram uma cirurgia, já colocaram um stent [tubo inserido na artéria para evitar que ela entupa novamente]", destaca Barros e Silva.

De acordo com ele, essa é uma questão que envolve tanto a ação médica quanto o engajamento do paciente. Da parte do profissional de saúde, muitas medicações mais modernas e melhores para o tratamento não são prescritas como deveriam, provocando uma lacuna entre a prática clínica e o que tem de mais novo nos achados científicos.

Isso inclui estatinas de alta intensidade e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA), que regulam a pressão arterial. "Apesar do uso da estatina ser muito frequente, esse estudo mostrou que a maioria dos médicos não prescreve estatinas de alta potência", explica Barros e Silva. "Isso mostra que precisamos trabalhar na conscientização dos médicos", afirma o cardiologista.

Apesar da "parcela de culpa" que cabe ao médico, a falta de comprometimento do paciente com o próprio tratamento também é um desafio que pode ser influenciado por vários fatores. Entre eles, a falta de compreensão sobre a gravidade da doença e os benefícios do tratamento, ou sobre efeitos colaterais dos medicamentos, a complexidade do regime terapêutico e barreiras financeiras.

Além disso, a falta de suporte social e psicológico também podem influenciar na adesão terapêutica.

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